Blogueiros e ativistas digitais brasileiros têm sofrido com frequentes investidas judiciais que partem, na maioria dos casos, de autoridades públicas e buscam a retirada de conteúdos publicados na web. Muitas são bem-sucedidas, principalmente em primeira instância. Uma linha do tempo produzida pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas mostra que, apenas em 2012, o país registrou 16 casos em que os tribunais foram utilizados como instrumentos de censura.
A incapacidade de custear as representações na justiça e contratar uma orientação especializada acabam deixando os blogueiros mais vulneráveis às ações de quem deseja cercear a liberdade de expressão. Pensando nisso, o Centro Knight conversou com a advogada Camila Marques, do Centro de Referência Legal da Artigo 19, e listou as orientações passadas pela especialista. A organização está levantando dados para criar umMapa da Violência contra a blogosfera.
Segundo Marques, o temor das sanções jurídicas não deve levar os blogueiros a precipitadamente apagar o conteúdo questionado. “As pessoas que se sentem ofendidas ou prejudicadas querem justamente que o blogueiro se sinta intimidado e abra mão do seu conteúdo apenas com uma notificação judicial ou extrajudicial, sem uma ordem de retirada. Defendemos que isso não seja feito, o que configuraria um ato de auto-censura”, aconselha. Veja outras dicas abaixo:
1. Avalie o tipo de notificação recebida
Geralmente a primeira notificação é extrajudicial, trata-se ainda de uma conversa bem informal, então não há qualquer valor jurídico e muito menos obrigatoriedade de retirar o conteúdo. Se for uma citação judicial, que corresponde à fase inicial de um processo, é essencial buscar um advogado o quanto antes, pois após o recebimento já se inicia a contagem dos prazos processuais, de acordo com a especialista.
2. Responda de forma completa e clara as notificações extrajudiciais
“Eu recomendo sempre que a pessoa responda, também extrajudicialmente, e apresente as razões da publicação, com detalhes: se é de interesse público, se o blog tem uma função informativa, se não houve intenção de ofensa na postagem. E claro, vale mencionar o direito à liberdade de expressão”, orienta a advogada. Caso a notificação se refira a direitos autorais, deve-se verificar se, de fato, cabe a reivindicação, ou seja, se a obra utilizada realmente está sob a proteção autoral e, caso positivo, retirá-la do blog se não houver permissão do autor para a reprodução.
3. Converse com um advogado especialista
É sempre aconselhável conversar com um advogado especialista para ter mais argumentos jurídicos, mesmo em caso de notificação extrajudicial, mas só é obrigatório caso haja algum ato processual. “Ainda que a publicação seja legítima e não viole qualquer direito, a gente sabe que o judiciário brasileiro nem sempre pensa na proporcionalidade do ato e na necessidade da sanção, o que pode levar o blogueiro a ser condenado a pagar indenizações altíssimas. A situação é complicada, acordos geralmente não são bons porque costumam pedir que a publicação seja retirada e que não se publique mais nada sobre o autor [do processo], o que viola a liberdade de expressão”, avalia Marques. Deve-se verificar com o advogado os riscos do processo e se vale a pena aceitar os termos restritivos de um acordo. “A publicação utilizou termos ofensivos? Trata-se de uma opinião ou de um relato de um fato verídico? Há obras com direitos autorais em um blog com interesse comercial, com anúncios? Tudo isso pesa na avaliação do juiz”, acrescentou.
4. Se não puder contratar um advogado, busque ajuda em organizações ou na defensoria pública
As defensorias públicas prestam assistência jurídica gratuita a quem não pode pagar pelos serviços de um advogado. Procure a unidade de seu estado para verificar se você tem direito à defesa patrocinada por ela. Outra opção é recorrer a escritórios modelo de faculdades de Direito, como o da Uerj e o da PUC-RJ, ambos no Rio de Janeiro. A Artigo 19, embora não exerça atividade de advocacia, pode orientar o blogueiro e passar informações sobre argumentos utilizados internacionalmente para a defesa da liberdade de expressão.
5. Conheça (e cite) os padrões internacionais
Em processos envolvendo liberdade de expressão, existem padrões internacionais que podem servir de referência para quem trava uma batalha pelo direito de informar e opinar na rede. Eles refletem a preocupação do sistema interamericano de direitos humanos em garantir que não sejam impostas restrições à liberdade de expressão além do estritamente necessário. Marques observa que os blogueiros são alvos de quatro tipos de pedidos de remoção de conteúdo: direitos autorais, honra, privacidade e marca. “No caso de uma alegação de violação à honra, os padrões internacionais afirmam que somente fatos falsos poderiam ensejar um processo, fatos verdadeiros não causariam nenhum dano desproporcional. Vale ressaltar que só fatos podem originar uma ação, opiniões não baseadas em fatos são protegidas. As pessoas públicas devem ter uma tolerância maior, pois há um interesse da sociedade envolvido. Se o blogueiro só tinha a intenção de informar ou exercer sua opinião, a Justiça deveria ser mais tolerante”, explica Marques. Outros argumentos podem ser encontrados na “Análise Comparada da Jurisprudência Nacional com os padrões internacionais de difamação” produzida pela Artigo 19.
6. Não retire do ar qualquer conteúdo antes de uma ordem judicial
“As pessoas que se sentem ofendidas ou prejudicadas com o conteúdo do blog querem justamente que o blogueiro se sinta intimidado e abra mão do seu conteúdo apenas com a notificação judicial ou extrajudicial. Defendemos que não seja feito isso, o que configuraria uma auto-censura. Existem defesas e argumentos consolidados internacionalmente, então precisamos consolidar isso em âmbito nacional e fazer com que os juízes entendam que deve haver uma tolerância maior às críticas em favor de uma liberdade de expressão plena. O Brasil é um dos países mais intolerantes a crítica e tudo enseja um pedido de remoção de conteúdo, não pode ser assim”, observa a advogada.
7. Blogueiros contam com os mesmos direitos de jornalistas
Anonimato no registro de blogs, credenciamento oficial de imprensa, proteção às fontes são alguns dos direitos que, segundo a Artigo 19, não pertencem apenas a jornalistas regulamentados, mas são extensíveis também aos blogueiros. “A atividade de disseminação de informação no interesse do público não é algo que deva requerer a associação a um organismo profissional ou a adesão a determinado código de conduta estabelecido”, defendeu a organização em seu manual “O Direito de blogar“.
8. Divulgue o assédio judicial
Para Marques, divulgar as informações do processo pode ajudar a criar uma rede de solidariedade e ação em favor do blogueiro. Em muitos casos, o conteúdo questionado passa a ser replicado em vários outros sites, o que dificulta a censura. “Claro, é preciso ter cuidado ao divulgar o caso, assumir um tom informativo e evitar qualquer tipo de ofensa ou provocação ao autor da ação para não dar abertura a ser novamente processado”, ressalta.
(Blog das Américas)