O herdeiro político de Hugo Chávez, o vice-presidente venezuelano Nicolás Maduro, deve ter escolhido com cuidado o momento de culpar os “inimigos históricos” do autocrata pelo câncer que o matou na tarde de terça-feira, segundo a versão oficial de Caracas. Já de manhã, tanques cercaram o Palácio Miraflores, a sede do governo, sinal de que Chávez estava nas últimas, se é que ainda não havia expirado. Mais adiante, ao final de uma reunião da cúpula político-militar do regime – e duas horas antes de anunciar “a mais dura e trágica informação que podemos transmitir ao nosso povo” -, Maduro disse não ter dúvida de que um dia se provará cientificamente que Chávez “foi atacado com essa doença”. De quebra, fez saber que mandara expulsar o adido militar dos Estados Unidos no país e o seu adjunto por terem procurado oficiais venezuelanos para “implementar projetos desestabilizadores”.
Não se pergunte como o “imperialismo” teria conseguido tornar canceroso o revolucionário que se erguera contra o seu império. Teorias conspiratórias não descem a irrelevâncias para os fins a que se destinam. De mais a mais, quando a ainda ministra Dilma Rousseff e, tempos depois, o já ex-presidente Lula contraíram a moléstia, o próprio Chávez disse que tinham sido “infectados” pelos EUA. Maduro, portanto, nem sequer inovou. O que de fato importa, de um lado, foram os coreografados movimentos que culminaram com a fatídica revelação e, de outro, os motivos que levaram o chavismo a transformar o falecido caudilho em vítima do opressor universal. Uma coisa e outra decerto resultaram de uma estudada articulação política para garantir a coesão do aparato chavista e fazer com que os venezuelanos cerrem fileiras ao redor do regime – e do seu legatário, Maduro.
Parece claro que o desdobramento natural dessa operação será a deliberada ampliação das divisões entre os venezuelanos, com a estigmatização ainda mais intensa das forças democráticas. O alegado martírio de Chávez e a sua previsível beatificação pretendem, assim, deixar afônica a oposição na campanha para a nova eleição presidencial, a se realizar em até 30 dias, segundo a Constituição do país. Derrotar fragorosamente o provável candidato oposicionista Henrique Capriles é a meta do endurecimento. Em outubro do ano passado, quando Chávez conseguiu o seu quarto mandato com 55% dos votos, Capriles até que não fez feio com os seus quase 45%, dadas as condições desiguais da disputa.
[Trocaram o termo “ditador” por “caudilho”. Na Espanha, o ditador Francisco Franco, que nomeou Juan Carlos rei, se autoproclamava “Caudilho pela graça de Deus”.