
Para a catarse da classe média, a transformação do secretário Damásio em bode expiatório, pela reveladora e sincera (sem cera) entrevista que concedeu.
O escândalo não está na confissão, mas nos atos e omissões. Nos crimes praticados, e impunes. Nas palavras que escancaram atrocidades contra o povo, que continuarão a ser cometidas pelo terrorismo policial.
Nenhuma fala sobre a repressão policial contra os Amarildos favelados; os meninos Marcelos Pesseghini, que de assassinado passou a ser serial killer; nem sobre o jovem Douglas Rodrigues, aquele que perguntou para um soldado: – Por que o senhor atirou em mim?
Damásio foi nomeado secretário por Eduardo Campos, e deixou o cargo porque quis, e saiu elogiado pelo governador.
A opinião constitui uma ação passiva, e ninguém, necessariamente deve ser punido por revelar seus pensamentos ou expressar suas opiniões, que são ações passivas; e sim quando as palavras se transformam em atitudes e comportamentos, que são ações ativas.
O que fez Damásio, para incomodar tanto? Mostrou que a polícia de Eduardo Campos não difere das polícias comandadas pelos governadores Alckmin, Sérgio Cabral e outros.
Nesta segunda-feira, a partir das 19h, nos escombros de casas demolidas para construção do Ramal da Copa, nas proximidades do Terminal Integrado da cidade da Região Metropolitana do Recife, removidos pelas obras da Copa do Mundo que receberam ou não suas indenizações prometem se reunir para um Natal diferente.
A visita ao Jesus despejado, que nasceu em uma manjedoura, reunirá famílias que moravam no Loteamento São Francisco (Camaragibe) e em outras comunidades atingidas pela Arena Pernambuco e por obras de mobilidade que estão sendo construídas para o Mundial de 2014 em Pernambuco.
No Estado, mais de 2.000 famílias foram ou serão removidas por obras do Mundial de 2014. Além dos removidos em Camaragibe, onde 129 residências estão sendo demolidas para as obras do Terminal Integrado da cidade e do Ramal da Copa, devem participar também representantes de outras comunidades como Cosme e Damião, São Lourenço da Mata e do Coque.
No Brasil, entre 170 mil e 250 mil pessoas estão sendo obrigadas a sair de suas casas para dar espaço a obras realizadas para o Mundial de 2014, segundo estudo da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa. Leia mais e veja galeria de fotos.
Que significa “mobilidade”, quando não se faz nada que preste para o povo?
Disse o Papa Francisco em sua mensagem natalina: “Há tantas famílias sem casa, seja porque nunca tiveram ou porque perderam por tantas razões diferentes. Famílias e casas andam de mãos dadas. É muito difícil de conduzir uma família para a frente sem ter uma casa”.
APAGÃO VERBAL, MENTAL E MORAL

por Dorrit Harazim, O Globo
A entrevista durou cerca de uma hora e meia e foi concedida na manhã da sexta-feira 22 de novembro.
Além de Wilson Damázio, secretário de Defesa Social de Pernambuco, estavam presentes na sala o corregedor adjunto Paulo Fernando Barbosa, o ouvidor Thomas Edison Xavier Leite de Oliveira e a gerente do Centro Integrado de Comunicação, Ana Paula Alvares Cysneiros.
O tema investigado pela repórter Fabiana Moraes, do “Jornal do Commercio”, eram as abordagens sexuais de policiais militares contra mulheres jovens, pobres e negras de Recife.
Mais especificamente, as denúncias de práticas abusivas por integrantes do Grupo de Ações Táticas Itinerantes (Gati), das Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam) e da Patrulha do Bairro, uma das principais vitrines da gestão do governador Eduardo Campos, provável candidato à Presidência em 2014.
A entrevista com Damázio encerrava a robusta série de artigos da repórter sobre o tema e foi publicada na edição desta quinta-feira. Vale repetir aqui, na íntegra, os trechos que desembocaram na demissão do secretário.
Não por representarem a parte dominante da entrevista. Em duração, são parte desprezível (pouco mais de um minuto, do total de 57 minutos de gravação). Em conteúdo, porém, ofuscam todo o resto e por isso mesmo merecem exposição nacional — até para não serem varridos para baixo da árvore de Natal.
Indagado sobre a ausência de registros de denúncias de policiais que pedem para ver os seios de meninas ao fazer uma abordagem ou praticam outros abusos, o secretário conjecturou:
“Desvio de conduta a gente tem em todo lugar. Tem na casa da gente, tem um irmão que é homossexual, tem outro que é ladrão, entendeu? Lógico que a homossexualidade não quer dizer bandidagem, mas foge ao padrão de comportamento da família brasileira tradicional. Então, em todo lugar tem alguma coisa errada, e a polícia… né? A linha em que a polícia anda, ela é muito tênue, não é?”
De acordo com números do Centro de Vulnerabilidade Social LGBT, da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, o levantamento parcial para o ano de 2013 lista 22 casos de homossexuais assassinados em Pernambuco.
Em 2012 os homicídios de gays computados pela entidade foram 35, embora o secretário Damázio contestasse o número afirmando que metade desses crimes possa ter tido motivação passional, interesse financeiro, drogas, bebida ou similares.
Entidades atuantes como o Grupo Gay da Bahia, contudo, há anos listam Pernambuco no topo dos estados brasileiros em número de crimes de homofobia proporcionais à população.
No início deste mês de dezembro o governo de Eduardo Campos tomou a alvissareira medida de transformar em crime casos de violência e discriminações contra a comunidade LGBT.
Voltando à entrevista. Já quase no final, a repórter mencionou um escândalo ocorrido em Fortaleza três anos atrás quando câmeras instaladas em carros de polícia filmaram agentes fazendo sexo oral em mulheres no interior dos próprios veículos.
Comentário do então ainda secretário de Defesa Social, na presença do corregedor adjunto, do ouvidor e da gerente de Comunicação:
“Tem muitos problemas com a polícia, mulheres, principalmente… O policial exerce um fascínio no dito sexo frágil… Eu não sei por que é que mulher gosta tanto de farda. Todo policial militar, civil eu não sei, dos mais antigos tem duas famílias, tem uma amante, duas. É um negócio. Eu sou policial federal, feio pra caramba… A gente ia pra Floresta (Sertão), pra esses lugares. Quando a gente chegava lá, colocava aquele colete, as meninas ficavam tudo (sic) saçaricadas e… Às vezes [tinham] namorado, às vezes [eram] mulheres casadas. A moral delas é diferente da gente. Pra elas, é o máximo tá dando pra um policial… Dentro da viatura, então, o fetiche dela vai lá em cima, é coisa de doido”.
A tóxica entrevista disseminou indignação de intensidade black bloc para todos os lados. Às três da tarde da própria quinta-feira, representantes de 26 entidades de direitos civis do estado já decidiam uma primeira tomada de posição.
Nas redes sociais o assunto fervia e a exoneração do secretário antes de o dia acabar não surpreendeu ninguém. Para usar as próprias palavras de Damázio, “em todo lugar tem alguma coisa errada, e a polícia…”
Depois de 30 anos de carreira policial, primeiro como agente da Civil, depois como agente, delegado e superintendente da Federal, além das duas gestões consecutivas na secretaria, Damázio não soube evitar os cacoetes epistolares comuns a demissionários lotados de culpa.
Referiu-se a “declarações a mim atribuídas”, apesar de ele poder ouvir a gravação da própria voz na internet, se desejar. Sustentou que seus pensamentos não constituem seus pensamentos e declinou com estridência o verbo repelir. Também pediu desculpas a quem “porventura” tenha se ofendido com as declarações. Porventura?
“Não pensei duas vezes”, arrostou Eduardo Campos tonitruante ao justificar que aceitara a renúncia para não permitir que o episódio interferisse na sua política pública de segurança.
Tivesse pensado duas vezes talvez lhe ocorresse não lamentar a saída de Wilson Damázio. Nem se referir aos “bons serviços prestados” pelo secretário na nota protocolar de exoneração — há vezes em que mesmo frases obrigatórias soam melhor quando omitidas.
Damázio deveria ter sido demitido não por ter feito declarações que “motivaram críticas e cobranças”. Sequer deveria ter ocupado o cargo por pensar o que diz.
