A Polícia Federal vai até onde é permitido pela presidência da República

A Polícia Federal tem muitas caras.

Prendeu, torturou e trucidou na Ditadura Militar. Foi de fritar bolinhos e corrupta nos governos Sarney e Collor, sob o mando do xerife Tuma, parceiro do delegado Sérgio Fleury.

Romeu Tuma, por muitos anos, como delegado ou senador, mandou e desmandou na PF. In verbete da Wikipédia: Foi diretor geral do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) paulista de 1977 a 1982. De acordo com o livro Habeas Corpus, lançado em janeiro de 2011 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Tuma participou ativamente na ocultação de cadáveres de militantes políticos assassinados sob tortura e no falseamento de informações que poderiam levar à localização dos corpos dos desaparecidos políticos. Em 1982, na presidência de João Figueiredo, tornou-se superintendente da Polícia Federal no Estado, e em 1985, com Sarney presidente, torna-se diretor geral do órgão.

O cabo Anselmo morou no DOI-Codi, em uma dependência vizinha ao gabinete de Tuma, que foi adaptado para servir de moradia.

Fleury atuava sob os holofotes, era o herói dos tempos de chumbo, o Congresso votou uma lei com o nome dele; e Tuma, nas sombras.

Nos interrogatórios, Fleury era o delegado mauzinho, e Tuma o bonzinho.

De Ratos e Homens

por Gilmar Crestani

Se vivo e brasileiro fosse, John Steinbeck teria de se reinventar para escrever um segundo volume. Material, como se pode ler abaixo, não lhe faltaria. Até seria fácil atribuir ao MPF/PF a responsabilidade por caberem neste retrato, mas o enquadramento foi moldado pelos a$$oCIAdos do Instituto Millenium. Estatuetas, afagos e holofotes transformaram uma instituição que, nos tempos de FHC, arrancava maconha no polígono das secas em golpistas. A PEC 37 deveria se chamar PEC 171, pois transformou fiscais da lei em juristas.

Se é verdade, como diz o Marcelo Auler, abaixo, que a Polícia Federal cortou na própria carne para se reinventar, o MPF sequer cortou as próprias unhas. E como elas cresceram…

Como personagens paridos pela imaginação do escritor ianque a partir de uma realidade econômica recessiva, George e Lennie estariam hoje representando MPF/PF, com a diferença que a tragédia não seria mero acaso, senão de caso pensado. Até a recessão parece ser um meio cujo fim é o golpe paraguaio. Enquanto aquelas personagem derivam da recessão, a força das nossas ratazanas dependem do avanço da recessão que buscam com todas as forças criar.

Polícia Federal ontem e hoje: de FHC à Dilma Rousseff

por Marcelo Auler

Na primeira metade dos anos 90, a Polícia Federal do Rio foi comandada por delegados bastantes problemáticos. Que o digam os procuradores da República que ingressaram na instituição naquele período, Passavam um dobrado, por não confiarem em muitos dos policiais lotados na Superintendência Regional (SR/DPF/RJ).

Um destes ex-superintendentes, Eleutério Parracho, foi expulso da Polícia Federal junto com outros agentes após extorquirem 2 milhões de dólares – o pedido inicial era de 10 milhões de dólares – da direção latino-americana do Israel Discount Bank. Outro, Edson Antônio de Oliveira, envolveu-se também em concussão e no recebimento de mesadas dos bicheiros do Rio. Sua expulsão foi proposta em um Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Injunções políticas levaram o então ministro da Justiça, Nelson Jobim, a rejeitar a demissão. Ele só saiu do DPF, por força de sentença judicial transitada em julgado, depois de ser preso, em 2012, 25 anos após o crime contra dois comissários da antiga Varig; 15 anos após a primeira sentença. Morreu brigando na Justiça pela sua reintegração.

Um terceiro ex-superintendente foi acusado pelo Ministério Público Federal de usar o carro apreendido com um traficante, tal como o juiz Flávio Roberto de Souza, pego dirigindo o Porshe de Eike Batista que ele mandara apreender. O detalhe importante é que o ex-superintendente tinha carro oficial e motorista. Ainda assim, durante o seu expediente de trabalho, o carro do qual tornou-se fiel depositário era multado por excesso de velocidade na Linha Vermelha. Recebi as multas do próprio traficante, um advogado recolhido à prisão especial de Benfica. Até hoje ignora-se quem dirigia o carro enquanto o superintendente trabalhava. Assim era a Polícia Federal dos anos 90.

Em 1995, fações do tráfico disputavam, com armas importadas, o domínio das comunidades da cidade. Isso fez o coordenador do Viva Rio, Rubem César Fernandes, mobilizar a sociedade em busca da paz. Com o apoio integral dos representantes dos três principais jornais da cidade – João Roberto Marinho (O Globo), Kiko Nascimento Brito (JB) e Walter Mattos (então em O Dia) – foram ao presidente Fernando Henrique Cardoso pedir maior atuação da Polícia Federal no estado, a começar pela sua Superintendência, um órgão sob suspeita.

FHC ordenou e o diretor geral do DPF, Vicente Chelotti, mandou uma equipe investigar como as armas e drogas entravam no Rio. O encarregado do trabalho foi o hoje delegado aposentado Onézimo Sousa, que desembarcou na cidade com sua própria equipe.

Em poucos meses e após muitos percalços – um carro que achavam que ele usava foi baleado, seu quarto de hotel foi invadido e revirado – Onézimo voltou à Brasília com provas de policiais federais envolvidos na criminalidade. Reivindicou a prorrogação da sua estada no Rio para aprofundar o trabalho.

Reuniu-se com Chelotti e com diretor de Inteligência Policial (DIP), o hoje ex-deputado federal pelo PMDB e candidato a deputado derrotado pelo PSDB, delegado aposentado Marcelo Itagiba, Ele é um dos que aparecem no Youtube acusando o governo de Dilma Rousseff de querer esvaziar financeiramente a Polícia Federal.

Na época, o pedido de Onésimo girava em torno de um valor irrisório para diárias do hotel e alimentação, algo em torno de R$ 20 mil. Não se falava em corte de orçamento, antes pelo contrário, o presidente FHC, como noticiou O Globo, instruiu Chelotti a não poupar recursos nem pessoal naquela missão. Onézimo, porém, como recordou nesta quarta-feira (20/01), ouviu um sonoro não da direção do DPF. “Alegaram falta de recurso, mas os motivos eram outros”, desabafou.

Ou seja, não era verba, mas falta de vontade política da direção do DPF. Impediram a continuação do trabalho que o presidente da República prometera ao Viva Rio. Mais ainda, anos depois, não sabiam onde estava o material entregue por Onézimo com as gravações das escutas de telefonemas de traficantes investigados.

Em 2003, não foi mera coincidência, mas um sinal de mudança de rumo. Ao assumir a direção do DPF, com total apoio do ministro Marcio Thomaz Bastos e, ainda , do presidente Lula, o delegado Paulo Lacerda deu início às operações policiais que hoje viraram rotina, cortando na própria carne, para dar exemplo. Foi a Operação Sucuri, em Foz de Iguaçu, que prendeu policiais federais e Auditores da Receita Federal envolvidos com o contrabando e o descaminho de mercadorias. Entre eles estava o agente Newton Ishi, hoje mais conhecido como japonês bonzinho.

Tudo isso me veio à memória ao cair nas minhas mãos um número atrasado da Revista Art. 5ª, edição nº 43, dos meses de março/abri de 2015. Trata-se de uma revista da Associação Artigo 5º – Delegados e Delegadas da PF para a República e a Democracia. A Associação, cujo nome é uma referência ao artigo da Constituição com Direitos e Garantias Fundamentais, tem por objetivo algo inusitado no meio policial: defender os Direitos Humanos (DH), motivo pelo qual, segundo alguns policiais, não tem muitos sócios: “DH é tema ainda espinhoso na instituição, em que pese a PF ter uma diretoria voltada para os Direitos Humanos”.

Já na capa há uma chamada que despertou interesse: “Aos 71 anos, mais do que crimes, a PF revela o cinismo da sociedade”, E continua, questionando:

“Se a corrupção “passou dos limites”, qual o limite anterior? O dos governos passados? O dos escândalos não apurados ou arquivados? Quem figura nas centenas de inquéritos que tramitam em sigilo na PF distante da grande mídia?”

O principal artigo – Da Satiagraha à Operação Lava Jato – é assinado pelo delegado federal aposentado Armando Rodrigues Coelho Neto. A ele, injustamente, relacionei uma postagem sobre o salário de Paula Rousseff Araujo, filha da presidente Dilma, na matéria Briga por verba reflete a briga contra Dilma na PF.

Também da autoria dele, o Jornal GGN, de Luis Nassif, postou, nesta quarta-feira (20/01) outro artigo interessantíssimo, que recomendo a leitura: Para não dizer que não falei do Moro,

Na reportagem que escreveu na Revista Art. 5º ele, que vivenciou muitos anos de Polícia Federal, historia como a instituição chegou ao que é hoje – inclusive com um plano de marketing para retirá-la do atoleiro em que estava e um financiamento pedido no governo de FHC junto à França. Mas, mostra também os riscos que se corre hoje. Um artigo que, pelo que apuramos, provocou ira e revolta em muitos delegados, como mais uma demonstração do racha que existe na categoria. Por achá-lo atual e interessantíssimo, trouxe para o blog:

Da Satiagraha à Operação Lava Jato

Armando Rodrigues Coelho Neto, Delegado Federal aposentado e jornalista

(Contra o impeachment, crítico à Operação Lava Jato e discordando do encaminhamento da campanha salarial que seus colegas fazem)

Excessos de otimismo à parte, a Polícia Federal já foi atacada de todas as formas, conforme a conveniência do opositor. Já foi rotulada de Polícia da Ditadura, Polícia do Fernando Collor de Mello, Polícia do Fernando Henrique Cardoso ou Polícia do Lula (Luiz Inácio Lula da Silva).Todas as expressões foram empregadas com sentido pejorativo. E, como dito, ao sabor do opositor, pois durante a Operação Satiagraha, ação policial voltada contra o desvio de verbas públicas, a corrupção e a lavagem de dinheiro (quando vários banqueiros foram presos) a dinâmica deu margem a expressão “Estado Policial”. Uma velada alusão ao estado policialesco.

O resultado concreto da Satiagraha foi a anulação de peças e até de inquéritos. O banqueiro Daniel Dantas foi preso e libertado duas vezes e um dos habeas corpus teria sido despachado na calada da noite, assinado pelo juiz Gilmar Mendes, o mesmo que criticou a “escandalização da prisões” da PF e que hoje, controvertidamente, aplaude os escândalos protagonizados durante a Operação Lava-Jato.

No inventário da Satiagraha, o juiz Fausto De Sanctis (o Sérgio Moro de então) foi processado administrativamente. Já o delegado federal Protógenes Queiroz, acuado pela imprensa e pela própria instituição, exilou-se numa candidatura. Apesar dos quase 200 mil votos, precisou ser arrastado pelo palhaço Tiririca (também candidato e campeão de votos) para eleger-se deputado federal. Protógenes ficou imune temporariamente, mas ao não se reeleger, voltou à PF e foi demitido. Hoje, administra uma polêmica tentativa de volta à instituição.

Todo esse barulhaço, porém, teve origem num trabalho de marketing que começou, não necessariamente com esse objetivo, no final do governo Fernando Henrique Cardoso – uma fase obscura da Polícia Federal. Naquela época, tempos em que a França ainda dispunha de algum dinheiro, aquele país emprestou ao Brasil considerável verba destinada à aplicação na área de segurança, beneficiando particularmente a Polícia Federal. O dinheiro, entretanto, estava vinculado a um planejamento operacional. Sem planejamento para a aplicação da verba, o dinheiro não seria liberado, embora já creditado na conta do Brasil.

Tempos angustiantes para o eficiente delegado federal José Francisco Mallmann, integrante da cúpula da PF, em Brasília/DF, um dedicado servidor que gerenciava crises policiais do governante da época.

Em uma delas, para atender reclamos da sociedade, criou-se o Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal (Funapol), voltado para o custeio e manutenção das atividades da Polícia Federal (PF).

O fundo, que seria uma melhoria de caixa da PF, muito cedo veio a cair na vala comum do orçamento da União e nada, praticamente nada, passou a retornar à instituição.

Pois bem, Mallmann vivia em busca de alternativas e aliou-se a uma legião de servidores da instituição. Dessa união resultou um grupo para criar um planejamento quinquenal para o uso da tal verba da França, um empréstimo, aliás, sobre a qual o Brasil já pagava juros mesmo sem usar, e não o usava, pasmem (!) por falta de planejamento.

Um ano de trabalho transcorreu, no qual delegados, peritos, agentes, escrivães e servidores administrativos, alojados na Academia Nacional de Polícia (Sobradinho/DF) empenharam-se e criaram um planejamento plurianual para aplicação da verba em cinco anos.

O Ovo da Galinha e a Escandalização – Teve início a elaboração de um Plano Quinquenal que descia a detalhes, inclusive o de dar visibilidade à Polícia Federal. E um dos motivos ocultos pode ser revelado agora: uma briga que sobrevive até hoje com o Ministério Público Federal, já que as queixas internas eram e são frequentes. “Nós trabalhamos e os que aparecem são os procuradores da República”. Um publicitário que participou dos trabalhos disse então, durante uma sessão de atividades, que “o ovo da galinha faz mais sucesso do que o da pata porque ela faz mais barulho quando o põe”…

Nessa trilha da PF em ação, concretizado o plano, o barulho do ovo da galinha veio através de diligências pirotécnicas e controvertidas com nomes esquisitos (grotescos ou pitorescos) que caíram no gosto popular. Servem de exemplo as operações Gasparzinho, Alegoria da Caverna, Carniça, Pintando o Sette, Trem Fantasma e a atualíssima Lava-Jato, entre tantas.

Uma mão na roda para o governo Lula, que foi içado à Presidência da República lastreado por um discurso popular. O Planejamento Quinquenal da PF não foi um parto tranqüilo, pois de início, sofreu forte influência de um ex-graduado militar egresso da Marinha que pôs em prática um tal Método Grumbach de Gestão Estratégica, que através de uma suposta metodologia de computador geraria um processamento de análises prospectivas. Leia-se, projeção lógica do que poderia acontecer.

Dessa metodologia surgiu como prioridade algumas “ameaças”, tais como a suposta criação de “Estado Indígena” na região do Amazonas, um ataque ao Brasil por fronteiras, entre outras conclusões “científicas”. Pelo método, várias autoridades de diversos segmentos sociais respondiam questionários e do cruzamento das respostas sairia o veredicto. Aliás, um dos questionários recebeu uma irônica resposta do polêmico comentarista da Globo News, Diogo Maninardi. Com nítidos contornos de ideologia militar, originariamente, a conclusão do plano foi recebida com restrições pelos participantes. O cheiro de caserna foi espantado a muito custo (leia-se debates acalorados). Finalmente, o resultado “científico”, sob pressão, atribuiu ao combate à corrupção a prioridade máxima.

“Nós só temos um problema no Brasil, que é a corrupção. Os outros são consequências, derivações dela”, comentou à época Armando Rodrigues Coelho Neto, integrante do grupo e hoje editor da revista Artigo 5º.

E assim, com pompa e circunstâncias, com cerimônia de entrega e tudo, dentro da Academia Nacional de Polícia, o delegado federal José Francisco Mallmman, ladeado pelo então diretor-geral da instituição, Agílio Monteiro Filho, deu-se a entrega do primeiro Planejamento Quinquenal da Polícia Federal. Um trabalho a ser repassado ao vencedor do pleito eleitoral de 2002. Na prática, um conjunto de enunciados de prioridades consubstanciadas sob o princípio do “Não importa quem vença as eleições; se José Serra (PSDB) ou Luis Inácio Lula da Silva (PT). O plano é republicano”. Venceu Lula, que ao receber cópia do documento, e, ao conhecer seu conteúdo, disse:

“esse é o plano de meu governo para a Polícia Federal”.

HSBC Gate e Operação Zelote – Aos poucos, a PF mostrou sua nova face, ainda que tropeçando na apelidada “testosterona policial”, numa alusão a ousadia dos novos delegados da PF, “acima do bem e do mal”, como ironizou uma juíza federal de Pernambuco. As interceptações telefônicas, ainda que autorizadas pela Justiça, pareciam ter saído do controle, dando margem até ao folclórico “grampo” do então presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, cujo áudio nunca foi ouvido e nunca se provou que tenha existido.

A denominada “grande mídia” encarregou-se de propalar a onda do grampo, alardeando o tal “Estado Policial”. Desse modo, palavra como “busca” passou a ser tratada editorialmente por “devassa” ou “invasão” e reverberou à exaustão a apologia da privacidade, pouco importando o que estavam a revelar as interceptações telefônicas.

Em nome do princípio da legalidade, hoje aparentemente tão negligenciado, juristas e jornalistas de todos os expoentes teceram loas a esse mesmo princípio – valores nobres inseridos na Constituição Federal. Mas, logo passaram a negar, embalados pelo partidarismo eleitoral. Hoje, a grande mídia, em plena lua de mel com a Polícia Federal, já não prioriza mais aqueles princípios.

Cinismo e hipocrisia Pelas novas regras, valem o interesse público, os vazamentos seletivos, enquanto os institutos da ampla defesa, presunção de inocência só são lembrados em cantos de páginas de jornal.

Por força da ação da PF, antes mesmo de revelar crimes, involuntariamente, a instituição deixou à mostra os pilares da esquálida democracia no Brasil, para logo a seguir revelar o cinismo e a hipocrisia. Era como se a massa crítica nacional acreditasse em capitalismo samaritano e que as doações de campanha não tinham e nunca tiveram retorno para os doadores.

Será que a sociedade nunca soube ou presumiu que havia corrupção? Sem arriscar resposta, melhor lembrar que recentemente, 8 mil contas de brasileiros apareceram no escândalo do banco britânico HSBC. Nesse “HSBC Gate”, o Brasil figura entre os quatro países com o maior número de clientes. Dinheiro honesto à parte, existem valores frutos de evasão de divisas, sonegação fiscal, tráfico de droga, contrabando, corrupção. Sobre isso, paira o silêncio da grande mídia e nem se tem notícia de vazamentos seletivos ou interesse público.

Esquecido o “HSBC gate”, logo após, veio Operação Zelote da PF, que trouxe à tona sonegação fiscal que atinge R$ 580 bilhões, com envolvimento de grandes empresas, inclusive multinacionais.

A Artigo 5º dedicou a edição nº 37 (março/abril/2014) ao tema corrupção e uma das denúncias ali contidas foi:

Até 1999, a Alemanha permitia que a propina paga em países como o Brasil fossem deduzidas do imposto de rendas das matrizes das empresas naquele pais, segundo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Quem eram os governantes de então? Que fatos da dimensão ora apontadas fujam do conhecimento ou compreensão da grande massa de analfabetos ou semi é compreensível. Mas que escapem às análises dos expoentes jurídicos, econômicos e da grande mídia parece improvável. Soa, portanto, como falsa a perplexidade e ou surpresa da massa crítica nacional, diante do que a Polícia Federal vem revelando.

“É claro que a circunstância dos fatos estarem a mostra agora não absolve culpados atuais e passados, mas deixa evidente a hipocrisia e o desinteresse dos “grandes debatedores”, que não aprofundam o tema. Pelo contrário, fulanizam e partidarizam-no. O fazem a tal ponto de arranhar a credibilidade não apenas de investigantes, mas do Ministério Público e Justiça Federal, com descarado apoio da dita “grande mídia”.

A PF está mais forte não apenas por ter posto em prática um Plano Quinquenal de ações – já prorrogado por mais quinze anos. Mas também porque, paradoxalmente, só no Governo da presidenta Dilma Rousseff foram sancionadas 13 leis e/ou normas que a fortaleceram. A regulamentação da lei de Colaboração Premiada está entre essas normas. E, de longe, a PF recebeu nos doze últimos anos mais e melhores recursos materiais e humanos do que em quaisquer outros.

Sobrevivem, no entanto, insatisfações internas entre integrantes da categoria, atualmente agravado pelo contingenciamento de verbas aplicado em todas as áreas, mas que muitos insistem em tratar como “desmonte” da PF, como se caso único fosse. Na prática, um forte apelo popular em nome da “Operação Lava Jato”, que vem apimentando uma justa campanha salarial, ainda que viciada pelo tenso clima político

Como polícia e MP transformavam inquéritos policiais em políticos

por Luis Nassif

A Polícia e o Ministério Público da Guanabara valeram-se de um inquérito policial para levantar dados e efetuar vazamentos contra adversários políticos

Hoje em dia, Jorge Serpa Filho passa seus últimos dias em casa, já sem falar coisa com coisa. Se alguém telefona para lá e ele atende, imediatamente acerta um almoço com a pessoa. Em seguida, sua esposa pega o telefone para se desculpar.

Mas já foi bastante influente.

Passaram por suas mãos desde a redação dos editoriais de Roberto Marinho aos discursos de Mário Covas, o tal “choque de capitalismo”, e os discursos de Fernando Collor, seu adversário.

Ligado a Augusto Frederico Schmidt e San Tiago Dantas, foi influente também antes de 1964. Foi íntimo de JK, Jango, testemunhou os principais episódios políticos da época.

Por sua influência, ganhou o cargo de diretor financeiro da Manesmann, que se instalava em Belo Horizonte. Acabou se envolvendo em uma operação de colocação de títulos da empresa no mercado e foi preso em 1965.

A Polícia e o Ministério Público da época julgaram que ele poderia ser o caminho para se atingir politicamente os inimigos do regime.

Serpa pertencia ao influente grupo de Schmidt que tinha, entre outros, o futuro governador do Rio Negrão de Lima. Também era próximo a Walter Moreira Salles.

No dia 8 de julho, apesar da sede da Manesmann ser em Belo Horizonte, Serpa foi intimado a prestar um depoimento à Delegacia de Defraudações da Guanabara. O procurador geral do Estado designou o promotor Nilton Barros de Vasconcellos para acompanhar pessoalmente o depoimento.

O interrogatório foi acompanhado pelo superintendente de polícia judiciária, Sales Guerra. Os repórteres testemunharam ele, várias vezes, telefonando para o Secretário de Segurança, coronel Gustavo Borges, para informa-lo do andamento do interrogatório.

O depoimento foi acompanhado por seu advogado. Tude da Lima Rocha, assessorado por Reinaldo Reis, ambos colegas de Serpa na Faculdade de Direito.

Delegado e promotor pouco estavam interessados no escândalo da Manesmann. As quatro laudas de perguntas do delegado Ilo Salgado Bastos pouco se referiram à Manesmann. Serpa foi obrigado a responder sobre suas ligações com Walter Moreira Salles, Negrão de Lima, com ex-auxiliares de Juscelino Kubitscheck e João Goulart.

A Polícia queria saber se era verdade que esses personagens recebiam jetons de Cr$ 3 milhões da Manesmann.

Nos corredores, delegados vazavam informações aos repórteres de que Negrão de Lima seria o próximo a ser ouvido.

Queriam saber também de onde saiu o dinheiro para a compra do apartamento que tinha na avenida Atlântica.

Serpa não negou suas ligações com Negrão, JK e Jango, e os demais, “mas fez questão de botar as coisas no seu devido lugar”.

O advogado Tude classificou como absurdo jurídico a intimação para Serpa depor na Delegacia de Defraudações da Guanabara, sendo que a sede da Manesmann era em Belo Horizonte. E estranhou as perguntas que “remontam até o desembarque de Pedro Álvares Cabral no Brasil”.

Serpa estava sem dormir há três noites e se sentiu mal durante o interrogatório.

N dia 12 de julho de 1965, em editorial o Jornal do Brasil denunciou Carlos Lacerda pelas torturas infligidas a Serpa. “Estamos diante de uma acusação frontal de sevícias e torturas praticadas com o mesmo teor de perversidade fanática que tem caracterizado a política política dos estados totalitários, nazistas ou comunistas”.

Nos meses seguintes foi submetido até a pau-de-arara nas dependências do Exército. Até que aderiu à delação premiada e se aproximou do SNI. Dali em diante passou a ser o ghost-writer mais requisitado nos discursos dos militares.

Com base na suposta delação de Serpa, Homero Souza e Silva, amigo e sócio de Walter Moreira Salles, foi intimado a depor na Delegacia de Defraudações.

Nemias Gueiros apresentou-se como advogado. No interrogatório, queriam saber se Homero havia encontrado Serpa na casa de Walter. Era uma pergunta aparentemente ingênua. Mas antes que respondesse, o delegado baixou o tom da voz e alertou-o:

– Pelo amor de Deus, não cite o nome de seu amigo.

A pergunta havia sido colocada no interrogatório apenas para criar um motivo legal para levar Walter à delegacia e incluí-lo no inquérito.

Publicado por

Talis Andrade

Jornalista, professor universitário, poeta (13 livros publicados)

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