O mesmo esquema de terror ameaça e exila jornalistas em São Paulo

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por Conceição Lemes

A jornalista Lúcia Rodrigues tem 19 anos de profissão. De 31 de janeiro de 2011 a 5 de março de 2013, trabalhou na Rádio Brasil Atual. Primeiro, como pauteira. Depois, repórter.

Nesse período, foi agraciada com dois prêmios por reportagens sobre a desocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP). O 1º Prêmio Beth Lobo de Direitos Humanos das Mulheres, outorgado pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo. E o 29º Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, concedido pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos e Ordem dos Advogados do Brasil – seção Rio Grande do Sul (OAB-RS).

No último dia 4, Lúcia entrevistou por mais de uma hora o coronel Paulo Adriano Telhada, ex-comandante da Rota, atualmente vereador do PSDB na Câmara Municipal de São Paulo.

O foco da matéria era principalmente a contratação de dois doadores de campanha para trabalhar como assessor no gabinete. Os nomes aparecem na lista do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo. Um doou quase R$ 40 mil e o outro, cerca de R$ 19 mil. Segundo o site da Câmara dos Vereadores, o primeiro assessor recebeu, em janeiro, mais de R$ 21 mil de salário; o segundo, quase R$ 18 mil. O coronel contratou, ainda, um primo para a assessoria de imprensa do gabinete.

O clima esquentou quando a repórter, ao abordar a contratação de parentes, perguntou se era legal contratar primos. Embora não seja moral nem ético, a lei permite. Lúcia não tinha certeza e disse que iria consultar advogados. O coronel reage com uma ameaça:

Eu aconselho você a tomar cuidado com o que você vai publicar, porque a paulada vem depois do mesmo jeito, no mesmo ritmo.

Ouça aqui todo o diálogo:

Ao coronel são imputadas 36 mortes durante o período em que atuou no Tático Móvel e depois como policial da Rota:

Você quer que eu conte quantos eu matei, eu não sei. Filha, eu sou um policial de 34 anos de serviço. Você sabia quantas vezes eu fui baleado? Você nunca perguntou… Vocês querem saber quantos eu matei, mas nunca perguntaram quantas vezes eu fui baleado. Você sabe quantas alças de caixão de policial eu já carreguei? Nunca perguntaram. Isso não interessa. Isso não interessa para vocês… O que interessa é que o coronel é um assassino, o coronel matou 48, 50 alguns falam 36, não sei onde arrumaram esse número… Eu não sei, eu nunca contei.

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Questionado sobre o paradoxo entre matar e frequentar igreja, Telhada afirma:

Eu estou em paz. Todos os caras que eu matei eram bandido. Não foi nenhum inocente. Essas mãos, aqui, filha, estão suja… de lama e sangue… Não tem nenhum sangue de inocente aqui.

Ouça aqui todo o diálogo:

A reportagem foi ao ar na manhã do dia seguinte, 5 de março. Dos dois áudios postados até aqui, apenas o primeiro entra de passagem.

Ouça aqui o que foi ao ar na Rádio Brasil Atual. Lúcia ouviu também o juiz José Henrique Rodrigues Torres, presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

DEMISSÃO POUCAS HORAS DEPOIS DE A ENTREVISTA COM TELHADA IR AO AR

À tarde, nesse dia, a jornalista foi demitida pelo próprio coordenador da Rede Brasil Atual, Paulo Salvador. Habitualmente ele não trabalha no mesmo espaço da Rádio; foi até o local apenas para exonerar Lúcia:

Ele me demitiu no estacionamento do prédio. Perguntei várias vezes o motivo. Ele disse que não iria falar. A única coisa que chegou a dizer é que não havia mais espaço para mim na firma com a mudança para a Paulista [a nova sede será na rua Carlos Sampaio]. Perguntei de quem era a decisão. Disse que era dele.

[Dele? Ou dele?
Dê-le.
Quem?
Ele!]

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Publicado por

Talis Andrade

Jornalista, professor universitário, poeta (13 livros publicados)

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