Conciliador, ‘charmosão’ e ‘mordomo de filme de terror’: afinal, quem é Michel Temer
por Thiago Guimarães
Da BBC Brasil em Londres
Ele já foi chamado de “charmosão” a “mordomo de filme de terror”. Escreve poemas em guardanapos e já foi descrito como um professor “bonzinho” que não cobra presença dos alunos. Passa raspando por escândalos e até nas urnas, mas lidera o partido que, mesmo sem disputar uma eleição presidencial há mais de 20 anos, é o mais presente no governo federal desde a redemocratização – e agora tem chances reais de comandar o país.
Até dezembro de 2015, prevalecia a imagem cultivada por Michel Temer em 34 anos de vida pública – e alimentada por amigos e aliados: a do político “ponderado”, “formal”, “conciliador”, “tranquilo”. A crise política, contudo, revelou aspectos diferentes da persona política do vice-presidente da República e a necessidade de se entender quem é, afinal, o político conhecido como esfinge do PMDB.
O jogo mudou na já histórica carta-desabafo dirigida à Dilma Rousseff seis dias após a abertura do processo de impeachment. No texto, em tom sentimental, ele lamenta a condição de “vice decorativo” e diz ser alvo de “desconfiança” e “menosprezo” do governo.
Se até então o peemedebista avançava casa a casa no xadrez do poder, o episódio foi um ponto fora da curva que marcou o afastamento de Temer do governo – e mostrou outra nuance da personalidade do vice-presidente.
Criticado até dentro do PMDB pela carta, considerada por alguns “infantil” e “primária”, em 2016, Temer parece ter seguido a lição de seus próprios versos, como os do poema “Exposição”, publicado no livro Anônima Intimidade (2013).
“Escrever é expor-se / revelar sua capacidade / ou incapacidade / E sua intimidade / Nas linhas e entrelinhas / Não teria sido mais útil silenciar?”
Retomou a atitude fria do político que acumulou prestígio atuando das portas dos gabinetes para dentro e se lançou na articulação do desembarque do PMDB do governo.
Origens
Em Btaaboura, vilarejo de 200 habitantes no norte do Líbano, a principal rua leva o nome de “Michel Tamer (sic), vice-presidente do Brasil”.
A família de Temer, de católicos maronitas, emigrou para o Brasil em 1925, fugindo dos problemas do pós-guerra. Comprou uma chácara em Tietê (SP), cidade de 40 mil habitantes entre Sorocaba e Piracicaba, e instalou uma máquina de beneficiamento de arroz e café.
Academia e governo
Neutro diante do golpe (não apoiou nem combateu a mudança de governo), Temer passou o regime militar longe da vida política. Montou um escritório de advocacia e começou a dar aulas de Direito na PUC-SP.
Como professor, costumava dizer no primeiro dia de aulas que todos estavam aprovados. “Vamos combinar o seguinte: não tem lista de presença, vocês estão aprovados. Quem quiser frequenta a aula. Até se vocês não vierem, facilitam minha vida, porque vou ao escritório mais cedo trabalhar na advocacia”, afirmava.
Anos tucanos
Os anos do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foram o auge de Temer nas urnas para eleições legislativas – em 2006, sua última eleição ao Congresso, obteve 99 mil votos e só entrou pelas sobras do quociente eleitoral. Também marcaram sua rápida ascensão dentro do PMDB.
Eleito líder do partido duas vezes, chegou à Presidência da Câmara pela primeira vez em 1997, com apoio do governo FHC, costurado mediante promessa dos votos de parte do PMDB à emenda da reeleição. Arranjo parecido se deu em sua segunda eleição ao comando da Casa, que se deu após o PMDB apoiar informalmente a reeleição de FHC.
No primeiro dos quatro volumes do livro Diários da Presidência, lançado em 2015 e que reúne relatos de Fernando Henrique Cardoso sobre os dois primeiros anos de seu governo (1995-1996), o ex-presidente reclama do “toma lá, dá cá” com o Congresso e demonstra desconforto com a ação do então deputado federal durante a discussão da reforma administrativa.
“E para ser mais solidário com o governo, ele (Temer) quer também alguma achega pessoal nessa questão de nomeações. É sempre assim. Temer é dos mais discretos, mas eles não escapam. Todos têm, naturalmente, seus interesses”, relata FHC no livro.
No bate-boca, que chegou a paralisar o Congresso, ACM disse que Temer tinha “pose de mordomo de filme de terror” e insinuou o envolvimento do colega em irregularidades no Porto de Santos, para o qual o peemedebista havia feito indicações políticas.
“Quem atravessou a praça dos Três Poderes para pedir ao presidente da República que ajudasse um banco falido não fui eu”, rebateu Temer, em referência à ação de ACM em favor do hoje extinto Banco Econômico.
Em acordo semelhante ao fechado com o PSDB nos anos FHC, o PMDB defendeu a eleição do PT à Presidência da Câmara no biênio 2007-2009, em troca do poder no período seguinte – em 2009, Temer assumiu a direção da Casa pela terceira vez.
Naquele mesmo ano, Temer foi citado na operação Castelo de Areia, que investigou um suposto esquema de financiamento político ilegal pela construtora Camargo Corrêa – hoje envolvida na operação Lava Jato.
O nome do peemedebista apareceu em um documento com 54 planilhas, apreendido na casa de um executivo da construtora, que sugeriria uma contabilidade paralela da empresa. Era citado 21 vezes, entre 1996 e 1998, ao lado de quantias que somavam US$ 345 mil (R$ 1,2 milhão, em valores de hoje).
A operação acabou anulada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) por irregularidades na coleta de provas, e Temer sempre rechaçou as suspeitas.
Recentemente, o senador Delcídio do Amaral (ex-PT, sem partido) implicou o vice-presidente em delação premiada dentro das investigações da operação Lava Jato. Disse que Temer teve participação direta na indicação de dois executivos da Petrobras que acabaram presos por desvios na estatal. Transcrevi trechos. Leia mais