A Polícia Federal vai até onde é permitido pela presidência da República

A Polícia Federal tem muitas caras.

Prendeu, torturou e trucidou na Ditadura Militar. Foi de fritar bolinhos e corrupta nos governos Sarney e Collor, sob o mando do xerife Tuma, parceiro do delegado Sérgio Fleury.

Romeu Tuma, por muitos anos, como delegado ou senador, mandou e desmandou na PF. In verbete da Wikipédia: Foi diretor geral do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) paulista de 1977 a 1982. De acordo com o livro Habeas Corpus, lançado em janeiro de 2011 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Tuma participou ativamente na ocultação de cadáveres de militantes políticos assassinados sob tortura e no falseamento de informações que poderiam levar à localização dos corpos dos desaparecidos políticos. Em 1982, na presidência de João Figueiredo, tornou-se superintendente da Polícia Federal no Estado, e em 1985, com Sarney presidente, torna-se diretor geral do órgão.

O cabo Anselmo morou no DOI-Codi, em uma dependência vizinha ao gabinete de Tuma, que foi adaptado para servir de moradia.

Fleury atuava sob os holofotes, era o herói dos tempos de chumbo, o Congresso votou uma lei com o nome dele; e Tuma, nas sombras.

Nos interrogatórios, Fleury era o delegado mauzinho, e Tuma o bonzinho.

De Ratos e Homens

por Gilmar Crestani

Se vivo e brasileiro fosse, John Steinbeck teria de se reinventar para escrever um segundo volume. Material, como se pode ler abaixo, não lhe faltaria. Até seria fácil atribuir ao MPF/PF a responsabilidade por caberem neste retrato, mas o enquadramento foi moldado pelos a$$oCIAdos do Instituto Millenium. Estatuetas, afagos e holofotes transformaram uma instituição que, nos tempos de FHC, arrancava maconha no polígono das secas em golpistas. A PEC 37 deveria se chamar PEC 171, pois transformou fiscais da lei em juristas.

Se é verdade, como diz o Marcelo Auler, abaixo, que a Polícia Federal cortou na própria carne para se reinventar, o MPF sequer cortou as próprias unhas. E como elas cresceram…

Como personagens paridos pela imaginação do escritor ianque a partir de uma realidade econômica recessiva, George e Lennie estariam hoje representando MPF/PF, com a diferença que a tragédia não seria mero acaso, senão de caso pensado. Até a recessão parece ser um meio cujo fim é o golpe paraguaio. Enquanto aquelas personagem derivam da recessão, a força das nossas ratazanas dependem do avanço da recessão que buscam com todas as forças criar.

Polícia Federal ontem e hoje: de FHC à Dilma Rousseff

por Marcelo Auler

Na primeira metade dos anos 90, a Polícia Federal do Rio foi comandada por delegados bastantes problemáticos. Que o digam os procuradores da República que ingressaram na instituição naquele período, Passavam um dobrado, por não confiarem em muitos dos policiais lotados na Superintendência Regional (SR/DPF/RJ).

Um destes ex-superintendentes, Eleutério Parracho, foi expulso da Polícia Federal junto com outros agentes após extorquirem 2 milhões de dólares – o pedido inicial era de 10 milhões de dólares – da direção latino-americana do Israel Discount Bank. Outro, Edson Antônio de Oliveira, envolveu-se também em concussão e no recebimento de mesadas dos bicheiros do Rio. Sua expulsão foi proposta em um Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Injunções políticas levaram o então ministro da Justiça, Nelson Jobim, a rejeitar a demissão. Ele só saiu do DPF, por força de sentença judicial transitada em julgado, depois de ser preso, em 2012, 25 anos após o crime contra dois comissários da antiga Varig; 15 anos após a primeira sentença. Morreu brigando na Justiça pela sua reintegração.

Um terceiro ex-superintendente foi acusado pelo Ministério Público Federal de usar o carro apreendido com um traficante, tal como o juiz Flávio Roberto de Souza, pego dirigindo o Porshe de Eike Batista que ele mandara apreender. O detalhe importante é que o ex-superintendente tinha carro oficial e motorista. Ainda assim, durante o seu expediente de trabalho, o carro do qual tornou-se fiel depositário era multado por excesso de velocidade na Linha Vermelha. Recebi as multas do próprio traficante, um advogado recolhido à prisão especial de Benfica. Até hoje ignora-se quem dirigia o carro enquanto o superintendente trabalhava. Assim era a Polícia Federal dos anos 90.

Em 1995, fações do tráfico disputavam, com armas importadas, o domínio das comunidades da cidade. Isso fez o coordenador do Viva Rio, Rubem César Fernandes, mobilizar a sociedade em busca da paz. Com o apoio integral dos representantes dos três principais jornais da cidade – João Roberto Marinho (O Globo), Kiko Nascimento Brito (JB) e Walter Mattos (então em O Dia) – foram ao presidente Fernando Henrique Cardoso pedir maior atuação da Polícia Federal no estado, a começar pela sua Superintendência, um órgão sob suspeita.

FHC ordenou e o diretor geral do DPF, Vicente Chelotti, mandou uma equipe investigar como as armas e drogas entravam no Rio. O encarregado do trabalho foi o hoje delegado aposentado Onézimo Sousa, que desembarcou na cidade com sua própria equipe.

Em poucos meses e após muitos percalços – um carro que achavam que ele usava foi baleado, seu quarto de hotel foi invadido e revirado – Onézimo voltou à Brasília com provas de policiais federais envolvidos na criminalidade. Reivindicou a prorrogação da sua estada no Rio para aprofundar o trabalho.

Reuniu-se com Chelotti e com diretor de Inteligência Policial (DIP), o hoje ex-deputado federal pelo PMDB e candidato a deputado derrotado pelo PSDB, delegado aposentado Marcelo Itagiba, Ele é um dos que aparecem no Youtube acusando o governo de Dilma Rousseff de querer esvaziar financeiramente a Polícia Federal.

Na época, o pedido de Onésimo girava em torno de um valor irrisório para diárias do hotel e alimentação, algo em torno de R$ 20 mil. Não se falava em corte de orçamento, antes pelo contrário, o presidente FHC, como noticiou O Globo, instruiu Chelotti a não poupar recursos nem pessoal naquela missão. Onézimo, porém, como recordou nesta quarta-feira (20/01), ouviu um sonoro não da direção do DPF. “Alegaram falta de recurso, mas os motivos eram outros”, desabafou.

Ou seja, não era verba, mas falta de vontade política da direção do DPF. Impediram a continuação do trabalho que o presidente da República prometera ao Viva Rio. Mais ainda, anos depois, não sabiam onde estava o material entregue por Onézimo com as gravações das escutas de telefonemas de traficantes investigados.

Em 2003, não foi mera coincidência, mas um sinal de mudança de rumo. Ao assumir a direção do DPF, com total apoio do ministro Marcio Thomaz Bastos e, ainda , do presidente Lula, o delegado Paulo Lacerda deu início às operações policiais que hoje viraram rotina, cortando na própria carne, para dar exemplo. Foi a Operação Sucuri, em Foz de Iguaçu, que prendeu policiais federais e Auditores da Receita Federal envolvidos com o contrabando e o descaminho de mercadorias. Entre eles estava o agente Newton Ishi, hoje mais conhecido como japonês bonzinho.

Tudo isso me veio à memória ao cair nas minhas mãos um número atrasado da Revista Art. 5ª, edição nº 43, dos meses de março/abri de 2015. Trata-se de uma revista da Associação Artigo 5º – Delegados e Delegadas da PF para a República e a Democracia. A Associação, cujo nome é uma referência ao artigo da Constituição com Direitos e Garantias Fundamentais, tem por objetivo algo inusitado no meio policial: defender os Direitos Humanos (DH), motivo pelo qual, segundo alguns policiais, não tem muitos sócios: “DH é tema ainda espinhoso na instituição, em que pese a PF ter uma diretoria voltada para os Direitos Humanos”.

Já na capa há uma chamada que despertou interesse: “Aos 71 anos, mais do que crimes, a PF revela o cinismo da sociedade”, E continua, questionando:

“Se a corrupção “passou dos limites”, qual o limite anterior? O dos governos passados? O dos escândalos não apurados ou arquivados? Quem figura nas centenas de inquéritos que tramitam em sigilo na PF distante da grande mídia?”

O principal artigo – Da Satiagraha à Operação Lava Jato – é assinado pelo delegado federal aposentado Armando Rodrigues Coelho Neto. A ele, injustamente, relacionei uma postagem sobre o salário de Paula Rousseff Araujo, filha da presidente Dilma, na matéria Briga por verba reflete a briga contra Dilma na PF.

Também da autoria dele, o Jornal GGN, de Luis Nassif, postou, nesta quarta-feira (20/01) outro artigo interessantíssimo, que recomendo a leitura: Para não dizer que não falei do Moro,

Na reportagem que escreveu na Revista Art. 5º ele, que vivenciou muitos anos de Polícia Federal, historia como a instituição chegou ao que é hoje – inclusive com um plano de marketing para retirá-la do atoleiro em que estava e um financiamento pedido no governo de FHC junto à França. Mas, mostra também os riscos que se corre hoje. Um artigo que, pelo que apuramos, provocou ira e revolta em muitos delegados, como mais uma demonstração do racha que existe na categoria. Por achá-lo atual e interessantíssimo, trouxe para o blog:

Da Satiagraha à Operação Lava Jato

Armando Rodrigues Coelho Neto, Delegado Federal aposentado e jornalista

(Contra o impeachment, crítico à Operação Lava Jato e discordando do encaminhamento da campanha salarial que seus colegas fazem)

Excessos de otimismo à parte, a Polícia Federal já foi atacada de todas as formas, conforme a conveniência do opositor. Já foi rotulada de Polícia da Ditadura, Polícia do Fernando Collor de Mello, Polícia do Fernando Henrique Cardoso ou Polícia do Lula (Luiz Inácio Lula da Silva).Todas as expressões foram empregadas com sentido pejorativo. E, como dito, ao sabor do opositor, pois durante a Operação Satiagraha, ação policial voltada contra o desvio de verbas públicas, a corrupção e a lavagem de dinheiro (quando vários banqueiros foram presos) a dinâmica deu margem a expressão “Estado Policial”. Uma velada alusão ao estado policialesco.

O resultado concreto da Satiagraha foi a anulação de peças e até de inquéritos. O banqueiro Daniel Dantas foi preso e libertado duas vezes e um dos habeas corpus teria sido despachado na calada da noite, assinado pelo juiz Gilmar Mendes, o mesmo que criticou a “escandalização da prisões” da PF e que hoje, controvertidamente, aplaude os escândalos protagonizados durante a Operação Lava-Jato.

No inventário da Satiagraha, o juiz Fausto De Sanctis (o Sérgio Moro de então) foi processado administrativamente. Já o delegado federal Protógenes Queiroz, acuado pela imprensa e pela própria instituição, exilou-se numa candidatura. Apesar dos quase 200 mil votos, precisou ser arrastado pelo palhaço Tiririca (também candidato e campeão de votos) para eleger-se deputado federal. Protógenes ficou imune temporariamente, mas ao não se reeleger, voltou à PF e foi demitido. Hoje, administra uma polêmica tentativa de volta à instituição.

Todo esse barulhaço, porém, teve origem num trabalho de marketing que começou, não necessariamente com esse objetivo, no final do governo Fernando Henrique Cardoso – uma fase obscura da Polícia Federal. Naquela época, tempos em que a França ainda dispunha de algum dinheiro, aquele país emprestou ao Brasil considerável verba destinada à aplicação na área de segurança, beneficiando particularmente a Polícia Federal. O dinheiro, entretanto, estava vinculado a um planejamento operacional. Sem planejamento para a aplicação da verba, o dinheiro não seria liberado, embora já creditado na conta do Brasil.

Tempos angustiantes para o eficiente delegado federal José Francisco Mallmann, integrante da cúpula da PF, em Brasília/DF, um dedicado servidor que gerenciava crises policiais do governante da época.

Em uma delas, para atender reclamos da sociedade, criou-se o Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal (Funapol), voltado para o custeio e manutenção das atividades da Polícia Federal (PF).

O fundo, que seria uma melhoria de caixa da PF, muito cedo veio a cair na vala comum do orçamento da União e nada, praticamente nada, passou a retornar à instituição.

Pois bem, Mallmann vivia em busca de alternativas e aliou-se a uma legião de servidores da instituição. Dessa união resultou um grupo para criar um planejamento quinquenal para o uso da tal verba da França, um empréstimo, aliás, sobre a qual o Brasil já pagava juros mesmo sem usar, e não o usava, pasmem (!) por falta de planejamento.

Um ano de trabalho transcorreu, no qual delegados, peritos, agentes, escrivães e servidores administrativos, alojados na Academia Nacional de Polícia (Sobradinho/DF) empenharam-se e criaram um planejamento plurianual para aplicação da verba em cinco anos.

O Ovo da Galinha e a Escandalização – Teve início a elaboração de um Plano Quinquenal que descia a detalhes, inclusive o de dar visibilidade à Polícia Federal. E um dos motivos ocultos pode ser revelado agora: uma briga que sobrevive até hoje com o Ministério Público Federal, já que as queixas internas eram e são frequentes. “Nós trabalhamos e os que aparecem são os procuradores da República”. Um publicitário que participou dos trabalhos disse então, durante uma sessão de atividades, que “o ovo da galinha faz mais sucesso do que o da pata porque ela faz mais barulho quando o põe”…

Nessa trilha da PF em ação, concretizado o plano, o barulho do ovo da galinha veio através de diligências pirotécnicas e controvertidas com nomes esquisitos (grotescos ou pitorescos) que caíram no gosto popular. Servem de exemplo as operações Gasparzinho, Alegoria da Caverna, Carniça, Pintando o Sette, Trem Fantasma e a atualíssima Lava-Jato, entre tantas.

Uma mão na roda para o governo Lula, que foi içado à Presidência da República lastreado por um discurso popular. O Planejamento Quinquenal da PF não foi um parto tranqüilo, pois de início, sofreu forte influência de um ex-graduado militar egresso da Marinha que pôs em prática um tal Método Grumbach de Gestão Estratégica, que através de uma suposta metodologia de computador geraria um processamento de análises prospectivas. Leia-se, projeção lógica do que poderia acontecer.

Dessa metodologia surgiu como prioridade algumas “ameaças”, tais como a suposta criação de “Estado Indígena” na região do Amazonas, um ataque ao Brasil por fronteiras, entre outras conclusões “científicas”. Pelo método, várias autoridades de diversos segmentos sociais respondiam questionários e do cruzamento das respostas sairia o veredicto. Aliás, um dos questionários recebeu uma irônica resposta do polêmico comentarista da Globo News, Diogo Maninardi. Com nítidos contornos de ideologia militar, originariamente, a conclusão do plano foi recebida com restrições pelos participantes. O cheiro de caserna foi espantado a muito custo (leia-se debates acalorados). Finalmente, o resultado “científico”, sob pressão, atribuiu ao combate à corrupção a prioridade máxima.

“Nós só temos um problema no Brasil, que é a corrupção. Os outros são consequências, derivações dela”, comentou à época Armando Rodrigues Coelho Neto, integrante do grupo e hoje editor da revista Artigo 5º.

E assim, com pompa e circunstâncias, com cerimônia de entrega e tudo, dentro da Academia Nacional de Polícia, o delegado federal José Francisco Mallmman, ladeado pelo então diretor-geral da instituição, Agílio Monteiro Filho, deu-se a entrega do primeiro Planejamento Quinquenal da Polícia Federal. Um trabalho a ser repassado ao vencedor do pleito eleitoral de 2002. Na prática, um conjunto de enunciados de prioridades consubstanciadas sob o princípio do “Não importa quem vença as eleições; se José Serra (PSDB) ou Luis Inácio Lula da Silva (PT). O plano é republicano”. Venceu Lula, que ao receber cópia do documento, e, ao conhecer seu conteúdo, disse:

“esse é o plano de meu governo para a Polícia Federal”.

HSBC Gate e Operação Zelote – Aos poucos, a PF mostrou sua nova face, ainda que tropeçando na apelidada “testosterona policial”, numa alusão a ousadia dos novos delegados da PF, “acima do bem e do mal”, como ironizou uma juíza federal de Pernambuco. As interceptações telefônicas, ainda que autorizadas pela Justiça, pareciam ter saído do controle, dando margem até ao folclórico “grampo” do então presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, cujo áudio nunca foi ouvido e nunca se provou que tenha existido.

A denominada “grande mídia” encarregou-se de propalar a onda do grampo, alardeando o tal “Estado Policial”. Desse modo, palavra como “busca” passou a ser tratada editorialmente por “devassa” ou “invasão” e reverberou à exaustão a apologia da privacidade, pouco importando o que estavam a revelar as interceptações telefônicas.

Em nome do princípio da legalidade, hoje aparentemente tão negligenciado, juristas e jornalistas de todos os expoentes teceram loas a esse mesmo princípio – valores nobres inseridos na Constituição Federal. Mas, logo passaram a negar, embalados pelo partidarismo eleitoral. Hoje, a grande mídia, em plena lua de mel com a Polícia Federal, já não prioriza mais aqueles princípios.

Cinismo e hipocrisia Pelas novas regras, valem o interesse público, os vazamentos seletivos, enquanto os institutos da ampla defesa, presunção de inocência só são lembrados em cantos de páginas de jornal.

Por força da ação da PF, antes mesmo de revelar crimes, involuntariamente, a instituição deixou à mostra os pilares da esquálida democracia no Brasil, para logo a seguir revelar o cinismo e a hipocrisia. Era como se a massa crítica nacional acreditasse em capitalismo samaritano e que as doações de campanha não tinham e nunca tiveram retorno para os doadores.

Será que a sociedade nunca soube ou presumiu que havia corrupção? Sem arriscar resposta, melhor lembrar que recentemente, 8 mil contas de brasileiros apareceram no escândalo do banco britânico HSBC. Nesse “HSBC Gate”, o Brasil figura entre os quatro países com o maior número de clientes. Dinheiro honesto à parte, existem valores frutos de evasão de divisas, sonegação fiscal, tráfico de droga, contrabando, corrupção. Sobre isso, paira o silêncio da grande mídia e nem se tem notícia de vazamentos seletivos ou interesse público.

Esquecido o “HSBC gate”, logo após, veio Operação Zelote da PF, que trouxe à tona sonegação fiscal que atinge R$ 580 bilhões, com envolvimento de grandes empresas, inclusive multinacionais.

A Artigo 5º dedicou a edição nº 37 (março/abril/2014) ao tema corrupção e uma das denúncias ali contidas foi:

Até 1999, a Alemanha permitia que a propina paga em países como o Brasil fossem deduzidas do imposto de rendas das matrizes das empresas naquele pais, segundo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Quem eram os governantes de então? Que fatos da dimensão ora apontadas fujam do conhecimento ou compreensão da grande massa de analfabetos ou semi é compreensível. Mas que escapem às análises dos expoentes jurídicos, econômicos e da grande mídia parece improvável. Soa, portanto, como falsa a perplexidade e ou surpresa da massa crítica nacional, diante do que a Polícia Federal vem revelando.

“É claro que a circunstância dos fatos estarem a mostra agora não absolve culpados atuais e passados, mas deixa evidente a hipocrisia e o desinteresse dos “grandes debatedores”, que não aprofundam o tema. Pelo contrário, fulanizam e partidarizam-no. O fazem a tal ponto de arranhar a credibilidade não apenas de investigantes, mas do Ministério Público e Justiça Federal, com descarado apoio da dita “grande mídia”.

A PF está mais forte não apenas por ter posto em prática um Plano Quinquenal de ações – já prorrogado por mais quinze anos. Mas também porque, paradoxalmente, só no Governo da presidenta Dilma Rousseff foram sancionadas 13 leis e/ou normas que a fortaleceram. A regulamentação da lei de Colaboração Premiada está entre essas normas. E, de longe, a PF recebeu nos doze últimos anos mais e melhores recursos materiais e humanos do que em quaisquer outros.

Sobrevivem, no entanto, insatisfações internas entre integrantes da categoria, atualmente agravado pelo contingenciamento de verbas aplicado em todas as áreas, mas que muitos insistem em tratar como “desmonte” da PF, como se caso único fosse. Na prática, um forte apelo popular em nome da “Operação Lava Jato”, que vem apimentando uma justa campanha salarial, ainda que viciada pelo tenso clima político

Como polícia e MP transformavam inquéritos policiais em políticos

por Luis Nassif

A Polícia e o Ministério Público da Guanabara valeram-se de um inquérito policial para levantar dados e efetuar vazamentos contra adversários políticos

Hoje em dia, Jorge Serpa Filho passa seus últimos dias em casa, já sem falar coisa com coisa. Se alguém telefona para lá e ele atende, imediatamente acerta um almoço com a pessoa. Em seguida, sua esposa pega o telefone para se desculpar.

Mas já foi bastante influente.

Passaram por suas mãos desde a redação dos editoriais de Roberto Marinho aos discursos de Mário Covas, o tal “choque de capitalismo”, e os discursos de Fernando Collor, seu adversário.

Ligado a Augusto Frederico Schmidt e San Tiago Dantas, foi influente também antes de 1964. Foi íntimo de JK, Jango, testemunhou os principais episódios políticos da época.

Por sua influência, ganhou o cargo de diretor financeiro da Manesmann, que se instalava em Belo Horizonte. Acabou se envolvendo em uma operação de colocação de títulos da empresa no mercado e foi preso em 1965.

A Polícia e o Ministério Público da época julgaram que ele poderia ser o caminho para se atingir politicamente os inimigos do regime.

Serpa pertencia ao influente grupo de Schmidt que tinha, entre outros, o futuro governador do Rio Negrão de Lima. Também era próximo a Walter Moreira Salles.

No dia 8 de julho, apesar da sede da Manesmann ser em Belo Horizonte, Serpa foi intimado a prestar um depoimento à Delegacia de Defraudações da Guanabara. O procurador geral do Estado designou o promotor Nilton Barros de Vasconcellos para acompanhar pessoalmente o depoimento.

O interrogatório foi acompanhado pelo superintendente de polícia judiciária, Sales Guerra. Os repórteres testemunharam ele, várias vezes, telefonando para o Secretário de Segurança, coronel Gustavo Borges, para informa-lo do andamento do interrogatório.

O depoimento foi acompanhado por seu advogado. Tude da Lima Rocha, assessorado por Reinaldo Reis, ambos colegas de Serpa na Faculdade de Direito.

Delegado e promotor pouco estavam interessados no escândalo da Manesmann. As quatro laudas de perguntas do delegado Ilo Salgado Bastos pouco se referiram à Manesmann. Serpa foi obrigado a responder sobre suas ligações com Walter Moreira Salles, Negrão de Lima, com ex-auxiliares de Juscelino Kubitscheck e João Goulart.

A Polícia queria saber se era verdade que esses personagens recebiam jetons de Cr$ 3 milhões da Manesmann.

Nos corredores, delegados vazavam informações aos repórteres de que Negrão de Lima seria o próximo a ser ouvido.

Queriam saber também de onde saiu o dinheiro para a compra do apartamento que tinha na avenida Atlântica.

Serpa não negou suas ligações com Negrão, JK e Jango, e os demais, “mas fez questão de botar as coisas no seu devido lugar”.

O advogado Tude classificou como absurdo jurídico a intimação para Serpa depor na Delegacia de Defraudações da Guanabara, sendo que a sede da Manesmann era em Belo Horizonte. E estranhou as perguntas que “remontam até o desembarque de Pedro Álvares Cabral no Brasil”.

Serpa estava sem dormir há três noites e se sentiu mal durante o interrogatório.

N dia 12 de julho de 1965, em editorial o Jornal do Brasil denunciou Carlos Lacerda pelas torturas infligidas a Serpa. “Estamos diante de uma acusação frontal de sevícias e torturas praticadas com o mesmo teor de perversidade fanática que tem caracterizado a política política dos estados totalitários, nazistas ou comunistas”.

Nos meses seguintes foi submetido até a pau-de-arara nas dependências do Exército. Até que aderiu à delação premiada e se aproximou do SNI. Dali em diante passou a ser o ghost-writer mais requisitado nos discursos dos militares.

Com base na suposta delação de Serpa, Homero Souza e Silva, amigo e sócio de Walter Moreira Salles, foi intimado a depor na Delegacia de Defraudações.

Nemias Gueiros apresentou-se como advogado. No interrogatório, queriam saber se Homero havia encontrado Serpa na casa de Walter. Era uma pergunta aparentemente ingênua. Mas antes que respondesse, o delegado baixou o tom da voz e alertou-o:

– Pelo amor de Deus, não cite o nome de seu amigo.

A pergunta havia sido colocada no interrogatório apenas para criar um motivo legal para levar Walter à delegacia e incluí-lo no inquérito.

Assassino e toturador delegado Fleury nome de rua em São Paulo Capital

Campanha de retorno da ditadura continua

Generais ainda nomeiam seis municípios e mais de 700 colégios. Créditos: Davi Ribeiro
Generais ainda nomeiam seis municípios e mais de 700 colégios. Créditos: Davi Ribeiro
Vamos continuar homenageando os torturadores?

por Miguel Martins

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Um beco sem saída, com entrada guardada por um portão de ferro. Descrita dessa forma, a Rua Doutor Sérgio Fleury, em São Paulo, parece simbolizar o destino de tantos opositores da ditadura que cruzaram o caminho do “homenageado”. Em 1980, a Câmara Municipal de São Paulo condenou a ruela a assumir o nome do delegado do Departamento de Ordem Política e Social responsável por comandar o assassinato de dezenas de militantes de esquerda entre 1969 e 1979, quando morreu em circunstâncias suspeitas. Mas, entre o portão e o muro branco da Sérgio Fleury, aflora-se um condomínio que em nada lembra os porões e sessões de tortura. Com 31 casas, ela é tão pacata quanto poderia ser uma travessa da capital paulista, com moradores acostumados a passar suas tardes sentados na calçada ou a cuidar de seus jardins.

Fabíola Hass, de 36 anos, tomou conhecimento das atrocidades cometidas por Fleury recentemente. No ano passado, assessores do então vereador Orlando Silva, do PCdoB, foram à rua para colher assinaturas dos moradores em defesa do projeto de substituir o nome da travessa para Frei Tito, militante da Juventude Estudantil Católica torturado pelo delegado em 1969. Fabíola e a maioria dos vizinhos desconheciam a história de ambos. Em um primeiro momento, a oposição à mudança do nome foi quase unânime, mas não por motivos ideológicos. Os moradores não queriam pagar uma taxa de pouco mais de 60 reais para registrar o novo endereço e alterá-lo em contas de luz, água e telefone.

Hoje, Fabíola conhece mais sobre os crimes cometidos por Fleury e aprova a mudança. “Essa lei da anistia foi aprovada por quem? Não há possibilidade de condenar torturadores?”, pergunta, curiosa. “Não tive tanto contato com esses temas na escola. Conheço mais sobre os horrores do nazismo do que da ditadura.” Estimular a visão crítica dos moradores de São Paulo sobre a história da repressão, reverenciada em seus endereços de correspondência, é um dos objetivos do Programa Ruas de Memória, da Secretaria municipal de Direitos Humanos, que busca renomear 22 logradouros da cidade com referências a agentes da ditadura.
No ano passado, a pasta organizou uma sessão de cinema ao ar livre e projetou um documentário sobre a vida de Frei Tito. O filme sensibilizou diversos moradores, que agora se dividem sobre o nome. Um levantamento realizado por Andréa Riskala, síndica da ruela, rejeitou recentemente a mudança por quatro votos. “Era uma oportunidade de tirarmos o nome desse cara da nossa rua. A gente não podia declinar desse convite.”

O trabalho de varrer do emplacamento urbano brasileiro as referências a ex-presidentes militares, torturadores e integrantes centrais da ditadura ganhou fôlego em 2015. A partir da publicação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, em dezembro de 2014, o processo tem sido mais ágil. Motivados pela recomendação da comissão de alterar o nome dos logradouros que façam referência a agentes da repressão, prefeituras e governos estaduais têm realizado levantamentos dos locais de homenagem e imposto mudanças relevantes. Não deixa, porém, de ser um trabalho de formiga: as alterações têm de passar pelos legislativos estadual ou municipal e, muitas vezes, pela aprovação dos moradores.

As loas à ditadura singram o País de norte a sul. Seis municípios brasileiros homenageiam ex-ditadores. São duas cidades chamadas Presidente Castello Branco, uma no Paraná e a outra em Santa Catarina, e uma Presidente Figueiredo, no Amazonas. O recordista de homenagens é justamente o governante responsável pelo período de maior repressão. Além de dois municípios Presidente Médici, um no Maranhão e outro em Rondônia, há uma Medicilândia no Pará.

Segundo o Censo Escolar de 2014, mais de 700 colégios homenageiam ex-ditadores. Humberto Castello Branco dá nome a 352 escolas, Artur da Costa e Silva a 200, Emílio Garrastazu Médici a 108, Ernesto Geisel a 21 e João Figueiredo a 34. O próximo levantamento deve revelar uma queda nos números. Em 2014, o Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici, na Bahia, passou a se chamar Carlos Marighella, em referência ao ex-deputado baiano morto em 1969 em uma emboscada comandada pelo delegado Fleury. No Maranhão, o governador Flávio Dino, do PCdoB, retirou referências a ex-ditadores de dez colégios estaduais neste ano. A escola Marechal Castello Branco, em São Luís, foi rebatizada de Doutor Jackson Kléper Lago, em homenagem ao ex-governador do Maranhão, morto em 2011.

Além das escolas, o número de avenidas, ruas, pontes e viadutos impressiona. A dificuldade para alterar o nome de endereços que dependem da anuência de moradores tem levado deputados e vereadores a focar em logradouros sem residências. Ao lançar o Programa Ruas de Memória, a prefeitura paulistana propôs a alteração do nome do Viaduto 31 de Março, referência ao dia do golpe, para Therezinha Zerbini, militante na luta pela anistia. “Não queremos apagar o passado”, afirma Rogério Sottili, secretário-adjunto de Direitos Humanos. “Todos os logradouros que tiverem seus nomes alterados terão uma placa para lembrar como eram chamados.”

Em breve, Costa e Silva deverá deixar de ser o nome de três importantes vias públicas do País. Em São Paulo, o Elevado Costa e Silva, vulgo Minhocão, é alvo do programa da Secretaria de Direitos Humanos. No Rio de Janeiro, a Ponte Presidente Costa e Silva, mais conhecida como Rio-Niterói, caminha para se chamar Herbert de Souza, o Betinho, sociólogo exilado nos tempos da repressão. Em Brasília, a Ponte Costa e Silva, ligação do Plano Piloto ao Lago Sul, teve o nome alterado para Honestino Guimarães, presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília, assassinado em 1973 pela repressão.

As moradoras Fabíola e Andréa apoiam a mudança do nome da ruela que homenageia um dos maiores assassinos da ditadura: Sérgio Fleury
As moradoras Fabíola e Andréa apoiam a mudança do nome da ruela que homenageia um dos maiores assassinos da ditadura: Sérgio Fleury

Autor do projeto em Brasília, o deputado distrital Ricardo Vale, do PT, afirma que aprovar a mudança foi difícil. “Tive de obter o apoio de 14 deputados, um a um”, lembra. “No momento em que setores da sociedade passaram a defender a volta da ditadura, deputados de partidos conservadores e da bancada evangélica se opuseram à troca.”

Se não tem sido fácil retirar as homenagens à ditadura, valorizar o passado de quem se opôs ao regime virou uma tarefa inglória. Recentemente, Rodrigo Rollemberg, governador do DF, vetou a cessão de um terreno no Eixo Monumental para a construção do Memorial Liberdade e Democracia, homenagem ao ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe de 1964. Embora o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tenha autorizado o projeto, o Ministério Público do Distrito Federal recomendou a suspensão das obras pela falta de uma consulta pública à população sobre a transferência do lote, entre outras razões pouco convincentes. O monumento seria erguido próximo do Setor Militar Urbano, o que pode ter incentivado uma pressão das Forças Armadas pela suspensão. Vale iniciou uma coleta de assinaturas na Câmara Distrital para retomar projeto.

O acirramento do conservadorismo em São Paulo é citado também pelas moradoras da Rua Doutor Sérgio Fleury como um entrave. “Até aqui há quem peça a volta dos militares. O momento político não contribui para esse tipo de iniciativa”, diz Andréa. Apesar de mais uma derrota para se livrar de Fleury, a síndica conta com os recém-chegados para consolidar a mudança. “Tem um novo morador que disse ser a favor, quem sabe não conseguimos trocar em breve?” No lento processo para moldar uma consciência histórica sobre a ditadura, cada voto é uma vitória.

comissao-da-verdade ditadura tortura morte

Sábado, 22 de março, marcha para homenagear delegado Fleury e Cabo Anselmo

marcha abertura

marcha o retorno

Esse movimento tortura nunca mais é besteira, que os soldados estaduais de Alckmin e Sérgio Cabral continuam com os sequestros, torturas e mortes.

Esse movimento ditadura nunca mais é besteira, que os tucanos não largam o poder em Minas Gerais desde a criação do mensalão tucano.

Esse movimento ditadura nunca mais é besteira, que os tucanos não largam o poder em São Paulo do metrô, cuja construção nunca termina, com vagões de propina.

O delegado Sérgio Fleury continua no mando da polícia de São Paulo.

Não tenha medo dos petistas, venha participar da marcha do Retorno, neste sábado, com o herói nosso cabo Anselmo. Ele estará presente.

Participe sem medo, que a apologia do golpe não é crime.

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Que presidenciáveis condenam a marcha? Vote contra.

Esperamos os pronunciamentos de Marina Silva, Joaquim Barbosa, Fernando Henrique, Eduardo Campos, Lula da Silva, Michel Temer, Dilma Rousseff, Geraldo Alckmin, José Serra, Aécio Neves e os editoriais dos jornais O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

Via Dirce Lua Batista

“Mães de Maio, Mães do Cárcere – A Periferia Grita”. O Brasil das cabeças degoladas

O Movimento Independente Mães de Maio está de luto.
A doméstica Maria da Conceição Ferreira Alves, 54 anos, morreu às 10h30 desta sexta-feira (10), vítima de câncer, no Hospital Geral de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo.

Maria da Conceição era mãe de Antonio Carlos da Silva Alves, 31 anos, o Carlinhos, sequestrado e morto pelo grupo de extermínio “Os Highlanders”, formado por policiais militares que agiam na zona sul de São Paulo.

Em 8 de outubro de 2008, Carlinhos, portador de problemas mentais, foi sequestrado, segundo a Promotoria e a Polícia Civil, pelos PMs Rodolfo da Silva Vieira, Moisés Alves Santos, Joaquim Aleixo Neto e Anderson dos Santos Sales. O corpo de Carlinhos, decapitado e sem as mãos, foi achado no dia seguinte, numa área de despejo de cadáveres em Itapecerica da Serra (Grande SP). Para os responsáveis pela investigação, a hipótese para o crime é de que, numa abordagem dos quatro PMs, Carlinhos não tenha conseguido falar direito. Sem saber da deficiência, os policiais teriam interpretado como gozação e decidido matá-lo. Com mais cinco PMs, os quatro PMs são acusados de integrar o grupo de extermínio “Os Highlanders”, assim chamado porque 5 das 12 supostas vítimas foram decapitadas.

Desde o sequestro e morte de seu filho, Maria da Conceição e seus familiares lutavam por Justiça. Em julho de 2011, os quatro PMs acusados pela morte de Carlinhos foram condenados a 18 anos anos e 8 meses de prisão pelo crime, mas o julgamento foi anulado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e os PMs estão soltos, à espera de um novo Júri. A defesa dos PMs alegou ao TJ-SP que o promotor do caso cometeu um desvio durante o Júri ao mostrar uma camiseta com a foto de Carlinhos aos sete jurados.

protesto
Maria da Conceição foi uma das autoras do livro “Mães de Maio, Mães do Cárcere – A Periferia Grita”.

A guerreira Maria da Conceição, que foi diversas vezes ameaçada de morte para que não buscasse Justiça pela morte de Carlinhos, escreveu uma carta para a presidente Dilma:

Estou escrevendo esta carta para todos os políticos do Brasil, especialmente para nossa presidenta, a senhora Dilma. Peço o apoio de todos vocês neste momento, o mais difícil e doloroso de toda a minha vida – e não só da minha, mas de toda a minha família.

Tudo mudou em nossas vidas no dia 8 de outubro de 2008, numa quarta-feira, por volta das 17h30. Carlinhos, que estava com 31 anos e tinha deficiência mental, era o meu filho mais velho. Apesar de sua deficiência, trabalhava com um senhor, dono de uma imobiliária.

Quando os inquilinos mudavam ele chamava Carlinhos para pintar as casas. Meu filho sempre trabalhou no mesmo bairro em que moramos há mais de 35 anos. Nunca o deixávamos andar sozinho para longe, pois não sabia ler, escrever nem mesmo falar o próprio nome.

Nesse dia 8 de outubro, ele vinha do trabalho. Faltavam cerca de 100 metros para chegar em casa quando uma viatura do 37º Batalhão da Força Tática (nº 37014, de placa CMW-5209) parou ao seu lado. Um policial desceu do carro já lhe dando uma gravata e o colocou dentro da viatura, no banco de trás, entre dois policiais.

Tudo foi visto por um senhor que é evangélico. Logo em seguida, vizinhos vieram nos avisar que os policiais haviam levado Carlinhos.

Imediatamente peguei os documentos e meu marido telefonou para minha filha Vânia, que tinha ido à padaria .Quando ela voltou, foi logo perguntando: “Foi a Força Tática? Passei por ela e vi uma pessoa no banco de trás, entre dois policiais, e eles empurrando a cabeça dessa pessoa para baixo, tentando escondê-lo”.

Começou então nossa correria para encontrar meu Carlinhos. Temíamos que os policiais fizessem perguntas a ele – com certeza ele não saberia responder, já que não falava o próprio nome. Passamos a noite procurando em várias delegacias e até mesmo em hospitais.

Enquanto isso, Vânia e meus outros filhos ficaram em casa ligando para delegacias ou procurando pelo bairro, na esperança de que os policiais percebessem que ele era deficiente mental e o liberassem.

Chegando na manhã do dia 9, não sabíamos mais onde procurar. Fomos então ao 37º batalhão e pedimos para falar com o comandante. Ele veio falar conosco. Estava muito nervoso.

Fez várias perguntas, uma delas sobre como era Carlinhos fisicamente. Falamos que era magro, de cabeça raspada. Ele não queria essas características, só queria saber se ele tinha alguma cicatriz em algum lugar do corpo. Eu disse que ele tinha uma cicatriz no abdome, devido a uma cirurgia de apêndice, e uma tatuagem em forma de teia de aranha no braço esquerdo – por ele ser deficiente, uma pessoa de má índole que estava aprendendo tatuar usou meu filho como cobaia, fazendo esse desenho sem a nossa autorização.

O comandante ficou desesperado, olhando para outro policia. Perguntei a ele: “O senhor encontrou meu filho? Ele respondeu “ainda não”. Saí da sala e não o vi mais.

Meu marido e um de meus filhos ficaram em outra sala. Desci para fumar e comecei a conversar com uma policial, para quem mostrei a foto de Carlinhos. Um outro policial chegou e perguntou o que estava acontecendo. A mulher respondeu que eu procurava meu filho, que era deficiente mental. Ele disse então: “Por causa desse caso, ‘fui chamado a atenção’”.

Perguntei: “Por quê? O senhor trabalhou por aqueles lados?”. “Realmente ‘fiz’ a Planalto, mas não abordei ninguém com essas características”, respondeu o policial. Perguntei a que horas ele havia “feito” a Planalto, e ele falou que não se lembrava exatamente, mas que havia sido por volta das 17h30.

“Moço, foi nesse horário que pegaram meu filho”, eu disse. A policial que estava comigo falou que eu estava com a foto de Carlinhos. Mostrei para ele – que, olhando para a imagem, disse “realmente” não tê-lo visto.

Fiz então um pedido. “Moço, se o senhor encontrá-lo, por favor, não judie dele nem o deixe jogado. Entre em contato conosco que iremos buscá-lo. Ele não vai saber voltar sozinho e vai se perder.” Sem responder, o policial abaixou a cabeça e saiu.

Peguei meu celular e falei para a policial: “Tenho foto dele aqui. A senhora quer ver?”. Quando ela pegou o celular, chamou o policial, que voltava em nossa direção. “Moisés, ela tem foto dele aqui no celular. Procure para mim”, disse a policial. O colega pegou o celular, mexeu em algumas teclas e logo entregou à mulher, dizendo que não conseguia encontrar nada.

Mal sabia eu que aquele policial, que minutos antes eu havia chamado de senhor, era um dos assassinos do meu filho.

Depois disso, passei por tratamento psicológico e tomo medicamento. Não consigo dormir. Fico a noite inteira acordada, só ouvindo os gritos e gemidos do meu filho.

Deus, como meu filho sofreu. Foi espancado até a morte e decapitado. Arrancaram as mãos e ainda o retalharam.

Esses policiais mataram não apenas o Carlinhos, mas a mim também. Achando pouco que fizeram, ainda ameaçam a mim e à minha família.

No dia 29 de julho de 2010, eles foram julgados e condenados a 18 anos e 8 meses de prisão – mas só ficaram 1 ano e 6 meses presos. O juiz Antonio Augusto Galvão de França Hristov, da 1ª Vara Criminal do Fórum de Itapecerica da Serra, resolveu colocá-los em liberdade, alegando que neste ano não havia mais vaga para um novo julgamento – o anterior foi anulado por causa de uma camiseta que o promotor mostrou no dia do julgamento.

Eles foram soltos no dia 9 de fevereiro e já voltaram a nos ameaçar por telefone celular e mandando mensagens. Já fizemos boletim de ocorrência, mais um – temos todos os B.O.s das ameaças guardados.

Por isso, peço às autoridades competentes que nos ajudem a colocar esses assassinos de volta na cadeia. Ajudem-nos a fazer justiça, antes que eles comecem a decapitar mais inocentes e outras mães sofram. Eu pergunto às autoridades deste país como um juiz solta um grupo de extermínio treinado e organizado no meio da sociedade.

Senhora Dilma, peço a Deus todos os dias que me dê forças para suportar essa dor, esse sofrimento que para mim não tem fim. Sei que a senhora é mãe e deve entender o quanto é doloroso perder um filho, principalmente dessa maneira tão cruel e pelas mãos dessas pessoas que tinham a obrigação de protegê-lo.

Por favor, senhora Dilma e senhores políticos, me ajudem. É o pedido de uma mãe que está clamando por Justiça. Conto em primeiro lugar com Deus e, em segundo, com vocês.

Muito obrigada pela atenção.

Maria da Conceição Ferreira Alves

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Querida dona Maria da Conceição, esteja em paz.
Nós sempre lutaremos para que seu maior desejo seja realizado: Justiça para o sequestro e morte do seu amado filho Carlinhos. Vai em paz, dona Maria. Estaremos aqui para lutar pela memória do Carlinhos.

No foto, dona Maria da Conceição se ajoelha após a condenação dos quatro PMs acusados de sequestrar e matar seu filho. O Júri ocorreu em 31 de julho de 2011, mas depois foi anulado pelo TJ-SP.

Um dos raros registros de dona Maria da Conceição

mães de maio

São Paulo, 10 de janeiro de 2014.

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Hig

Os “Highlanders”, grupo formado por policiais, também atuam no Rio de Janeiro. Eles torturam, matam e degolam suas vítimas, sempre pessoas pobres, moradores de favelas da capital

O grupo de extermínio formado por policiais militares, conhecido como “Os Highlanders”, uma alusão a forma de matar suas vítimas que sempre são decapitadas, é acusado de promover a morte de pelo menos onze pessoas, e todos os corpos foram encontrados sem as cabeças.

Os grupos paramilitares organizados por policiais, são formas de atuar da PM e possuem consentimento do Estado para promover a matança contra, principalmente, a população pobre das favelas. Esses grupos tiveram suas atividades intensificadas durante a ditadura militar, com o conhecido “Esquadrão da Morte”, uma organização que surgiu no final dos anos 60 e era integrado por políticos, membros do Poder Judiciário, policiais civis e militares e financiado pelos empresários. A forma de atuar do Esquadrão era semelhante ao que acontece atualmente com as milícias, também formadas por policiais, que torturam, reprimem e matam a população civil.

Assim como em todos os casos, o grupo de extermínio não era uma pratica isolada de alguns policiais, mas sim parte da política de repressão do governo do Rio de Janeiro. Essa conivência ficou bastante clara com a prisão de três PMs que assumiram os assassinatos, entre eles o soldado Rodolfo da Silva Vieira, filho de um oficial da corporação e protegido do coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque da PM. O coronel chegou inclusive a ordenar que todos os relatórios onde os PMs citassem a abordagem de pessoas que apareceram mortas posteriormente fossem destruídos, uma forma de eliminar toda e qualquer pista de envolvimento dos PMs, mostrando o envolvimento com o comandante do Batalhão de Choque da PM, ou seja, com a pessoa que organiza e dá toda a linha das operações e da política de repressão.

É preciso ter claro, no entanto, que em nenhum dos casos os assassinos fardados serão punidos, é o que acontece também com os assassinos do Esquadrão da Morte, que até hoje permanecem impunes. A prisão de PMs, em alguns casos, não representa a punição deles, que logo serão soltos, mas mostra a crise existente dentro da Polícia, órgão repressor do Estado, sendo obrigados a encenar a punição de alguns policiais para dar uma espécie de satisfação para a população que não suporta mais as atrocidades cometidas pela PM. (Fonte: Causa Operária)

 

Lula dormiu no DOPS da ditadura revela Tuma Filho

fevereiro25

Romeu Tuma Junior, filho de Romeu Tuma, lembra o poder do pai como delegado da ditadura militar.

Relata a Wikipédia: “Descendente de sírios, Romeu Tuma foi investigador e depois, delegado de polícia do Estado de São Paulo.

Foi diretor geral do Departamento de Ordem Polícia e Social (DOPS) paulista de 1977  a 1982.  De acordo com o livro Habeas Corpus, lançado em janeiro de 2011 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Tuma participou ativamente na ocultação de cadáveres de militantes políticos assassinados sob tortura e no falseamento de informações que poderiam levar à localização dos corpos dos desaparecidos políticos”.

Importante que o filho recorde. Que Tuma trabalhou em dupla com o delegado Fleury, também sequestrador, torturador e assassino.

Fleury foi condecorado pelo governador Abreu Sodré  e escolhido, pela imprensa, delegado do ano em duas oportunidades (1974 e 1976), em meio a diversas acusações de tortura e homicídios.

Tuma Filho, finalmente, confessa que atuou nos tempos de chumbo.

Lembra: “Eu e o Lula vivemos juntos esse momento. Ninguém me contou. Eu vi o Lula dormir no sofá da sala do meu pai. Presenciei tudo”.

Por liderar as greves dos metalúrgicos da Região do ABC no final dos anos 70 e  início de 1980, Lula foi preso, cassado como dirigente sindical e processado com base na Lei de Segurança Nacional.

Lula DOPS

“Sala” é eufemismo. Pode ser qualquer local de uma delegacia. Inclusive cela. Que naqueles tempos, e  hoje, cada vez mais,  a polícia, sem autorização judicial, realiza as ilegais e arbitrárias prisões debaixo de vara.

Informe histórico do Instituto Baiano  de Direito Processual Penal:

O art. 95 do Código de Processo Criminal do Império, de 1832, dizia:

Art. 95. As testemunhas, que não comparecerem sem motivo justificado, tendo sido citadas, serão conduzidas debaixo de vara, e soffrerão a pena de desobediencia.

No século XX, a palavra “vara” desapareceu do texto legal como ferramenta relacionada à condução dos desobedientes à presença dos magistrados e o termo passou a designar o local do exercício da função judicante, sinônimo de juízo ou tribunal de primeira instância. Porém, o instituto da “condução sob vara” permaneceu no CPP de 1941, com a finalidade original, mas outra formulação. De fato, de acordo com o art. 218 do CPP:

Art. 218.  Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.

Nos tempos da ditadura, suspeitos de crimes políticos eram “convidados” ou intimados ou presos, e ficavam horas ou dias esperando ser ouvidos nas “salas” das autoridades.

Um “convidado” que não comparecesse respondia a processo de desacato à autoridade. Este tipo de stalking policial continua no Brasil de hoje.

A constante presença – as idas e vindas às delegacias  -, principalmente quando solta sem marca de espancamento, ou processo para responder, a vítima passava à condição de suspeita, não para o regime, mas para os que combatiam a ditadura militar. E considerada colaboracionista, informante ou delator. Mesmo que a pessoa cantasse sob tortura.

Esse jogo policial da direita tem parecência com o da esquerda: de pedir a um amigo que guarde livro da lista censurada ou material de propaganda, ou citar uma pessoa neutra em um interrogatório ou simplesmente anotar o nome  de um amigo ou amiga em caderneta de endereço, mesmo  sem nenhuma intenção de comprometer.

Em tempo de guerra suja o mundo fica pelo avesso. E abertas as portas do inferno. Que precisam ser fechadas. Com o fim da prisões conduzidas debaixo de vara pela polícia, notadamente nas manifestações de ruas, com a criminalização dos movimentos sociais, estudantis e greves. As delegacias e presídios estão superlotados. São presos sem processo ou julgamento. E só com a abertura dos arquivos da ditadura, inclusive na justiça, conheceremos os verdadeiros mártires, os sequestradores, os torturadores, os assassinos, os falsos heróis, os alcaguetes, os infiltrados, os exilados de “mentirinha”,  as vítimas da esquerda e da direita.

livro bomba retrato tuma

Divulga a Tribuna da Imprensa

Romeu Tuma Junior, filho de Romeu Tuma e secretário nacional de Justiça do governo Lula entre 2007 e 2010, rompe o silêncio e conta tudo no livro “Assassinato de Reputações – Um Crime de Estado”, publicado pela Editora Topbooks (557 págs., R$ 69.90). O trabalho resulta de um depoimento prestado ao longo de dois anos ao jornalista Cláudio Tognolli. E  Tuma Júnior está com documentos e quer falar no Congresso. Abaixo, seguem trechos de sua entrevista à VEJA.
Por que Assassinato de Reputações?
Durante todo o tempo em que estive na Secretaria Nacional de Justiça, recebi ordens para produzir e esquentar dossiês contra uma lista inteira de adversários do governo. 0 PT do Lula age assim. Persegue seus inimigos da maneira mais sórdida. Mas sempre me recusei. (…) Havia uma fábrica de dossiês no governo. Sempre refutei essa prática e mandei apurar a origem de todos os dossiês fajutos que chegaram até mim. Por causa disso, virei vítima dessa mesma máquina de difamação. Assassinaram minha reputação. Mas eu sempre digo: não se vira uma página em branco na vida. Meu bem mais valioso é a minha honra.

De onde vinham as ordens para atacar os adversários do PT?
Do Palácio do Planalto, da Casa Civil, do próprio Ministério da Justiça… No livro, conto tudo isso em detalhes, com nomes, datas e documentos. Recebi dossiês de parlamentares, de ministros e assessores petistas que hoje são figuras importantes no atual governo. Conto isso para revelar o motivo de terem me tirado da função, por meio de ataque cerrado a minha reputação, o que foi feito de forma sórdida. Tudo apenas porque não concordei com o modus operandi petista e mandei apurar o que de irregular e ilegal encontrei.
(…)

O Cade era um dos instrumentos da fábrica de dossiês?
Conto isso no livro em detalhes. Desde 2008, o PT queria que eu vazasse os documentos enviados pela Suíça para atingir os tucanos na eleição municipal. O ministro da Justiça, Tarso Genro, me pressionava pessoalmente para deixar isso vazar para a imprensa. Deputados petistas também queriam ver os dados na mídia. Não dei os nomes no livro porque quero ver se eles vão ter coragem de negar.

O senhor é afirmativo quando fala do caso Celso Daniel. Diz que militantes do partido estão envolvidos no crime.
Aquilo foi um crime de encomenda. Não tenho nenhuma dúvida. Os empresários que pagavam propina ao PT em Santo André e não queriam matar, mas assumiram claramente esse risco. Era para ser um sequestro, mas virou homicídio.
(…)

O senhor também diz no livro que descobriu a conta do mensalão no exterior.
Eu descobri a conta do mensalão nas Ilhas Cayman, mas o governo e a Polícia Federal não quiseram investigar. Quando entrei no DRCI, encontrei engavetado um pedido de cooperação internacional do governo brasileiro às Ilhas Cayman para apurar a existência de uma conta do José Dirceu no Caribe. Nesse pedido, o governo solicitava informações sobre a conta não para investigar o mensalão, mas para provar que o Dirceu tinha sido vítima de calúnia, porque a VEJA tinha publicado uma lista do Daniel Dantas com contas dos petistas no exterior. O que o governo não esperava é que Cayman respondesse confirmando a possibilidade de existência da conta. Quer dizer: a autoridade de Cayman fala que está disposta a cooperar e aí o governo brasileiro recua? É um absurdo.
(…)

O senhor afirma no livro que o ex-presidente Lula foi informante da ditadura. É uma acusação muito grave.
Não considero uma acusação. Quero deixar isso bem claro. O que conto no livro é o que vivi no Dops. Eu era investigador subordinado ao meu pai e vivi tudo isso. Eu e o Lula vivemos juntos esse momento. Ninguém me contou. Eu vi o Lula dormir no sofá da sala do meu pai. Presenciei tudo. Conto esses fatos agora até para demonstrar que a confiança que o presidente tinha em mim no governo, quando me nomeou secretário nacional de Justiça, não vinha do nada. Era de muito tempo. 0 Lula era informante do meu pai no Dops (veja o quadro ao lado).

O senhor tem provas disso?
Não excluo a possibilidade de algum relatório do Dops da época registrar informações atribuídas a um certo informante de codinome Barba.

O novo Papa e a atualidade do espírito de São Francisco

por Leonardo Boff

Lucas Nine
Lucas Nine

Pelo fato de o atual papa ter escolhido o nome de Francisco, muitos voltaram a se interessar por essa figura singular, talvez uma das mais luminosas que o cristianismo e o próprio Ocidente já tenham produzido: Francisco de Assis.

Seguramente, podemos dizer que, quando o cardeal Bergoglio escolheu esse nome, quis sinalizar um projeto de Igreja na linha do espírito de são Francisco, que optou por viver o evangelho puro, ao pé da letra, na mais radical pobreza, numa simplicidade quase ingênua e numa humildade que o colocava junto à terra, no nível dos mais desprezados da sociedade. Nunca criticou o papa ou Roma. Simplesmente, não lhes seguiu o exemplo. Para aquele tipo de Igreja e de sociedade, confessava explicitamente: “Quero ser um ‘novellus pazzus’, um novo louco” – louco pelo Cristo pobre e pela “senhora dama” pobreza, como expressão de total liberdade: nada ser, nada ter, nada poder, nada pretender.
Resistiu o mais que pôde e, no fim, teve que se render à mediocridade e à lógica das instituições que pressupõem regras, ordem e poder. Mas não renunciou ao seu sonho. Frustrado, voltou a servir aos hansenianos, deixando que seu movimento, contra sua vontade, fosse transformado na Ordem dos Frades Menores.

A humildade ilimitada e a pobreza radical lhe permitiram uma experiência que vem ao encontro de nossas indagações: é possível resgatar o cuidado e o respeito para com a natureza?
Francisco mostrou essa possibilidade e sua realização mediante uma prática vivida com simplicidade e paixão. Ao não possuir nada, entreteve uma relação direta de convivência, e não de posse, com cada ser da criação.

QUESTÃO DE RESPEITO

A pobreza e a humildade assim praticadas não têm nada de beatice. Supõem algo prévio: o respeito ilimitado diante de cada ser. Cheio de devoção, tira a minhoca do caminho para não ser pisada, enfaixa um galhinho quebrado para que se recupere, alimenta no inverno as abelhas que esvoaçam perdidas. Ao renunciar a qualquer posse de bens, rechaçando tudo o que poderia colocá-lo acima de outras pessoas e acima das coisas, possuindo-as, emergiu como irmão universal. Foi ao encontro dos outros com as mãos vazias e o coração puro, oferecendo-lhes apenas a cortesia, a amizade, o amor desinteressado, cheio de confiança e ternura.

A fraternidade universal surge quando nos colocamos com grande humildade no seio da criação, respeitando todas as formas de vida e cada um dos seres. Essa fraternidade cósmica, fundada no respeito ilimitado, constitui o pressuposto necessário para a fraternidade humana. Sem esse respeito e essa fraternidade, dificilmente a Declaração dos Direitos do Homem terá eficácia. Haverá sempre violações, por razões étnicas, de gênero, de religião e outras.

Essa sua postura de fraternidade cósmica, assumida seriamente, poderá animar nossa preocupação ecológica de salvaguarda de cada espécie, de cada animal ou planta, pois são nossos irmãos e irmãs. Sem a fraternidade real, nunca chegaremos a formar a família humana que habita a “irmã e Mãe Terra” com respeito e cuidado. Essa fraternidade demanda inarredável paciência, mas encerra também uma grande promessa: ela é realizável. Não estamos condenados a liberar o animal feroz que nos habita e que ganhou forma em Videla, Pinochet, Fleury e em outros covardes torturadores.
Oxalá o papa Francisco de Roma, em sua prática de pastor local e universal, honre o nome de Francisco e mostre a atualidade dos valores vividos pelo “fratello” de Assis.

Soledad, a mulher do Cabo Anselmo

por Urariano Mota

 

 

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Quem lê Soledad no Recife pergunta sempre qual a natureza da minha relação com Soledad Barrett Viedma, a bela guerreira que foi mulher do Cabo Anselmo. Eu sempre respondo que não fomos amantes, que não fomos namorados. Mas que a amo, de um modo apaixonado e definitivo, enquanto vida eu tiver. Então os leitores voltam, até mesmo a editora do livro, da Boitempo: “mas você não a conheceu?”. E lhes digo, sim, eu a conheci, depois da sua morte. E explico, ou tento explicar.

Quem foi, quem é Soledad Barrett Viedma? Qual a sua força e drama, que a maioria dos brasileiros desconhece? De modo claro e curto, ela foi a mulher do Cabo Anselmo, que ele entregou a Fleury em 1973. Sem remorso e sem dor, o Cabo Anselmo a entregou grávida para a execução. Com mais cinco militantes contra a ditadura, no que se convencionou chamar “O massacre da granja São Bento”. Essa execução coletiva é o ponto. No entanto, por mais eloquente, essa coisa vil não diz tudo. E tudo é, ou quase tudo :

Entre os assassinados existem pessoas inimagináveis a qualquer escritor de ficção. Pauline Philipe Reichstul, presa aos chutes como um cão danado, a ponto de se urinar e sangrar em público, teve anos depois o irmão, Henri Philipe, como presidente da Petrobras. Jarbas Pereira Marques,  vendedor em uma livraria do Recife, arriscou e entregou a própria vida para não sacrificar a da sua mulher, grávida, com o “bucho pela boca”. Apesar de apavorado, por saber que Fleury e Anselmo estavam à sua procura, ele se negou a fugir, para que não fossem em cima da companheira, muito frágil, conforme ele dizia. Que escritor épico seria capaz de espelhar tal grandeza?

E Soledad Barrett Viedma não cabe em um parêntese. Ela é o centro, a pessoa que grita, o ponto de apoio de Arquimedes para esses crimes. Ainda que não fosse bela, de uma beleza de causar espanto vestida até em roupas rústicas no treinamento da guerrilha em Cuba; ainda que não houvesse transtornado o poeta Mario Benedetti;  ainda que não fosse a socialista marcada a navalha aos 17 anos em Montevidéu, por se negar a gritar Viva Hitler; ainda que não fosse neta do escritor Rafael Barrett, um clássico, fundador da literatura paraguaia; ainda assim… ainda assim o quê?

Soledad é a pessoa que aponta para o espião José Anselmo dos Santos e lhe dá a sentença: “Até o fim dos teus dias estás condenado, canalha. Aqui e além deste século”. Porque olhem só como sofre um coração. Para recuperar a vida de Soledad, para cantar o amor a esta combatente de quatro povos, tive que mergulhar e procurar entender a face do homem, quero dizer, a face do indivíduo que lhe desferiu o golpe da infâmia. Tive que procurar dele a maior proximidade possível, estudá-lo, procurar entendê-lo, e dele posso dizer enfim: o Cabo Anselmo é um personagem que não existe igual, na altura de covardia e frieza, em toda a literatura de espionagem. Isso quer dizer: ele superou os agentes duplos, capazes sempre de crimes realizados com perícia e serenidade. Mas para todos eles há um limite: os espiões não chegam à traição da própria carne, da mulher com quem se envolvem e do futuro filho. Se duvidam da perversão, acompanhem o depoimento de Alípio Freire, escritor e jornalista, ex-preso político:

“É impressionante o informe do senhor Anselmo sobre aquele grupo de militantes – é um documento que foi encontrado no Dops do Paraná. É algo absolutamente inimaginável e que, de tão diferente de todas as ignomínias que conhecemos, nos faltam palavras exatas para nos referirmos ao assunto.

Depois de descrever e informar sobre cada um dos cinco outros camaradas que seriam assassinados, referindo-se a Soledad (sobre a qual dá o histórico de família etc.), o que ele diz é mais ou menos o seguinte:

‘É verdade que estou realmente envolvido pessoalmente com ela e, nesse caso, se for possível, gostaria que não fosse aplicada a solução final’.

Ao longo da minha vida e desde muito cedo aprendi a metabolizar (sem perder a ternura, jamais) as tragédias. Mas fiquei durante umas três semanas acordando à noite, pensando e tentando entender esse abismo, essa voragem”.

Esse crime contra Soledad Barrett Viedma é o caso mais eloquente da guerra suja da ditadura no Brasil. Vocês entendem agora por que o livro é uma ficção que todo o mundo lê como um relato apaixonado. Não seria possível recriar Soledad de outra maneira. No título, lá em cima, escrevi Soledad, a mulher do Cabo Anselmo. Melhor seria ter escrito, Soledad, a mulher de todos os jovens brasileiros. Ou Soledad, a mulher que apredemos a amar.

***

Este texto foi publicado anteriormente em diversos sites (Portal Vermelho, Carta Maior etc.) e aqui reproduzido a pedido do autor, por ocasião da entrevista no programa Roda Viva com o Cabo Anselmo (que foi ao ar na noite de ontem, 17 de outubro de 2011).

O livro Soledad no Recife será publicado em versão eletrônica (ebook) ainda este mês.

***

Urariano Mota é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997). Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.

Quem controlará o guardião?

polícia violência terrorismo indignados 2013

por Mauro Santayana

Ao aprovar a reforma do Ministério Público no Brasil, e dar aos promotores e procuradores o poder de investigação criminal, os constituintes de 1988 adotaram uma cautela existente nos principais países do mundo. Os membros do Ministério Público podem, ou não, exercer a tarefa investigatória, conforme a sua própria decisão. É claro que o MP não pode, nem deve, tratar de questões policiais menores, mas a sua presença é absolutamente necessária quando se trata de delitos em que os suspeitos e os acusados são pessoas poderosas, seja pelo dinheiro, seja pela notoriedade, seja pela política.

Foi esse poder constitucional que permitiu ao Procurador Geral da República Aristides Junqueira presidir às investigações que conduziriam ao impeachment de Collor. Collor foi absolvido no processo judicial, conforme a decisão do STF – mas não escapou do julgamento político do Parlamento. Ainda assim, dos oito ministros do STF que o julgaram, três o condenaram.

Sob qualquer ordem da inteligência de Estado – e mesmo com alguns exageros que serão corrigidos pela evolução do sistema e pela pressão da sociedade – o Ministério Público deve manter essa prerrogativa. A polícia judiciária, com todos os seus méritos e a dedicação de muitos de seus integrantes, comete erros todos os dias. Ainda que alguns procuradores possam também cometê-los e envolver-se em casos de corrupção, o mesmo ocorre com os juízes, e, em se tratando dos órgãos policiais, não é preciso dizer coisa alguma. O noticiário cotidiano mostra como policiais – civis e militares – integram grupos de bandoleiros e, em nome desses interesses de quadrilha, matam, muitas vezes impunemente.

indignados mais polícia menos justiça

Esses argumentos não teriam de ser relembrados, se uma Comissão Especial da Câmara não houvesse aprovado, por 14 votos a 2, proposta de emenda constitucional que retira do Ministério Público o poder de investigação.

LOBBY DOS DELEGADOS?

polícia repressão4

O projeto estapafúrdio é de um parlamentar obscuro, o delegado de polícia Lourival Mendes, do inexpressivo PTdoB do Maranhão. Dois parlamentares – um deles Santana de Vasconcelos, do PR de Minas, e o outro, Fábio Trad, do PMDB do Mato Grosso do Sul, tentaram amenizar o projeto, mantendo a presença subsidiária do MP nas investigações – mas foram vencidos. O lobby corporativo dos delegados de polícia encontrou eco na esperança de impunidade de parcela do Parlamento. A sociedade deve mobilizar-se contra esse conúbio.

O Brasil está caminhando para tornar-se um estado policial, como se ainda estivéssemos no regime arbitrário que se encerrou em 1985, com a memorável campanha das ruas. Em um país em que mais de 10.000 pessoas foram mortas em com base em “autos de resistência à prisão” nos últimos anos, e já se discute o controle externo do judiciário, a polícia não pode ficar sem controle, seja do executivo, seja do MP, até mesmo para combater a corrupção e a tortura. Como ponderava o romano Juvenal em sua pergunta clássica, quis custodiet ipsos custodes, quem policiará a polícia?

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Um cartola que o passado condena

por Mário Augusto Jakobskind

 

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Fez bem o deputado Romário ao propor a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a Confederação Brasileira de Futebol. Romário é do ramo, ou seja, conhece muito bem os bastidores da entidade, agora presidida por José Maria Marin, que sucedeu nada mais nada menos que Ricardo Teixeira. Convenhamos, depois de Teixeira vir Marin é dose cavalar para o esporte mais popular do país. E Teixeira, queimado depois de mais de 20 anos de gestão, indicou Marin.

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Teixeira é acusado de várias falcatruas. Numa CPI terá todo o direito de defesa. Já o seu substituto também não pode ser considerado exemplo para o esporte ou para o País, muito pelo contrário. Aliás, o Brasil é useiro e vezeiro de passar por cima de sua memória histórica, como se fatos do passado não interessassem.

Agora, graças ao jornalista Juca Kfouri, foi lembrado em seu blog quem é Marin, como ingressou na política e o seu comportamento (sórdido) durante a ditadura civil militar que assolou o país durante 21 anos a partir de abril de 1964.

Pois bem, José Maria Marin ingressou na política antes de 64 elegendo-se vereador por São Paulo nas fileiras do integralismo, que tinha o nome de Partido de Representação Popular (PRP), capitaneado pelo fascista tupiniquim Plínio Salgado.

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DISCURSOS REVELADORES

Depois do golpe de 64, Marin conseguiu se eleger deputado estadual paulista na legenda do partido da ditadura, a Arena, que por sinal está sendo revivida no século XXI , justamente contando com a falta de memória dos brasileiros.

O atual presidente da CBF bateu o recorde em matéria de meu passado me condena, como lembrou Kfouri. No triste momento do assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI, Marin teve participação vestindo a camisa da linha dura. Está nos anais da Assembleia Legislativa de São Paulo o discurso que fez poucos dias antes do assassinato do jornalista. Em tom extremista, fazendo eco com a linha dura do regime ditatorial, Marin, em setembro de 1975, pedia maior rigor no combate aos “comunistas da TV Cultura”, e o “retorno da tranquilidade aos lares de São Paulo”. Em seguida, Herzog foi intimado a comparecer na boca do lobo e teve o fim que sabemos.

Mas quem pensa que o apoiador da ditadura José Maria Marin ficou só nisso em matéria de extremismo, engana-se. É de autoria do atual presidente da CBF discurso elogiando a atuação de Sérgio Paranhos Fleury, o hediondo delegado do DEOPS paulista, responsável pela tortura e morte de centenas de opositores da ditadura.

Sempre vinculado ao que havia de pior no mundo político brasileira. Marin foi vice de Paulo Maluf e acabou governando São Paulo por um tempo, sendo posteriormente substituído por governadores eleitos.

Na verdade, uma figura como Marin jamais poderia ter sido galgado à presidência da CBF, porque tal fato depõe contra a imagem do Brasil. Esporte é vida e confraternização. Marin não é nada disso, muito pelo contrário.

 (Transcrevi trechos)