Brasil & Brazil

por GUSTAVO CARDOSO
Público/ Portugal


O primeiro Brasil deste título é o país do manifestródomo no qual a câmara de deputados do Congresso brasileiro se transformou, através das declarações sobre as razões e motivos de se votar a favor, ou contra, o impeachment da Presidenta da República Federativa do Brasil, Dilma Rousseff.

O segundo Brazil deste título é o que dá nome à obra de Terry Gilliam no seu filme de 1985. Uma sociedade, ou talvez um país, onde predomina um distópico, e absurdo, quotidiano em que há um Ministério da Informação com o monopólio do arranjo dos canos (sim, das canalizações) e onde o lema “a suspeita gera confiança” molda o dia-a-dia.

Porquê referir os dois “brasis”? Porque o sucedido na Câmara dos Representante e sua mediatização televisiva aproxima, a passos largos, a sociedade distópica do Brazil de Gilliam da actual sociedade do Brasil de Dilma, Temer e Cunha – para falar apenas de três dos personagens centrais do actual processo político.

O Brasil que já foi o país do futuro, que já foi aspirante a membro permanente do conselho de segurança da ONU e a potência mundial do hemisfério Sul, encaminha-se, por opção dos seus próprios representantes eleitos, para uma caricatura daquilo que pretendia ser.

Sim, é verdade que a corrupção de natureza endêmica existe em todas as sociedades e que o Brasil não é diferente e, também, que o crescimento económico dos últimos anos a potenciou.

Também é verdade que o Brasil, como todas as democracias, tem problemas de financiamento ilegal dos partidos. Mas também é verdade que toda a gente no Brasil, ou pelo menos os políticos brasileiros de todos os partidos, sabem que o problema não é do PT ou do PSDB – os dois últimos partidos que elegeram presidentes.

O problema reside “na situação” que infiltra esses partidos quando estão no poder ou quando partidos do centrão permanecem tempo demais em alianças com diferentes governos – como o PMDB que esteve também nas últimas décadas em vários governos, incluindo os de Lula e Dilma.

Mas o Brasil também é o país de governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Lula e do combate à pobreza, da criação de programas de sucesso no combate à inflação com FHC, criação de novas classes médias por ambos, da presença na arena global diplomática (na ONU e na denúncia do excesso de vigilância electrónica global), da liderança tecnológica, da liderança na denúncia das alterações climáticas, da promoção da cultura para todos e da organização de Jogos Olímpicos.

No entanto, desde que a democracia se sedimentou no Brasil, com as eleições directas após 1989, o Brasil teve cinco Presidentes – Collor de Melo, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff.

De entre esses cinco, teve um Presidente destituído por impeachment, Collor de Melo, uma Presidenta em processo de impeachment e um ex-Presidente, Lula da Silva, empurrado para o meio do actual processo contra Dilma Rousseff.

Em cinco Presidentes, num período de duas décadas e meia, poderemos ter, a breve trecho, três presidentes envolvidos em processos de impeachment, algo que nos mostra, não uma excepção, mas a assunção de uma “anormal” normalidade política.

A questão que fica, ainda, por responder é saber se o Brasil pode aspirar a ser outra coisa que não um Brazil se tornar os impeachments a sua normalidade política. Daí que, talvez, a única alternativa a se tornar num Brazil distópico seja mesmo ter “eleições já” tal como noutro momento histórico foi preciso no Brasil dizer “directas já”.

 

 

Professor Catedrático do ISCTE-IUL e investigador do College d’Études Mondiales na FMSHGustavo Cardoso

Publicado por

Talis Andrade

Jornalista, professor universitário, poeta (13 livros publicados)

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