As comoventes imagens da menina que procura seus livros e cadernos na sua casa, destruída por um foguete em Gaza, lembram cenas do romance e filme de outra menina na Alemanha nazista.
O que era uma ficção se transforma em uma brutal e desumana realidade nas guerras do deserto. Principalmente na guerra das estrelas na Palestina. Precisamente da guerra da Estrela de Davi contra a Lua árabe. É um novo holocausto: agora dos palestinos, os antigos filisteus.
The Book Thief – A menina que roubava livros (título no Brasil) ou A rapariga que roubava livros (título em Portugal)) é um drama do escritor australiano Markus Zusak, publicado em 2005 pela editora Picador. No Brasil e em Portugal, foi lançado pela Intrínseca e a Presença, respectivamente.
O livro é sobre uma garota que encontra a Morte três vezes durante 1939–43 na Alemanha nazista.
The Book Thief tem como narradora a Morte, cuja função é recolher a alma de todos aqueles que morrem sem intervalos. Durante a sua passagem pela Alemanha, na Segunda Guerra Mundial, ela encontra a protagonista, Liesel Meminger, numa estação de comboio enquanto o seu irmão mais novo é enterrado próximo ao local.
A menina, ao perceber que o coveiro presente deixou um livro, O manual do coveiro, cair na neve, rouba-o e é levada, então, até a cidade fictícia Molching, onde a sua mãe pretende entregá-la a uma família para que a adotem.
Na Rua Himmel, reside o casal de classe trabalhista formado por Hans e Rosa Hubermann. Lá, ela convive com os novos responsáveis e vai à escola.
Como ajudante de sua mãe, começa uma amizade com a mulher do prefeito Ilsa Hermann, embora ela só perceba o tamanho dessa amizade no fim da história.
Ao longo dos quatro anos que viveu com os Hubermann, roubou diversos livros e aprendeu lições com eles.
No filme, a jovem Liesel Meminger (Sophie Nélisse) sobrevive fora de Munique através dos livros que ela rouba.
Ajudada por seu pai adotivo (Geoffrey Rush), ela aprende a ler e partilhar livros com seus amigos, incluindo um homem judeu (Ben Schnetzer) que vive na clandestinidade em sua casa.
Enquanto não está lendo ou estudando, ela realiza algumas tarefas para a mãe (Emily Watson) e brinca com a amigo Rudy (Nico Liersch).
A história revela quando terrível um regime que impõe o pensamento único, destrói a cultura de um povo, queima livros, cria uma lista de autores proibidos, estabelece o controle judicial-policial, e prende e arrebenta.
A história é uma mensagem de esperança. A fraternidade, a amizade, o amor ao próximo vence a Morte e a xenofobia, e todo tipo de preconceito, notadamente o racial.
Você entenderá porque os judeus são chamados de o Povo do Livro.
“Quem é do Recife, quem já viveu no Recife ou quem passou um tempo no Recife, sempre dirá: eu tenho um caso pessoal com esta cidade”.
O Dicionário Amoroso do Recife é obra de toda uma vida na cidade, “um lugar possuidor de visco e modo de ser” que acompanhou e acompanha Urariano Mota sempre.
No Dicionário, os significados vêm “na nuvem da memória e do sentimento. A memória a falar daquilo que a marcou. Falando para todos os humanos a humanidade do Recife”.
Amanhã, sexta-feira, às 19 horas, na Livraria Cultura, no Paço da Alfândega, no Recife Antigo, o romancista Urariano Mota estará autografando o Dicionário Amoroso do Recife.
O Dicionário é fruto de um escritor que ama a cidade acima de tudo. Não foi à toa que o grande maestro Spok, o cara e a cara do frevo renascido, se referiu ao livro como se visse o Recife falando para os recifenses e para qualquer pessoa de fora, no Rio, em São Paulo, ou além das fronteiras do Brasil. Como um novo Pernambuco falando para o mundo.
De A até Z, o livro é um passeio pelas Igrejas, pela primeira Sinagoga das Américas, pelos terreiros, pelos mercados públicos, pelo elogio emocionante dos heróis do povo da cidade.
Um dicionário da humanidade pernambucana. Da gente do Recife, “da encantadora gente do Recife, que às vezes sufoca a gente de emoção e ternura, de um carinho que rasga o solo como uma flor no asfalto duro”.
De Eutanasinha, a criança flagrada na inocência da fantasia de princesa do carnaval. De Clarice Lispector a ver o frevo na rua. Da descoberta de uma qualidade rara em Dom Hélder Câmara. E muitas homenagens, recuperação de pessoas ilustres e queridas do Recife, desta vez salvas para sempre como exemplos e modelos de pessoas da cidade.
Quem? Não perguntem quem, perguntem como são e vivem essas pessoas. Do ser que são virá a sua fama.
Humor, poesia, drama, como de resto é feita uma cidade grande cujo crescimento se dá na memória e no afeto.
E mais: o novo centro do Recife.
E qual o gênero da cidade? Recife é macho ou fêmea?
Revelações como a passagem de Gagárin no Recife, a origem do nome Zumbi para um bairro. E as mulheres do Marrocos, o teatro de sexo do sonho dos meninos. O Mercado da Boa Vista. As redações do Recife, lembrando nomes que os jovens fotógrafos e jornalistas nem sabe que existiram. Eis o trecho de um verbete:
“No registro cotidiano do Recife, muito espanta hoje o seu sentido de flagra, mais rápido que o de um fotógrafo de esporte no momento do gol. No precioso arquivo de Olegária, aparecem ladrões meninos ou adultos no instante do furto. Como se fosse de repente, naquele momento tão suave e sub-reptício que ninguém vê, Wilson mostrava em preto e branco os dedos escorregando em uma bolsa de mulher, no centro do Recife. O seu flagrante não media conveniências. Flechava, ou melhor, flashava meninos miseráveis, sem banheiro no mocambo, defecando à luz do dia em um canal da cidade.
Olegária nos contou que tamanha era a intimidade do pai com famosos, que ele chegou a fotografar misses de Pernambuco nuas. Para nossa infelicidade não restaram as provas, porque Wilson, honestíssimo, devolvia os negativos às donas. (O que eram os costumes secretos e a gentileza do fotógrafo.) Ele trabalhou no Jornal do Commercio, Diário de Pernambuco e Folha da Manhã.“
Este é um Dicionário para o Recife “que está mais em seu povo que em todos os monumentos, pontes, rios e edifícios. Aquela cidade que vista de cima, no avião que chega, acende um calor, uma alegria e uma felicidade sem palavras, somente fogo íntimo”.
“Estamos de volta, Recife”, e quem volta suspira em silêncio, pouco importando se esteve fora um mês, um ano ou dois dias.
Em O filho renegado de Deus, romance recém publicado pela Bertrand Brasil, Urariano Mota conta, com cores fortes, a luta do povo trabalhador em busca da “química da vida” e da dignidade como pessoas.
Por José Carlos Ruy
“Então ele não findou. Então ele saiu do cemitério sabendo que os tempos agora se uniam, de 2013 a 1958. Filho que era daquela Maria agoniada, nunca havia sido filho de Deus, apenas o seu renegado. Os tempos agora se ligavam como uma rebeldia. E para os rebeldes jamais existirá um fim”.
Este é o parágrafo final de um dos mais surpreendentes romances da nova safra: O filho renegado de Deus, de Urariano Mota (que a Bertrand Brasil acaba de publicar). O parágrafo funciona como a chave de ouro de um soneto, e ajuda a decifrar o significado da narrativa. Permite também localizar o narrador que, ao longo do romance, muitas vezes é proustianamente fugidio – ora é o menino Jimeralto e suas andanças ai por 1958, ora é o Jimeralto sessentão que remoe as lembranças da meninice, ou então é Pedro, nome de guerra assumido durante a clandestinidade, sob a ditadura, na década de 1970.
As pontas do tempo e da memória se juntam naquele cemitério, e remetem ao passado composto pela história do povo trabalhador que ocupava a Vila Alegria – um beco de casinhas improvisadas, minúsculas, à beira da Avenida Nova do Recife, onde Jimeralto menino aprendeu a olhar a vida e a luta implacável pela sobrevivência e, sobretudo, pela conquista do reconhecimento da dignidade de cada um.
Há uma coletânea, publicada há alguns anos, cujo título é Os pobres na literatura brasileira, que se refere a uma galeria não muito extensa de personagens, que fica ainda menor quando se trata de autores que tiveram a vivência pessoal das histórias que narram. Não que isso seja determinante. A qualidade da narração vem primeiro da empatia e da capacidade de “colocar-se no lugar” do outro, do que propriamente da vivência direta (embora Graciliano Ramos insistisse na importância dessa vivência).
O filho renegado de Deus enriquece essa galeria com histórias que denotam o “pôr-se no lugar” do outro e também a vivência do narrado. Traz um conjunto de personagens memoráveis – os Valfridos, Cecílio, Manoel de Carvalho (o “espírito”), Maciel, o tio. As inúmeras Marias (das Dores, da Conceição, dos Prazeres, da Silva, de José, de Totonho, do Zezo, ou as que “se tornavam identidades de uma só pessoa pelas casinhas onde moravam”) andam juntas com Esmeralda, Lúcia, Geraldina, Lídia… e tantas mulheres para as quais a feminilidade “era um sofrimento”.
No beco moravam trabalhadores que pegavam pesado no cais do Recife. Que enfrentavam a “química da necessidade” regulando o leite, o pão, o açúcar, o café, tirando o máximo do dinheiro escasso. Pobres de subúrbio nos quais a “química da necessidade” fazia de toda manifestação de carinho e humanidade prova de fraqueza, típicas de fêmea ou sinalizadoras de caráter pouco macho dos homens, sintoma “de efeminado, que até nas mulheres era feio”.
Maria e Filadelfo compõem, desde agora, a galeria dos “pobres na literatura”. Maria que, na opinião dos demais, “era o que era”, isto é, “sua pessoa física apenas, carnes, ossos e roupas”, somente a “mulher – e aqui vai um gênero e universo de entendimento bárbaro -, gorda, baixinha, com um aspecto, ar, que não devia ser o da sua condição”.
Fora do padrão de beleza dominante, “não passava de ser uma ‘albacora’”, peixe que não era a “dieta ideal para os comedores de carne bovina”, só fazendo parte do cardápio “nas sextas-feiras santas, em sinal de penitência”.
Maria era mulher, contudo, que não aceitava – isso “me repugna” – “qualquer piedade para a sua condição”. Antes, era “mulher brava, de coragem e de raiva”, brava como aqueles que “os fracos não temem, porque sabem que essa bravura se dirige somente contra o injusto mais forte”. Mas mãe carinhosa de quem o Jimeralto adulto lembraria como sendo, para ele, “absoluta suavidade”.
Filadelfo, o marido, o pai, era o oposto. Formado na pedagogia da dor, era duro e violento. Mulato escuro, cujo pai – desconhecido – era um português e a mãe, negra, prostituta, descendente de escravos. Era “filho do chicote com uma negra”, atarracado, “baixo, menos por gênese que pela fome passada na infância”. Trabalhava no cais onde começou a aprender com marinheiros estadunidenses o idioma inglês que o distinguiria entre os seus e mesmo entre a elite branca do Recife por falar melhor que eles o idioma do dominador.
Dom traduzido em bens simbólicos – dólares, cigarros, uísque, camisas de estampas coloridas – que prometiam a ascensão mulata que embranquecia o negro pelas que “punha a seu redor: casas, dinheiro, roupas, mulher branca ou tida como branca”.
O relato entra, neste ponto, numa descrição crua, e sensível, do dominante e disfarçado (envergonhado?) racismo brasileiro. “Juntar coisas que por tradição eram de branco” fazia do mulato “um branco meio impuro branco”. Ao contrário do “negro de alma branca”, um mulato de posses era um “branco de epiderme por acréscimo”.
Com esta expressão de fina literatura, Urariano Mota formula a crueza do racismo brasileiro onde os sinais de ascensão social fazem da pele escura do mulato uma espécie de roupa com a capacidade de mudar a cor da pele daquele ser humano…
Mas Filadelfo era obrigado a ocupar “seu lugar”, o lugar do negro. Só podia entrar nas mansões pela porta dos fundos; indicado para ser o guia do americano Ted Kennedy que, com a mulher, visitava o Recife, enfrentou mas não engoliu a designação de “macaco” e, altivamente, deixou o casal na mão, recusando o serviço que muitos cobiçam. “Quanta petulância pra um mundo fundado e assentado na desigualdade”.
O que une Maria e Filadelfo, as Marias, Valfridos e tanta gente, é a busca da dignidade. Este é o segredo que faz de O filho renegado de Deus um romance que se destaca e cuja leitura se impõe.
Conta a história de gente tão pobre cuja existência deixa escassos traços materiais, como fotografias e outros documentos. O registro de sua existência fica na memória! Urariano Mota permite recordar, neste ponto, uma passagem do discurso pronunciado por José Saramago na Academia Sueca, ao receber o Nobel de literatura. O escritor português garantiu, então, que todos os homens têm suas histórias, embora nem todas sejam contadas.
Urariano Mota faz a sua parte. Num livro anterior, Soledad no Recife (2009) contou a história de Soledad Barret, a militante comunista de origem paraguaia torpemente assassinada. Em O filho renegado de Deus conta história semelhante, de gente que não tem o reconhecimento da heroína morta pela repressão em 1973 mas que, na outra ponta da luta contra a opressão, busca resolver anonimamente a “química da vida” e alcançar o reconhecimento de sua dignidade de seres humanos.
Mas Urariano Mota não se ilude; não confunde a vida imaginada no pensamento, com o vivido. “A vida não era conceito”; ela “sempre pula do conceito, a vida é mais magnifica e surpreendente que o maior e melhor enquadramento dialético”. Com este material e esta certeza, produziu um romance memorável.
Urariano Mota está autografando um novo livro o Dicionário Amoroso do Recife neste 28 de março, às 19 horas, na Livraria da Cultura, no Paço da Alfândega. Leia mais
O lançamento no Recife do novo romance de Urariano Mota
Abdias Moura, escritor e mestre de várias gerações de jornalistasO autógrafo preciosoUrariano Mota tem convites de várias capitais do Brasil para autografar seu novo romance
por Maria Inês Nassif
Jimeralto é O filho renegado de Deus, o personagem atormentado que se mistura com o narrador preciso da miséria humana. Por meio dele, Urariano Mota percorre com singular habilidade vidas que se expõem a todos, sem qualquer privacidade, em 10 casinhas que se amontoam num beco, no Recife dos anos 50. O adulto Jimeralto narra seu mundo da infância em 2012, num acerto de contas com um passado profundamente ofendido pelo preconceito. Por esse mundo trafegam homens embrutecidos – antes pelo preconceito do que pela pobreza – e mulheres brutalizadas por seus homens. Ou homens que também se deixaram enternecer por mulheres.
Mas, antes de tudo, os personagens são a mãe, que apenas poderia se chamar Maria, tal a candura e a carência, e o pai, Filadelfo. A mãe que abdica dos prazeres da vida, do sexo, do amor, num casamento pobre como o dela, desalentador como sua vida; mas a Maria que, mesmo falecida quando o filho tinha oito anos, aos 29 anos, é a mesma que abriu a ele as primeiras visões do prazer sexual: o seio farto que o amamentou até menino; as carícias de mãe, inocentes, que ainda assim deram vida ao seu sexo ainda pequeno, quando isso apenas era um prenúncio de prazeres adultos.
O pai, insensível, fecha-se na dureza de sua alma: priva do amor a mulher e o filho, compensa sua origem de neto de escrava com putas louras, castiga, é vítima e alimenta preconceitos. Mas, ao mesmo tempo, tem visões e recebe reprimendas do padrinho morto. “O que você fez de sua vida, menino?”, pergunta a visão.
Urariano, na sua narrativa, estabelece uma linha tênue entre o amor sublime e o desejo, entre o afeto e o sexo. Às vezes, o sexo substitui o amor sublime, como no caso da vizinha Esmeralda, uma ninfomaníaca que acaba trazendo o conhecimento do prazer sexual à vida das crianças do beco, pouco protegidas pelas paredes finas e pelos cômodos reduzidos de suas casas, que se empilhavam com as de seus vizinhos. Às vezes, o amor se confunde com o sexo, como na ligação de Maria com o irmão gêmeo, homossexual. Maria é apaixonada pelo irmão, conclui Jimeralto. Embora o sexo seja uma impossibilidade, ela o ama porque ele é o homem da sua vida que é igual a ela. Não é a autoridade que se impõe pela força. É a possibilidade da conversa, da gargalhada, do sorriso. E é o seu amor porque as pessoas têm uma necessidade irrefreável de amar, diz o autor.
“Ama-se um gato, ama-se um cachorro, um papagaio, uma flor que ninguém quer ou vê. Talvez esse amor que deriva e vaga por objetos e coisas que não respondem, ou respondem abaixo da fome de amar, talvez sejam os sintomas do afeto que procura no mundo um indivíduo que lhe responda. Ou, quem sabe, o amor elástico, amplo e plástico onde tudo cabe”.
Urariano Mota faz o percurso de volta, da maturidade à infância, na vida de um ex-preso político, mergulhando o leitor numa rara riqueza de personagens e sentimentos, profundos e contraditórios. O amor e o ódio são um dado na vida de Jimeralto, mas ambos são sentimentos profundos, com os quais o personagem tem de lidar. O acerto de contas acontece em torno do caixão da mãe – em cenas oníricas onde ele, Jimeralto, reconstitui o amor que nutre por uma Maria que morreu quando ele tinha oito anos, e da qual pouco se lembra até que refaz essa trajetória; e o pai estampa o amor que nutre pela mulher morta, enterrada com um filho frustrado na barriga, em crises de arrependimento.
Urariano Mota, autor de Soledad no Recife, mantém a centralidade da figura feminina, como no seu romance anterior. Maria e Soledad são fortes e ternas. A coragem e a ternura mais uma vez se unem como qualidades femininas acossadas pelo desprezo de companheiros frios. Maria e Soledad, todavia, sabem amar “aquele amor elástico, amplo e plástico, onde tudo cabe”.
Professora em São Paulo, Analu de Freitas Barros escreve de sua casa em Pinheiros para reclamar do que vê e, principalmente, do que escuta sempre nos telejornais:
“É tão impressionante a ignorância (ou má-fé?) dos repórteres que eles não encontram palavras para denominar os personagens de suas reportagens. Parece que é proibido dizer que ladrão é ladrão, assaltante é assaltante; não existem bandidos ou assassinos no paupérrimo vocabulário deles.
Para nós telespectadores, muitos e muitos dos quais vítimas de criminosos, ouvir repórter chamá-los de ‘rapazes’, é, no mínimo, falta de respeito. Ora, rapazes são nossos filhos e netos! Será que esse absurdo não passa pela cabeça dos chamados ‘profissionais da imprensa’?
E nem vou falar da falta de imagens nítidas dos marginais presos, porque os rostos não aparecem. Amanhã, bate na porta de sua casa o mesmo bandido que estava na reportagem da TV e você pensa que é um ‘rapaz’ do bem…”
Paciência...
Aliás, e a propósito, o considerado Eduardo Almeida Reis, maior cronista diário da imprensa brasileira, escreveu em sua coluna do Estado de Minas:
“(…) Jornalistas que vivem do sangue aparecem mais cedo, no final da tarde, ficando na telinha cerca de duas horas.
São muito repetitivos, não só nos comentários como também por exibir as mesmas matérias diversas vezes no mesmo programa, com reedições nos dias seguintes. Até aí, tudo bem: estão na tevê porque há público, portanto patrocinadores. As televisões e os seus apresentadores vivem disso.
Se me permitissem palpitar, pediria que tomassem cuidado na adjetivação e no adverbiar os fatos delituosos. Seus comentários nunca se esquecem de dizer que o crime foi lamentável, como se houvesse crime louvável, elogiável, recomendável. Todos são cruelmente assassinados, talvez para distinguir dos homicídios amavelmente praticados. O negócio vai por aí e dá ibope. Paciência.
Escândalo gaúcho
O colunista encontrou meios de multiplicar as horas do dia para não adiar a leitura do livro do considerado Celito De Grandi, intitulado Caso Kliemann – A história de uma tragédia, raríssima reportagem policial escrita com o talento literário que a transforma num verdadeiro romance.
Celito, um dos maiores jornalistas e escritores do Brasil, conta a história de um crime ocorrido em junho de 1962, em Porto Alegre, quando a mulher de um deputado estadual foi encontrada morta e o marido logo apontado como suspeito do crime.
Repórter na época, o autor do livro acompanhou o dia-a-dia do escândalo, e, décadas mais tarde, com a precisão da memória, as pesquisas sobre aquele tempo e a colaboração das três filhas do casal Kliemann, Celito pôde recriar as cenas que, estas sim, abalaram a sociedade gaúcha.
No prefácio de Caso Kliemann – A história de uma tragédia, disse outro escritor do primeiríssimo time, Luiz Antonio de Assis Brasil:
“O Rio Grande precisava deste livro para acertar contas com seu passado.”
1. O livro “Concerto Para Paixão e Desatino – Romance de Uma Revolução Brasileira”, de que forma está estruturado, basicamente?
Moacir Japiassu– Narrado na terceira pessoa, com 45 capítulos, o livro tem 383 páginas. Tremendo calhamaço, né mesmo? Porém, acredito que é de fácil leitura, apesar da linguagem um pouco “trabalhada”, como se diz. Mantive apenas (e aqui discordo do meu Mestre José Américo, que gostava do português com todos os rr e ss, independentemente de classe social), mantive o linguajar do povo. Não o considero como algo desprezível, anti-literário. Pelo contrário, entendo-o como uma espécie de dialeto, riquíssimo em suas epênteses e prosopopéias. No meu livro, creio que existe harmonia entre o português clássico, às vezes arcaico, posto que fui buscar alguma coisa das Cantigas d’Amigo, e o dialeto a que me referi. Convivem “pacificamente”.
Confesso que, em princípio, fui assaltado pela disposição de escrever um roman à clef, mas mudei de idéia ao verificar que não teria o menor sentido dar nomes falsos a alguns personagens reais. Por que eu iria, por exemplo, descrever Zé Américo, expor fases de sua biografia e chamá-lo de Joaquim? Ou dar à Paraíba o nome de Felipéia, governada em 1930 por Baltazar Esteves Mejia? Não, de modo algum; prefiro correr os riscos da intolerância, da incompreensão. E tais riscos são enormes, haja vista a forma como o público encara os atores de telenovelas; alguns são agredidos na rua porque são confundidos com os perversos personagens que interpretam… Você pode argumentar que um livro como o meu, com uma linguagem às vezes rebuscada, não iria interessar ao público das telenovelas; sei não, sei não. Como dizia minha Tia Cota, que o Senhor a tenha, a gente nunca sabe. Principalmente na Paraíba, onde ainda inflamam-se as paixões políticas.
Todavia, como disse, prefiro enfrentar os riscos a me esconder junto com meus personagens, que são muitos, muitíssimos. Gosto de trabalhar com “grande elenco”, como ficou claro no meu romance anterior, “A Santa do Cabaré”, que reúne figuras de minha infância, em João Pessoa e no interior de Pernambuco, terra de minha mãe. Os mais jovens talvez não conheçam a figura, mas os veteranos, os sessentões, sabem muitíssimo bem quem foi Doutor Meira no “folclore sexual” da Paraíba. Pois Doutor Meira é personagem importante de “A Santa do Cabaré”; ele rouba as cenas alheias; chupa-as, melhor dizendo…
Bom, desculpe estar fazendo propaganda da “Santa”, porque o assunto aqui é o “Concerto”. Abundam personagens nessas 383 páginas, mais ou menos agrupados em “núcleos” que se interligam e se confundem no decorrer da narrativa. Não consigo escrever romances que fujam dessa “estratégia”, numa linha que apaixonava escritores como Roger Martin du Gard (Os Thibault) e John Steinbeck (A Leste do Éden), dentre muitos que apreciavam trabalhar pesadamente suas tramas e cenários. As telenovelas costumam usar e abusar dos “núcleos” e por termos esse parentesco é que acredito no interesse do grande público por um romance como o meu. Tudo depende, porém, de divulgação. A divulgação das editoras costuma ser muito ruim, se você não é um autor famoso. Aí, caímos num lamentável círculo vicioso: não se divulga porque o escritor não é famoso; e sem divulgação ele jamais ficará conhecido…
2. “Concerto Para Paixão e Desatino” é um romance que tem como base os episódios que culminaram com a Revolução de 30, inclusive o assassinato de João Pessoa. Como os fatos históricos são transpostos para o terreno da ficção nesta sua obra?
Há uma serena e “natural” interação entre os personagens criados e os da vida real. Se estamos em 1930 (embora o romance tenha início em 1920, durante o Governo de Solon de Lucena) e alguém procura uma autoridade, esta pode ser o Presidente do Estado ou o Secretário de Segurança Pública. Surgem, então, João Pessoa ou Zé Américo. Ou Juarez Távora, nos dias que antecedem a Revolução. Entretanto, faço este imperioso, fundamental esclarecimento: meu livro não é, de modo algum, um compêndio de historiografia paraibana; trata-se de um romance. É ficção, ficção que tem como cenário, como “pano de fundo”, os acontecimentos de 1930. João Pessoa, Zé Américo e os demais são tratados como personagens literários. O autor não mente; procura acompanhar de perto as ações da vida real, da História, mas se reserva o direito de criar roteiros diversos para cada uma dessas vidas tão importantes e tão conhecidas. O recurso do flashback permite ao autor reconstruir o passado que interessa à trama e a ele recorro porque sempre achei de profunda beleza imaginar alguém que se chega à janela, observa a paisagem e esta o remete a um passado feliz, ou infeliz, ou trágico. A solidão do personagem está, no meu livro, sempre recheada de passado.
Há uma cena, da qual gosto sobremaneira, que apresenta Zé Américo no papel de Secretário de Segurança, a fazer uma devassa no escritório que João Pessoa mantinha em sua casa da Praça da Independência. Ora, eu vivi ali naquele cenário, a jogar as peladas de minha infância, quando os moleques saíamos do Colégio Pio X para a liberdade das ruas. Passávamos defronte à mansão em que vivera o Presidente. Observávamos as janelas sempre fechadas, a resguardar que mistérios? Pois eu tive a petulância de abrir uma dessas janelas, por onde Zé Américo nos observa com seus olhos míopes e seu rosto severo…
José Américo e Juarez Távora
3. Na obra você faz uma advertência ao leitor, situando a presença de José Américo de Almeida (então secretário de Segurança do Governo João Pessoa) nas páginas do romance. Por que a necessidade dessa advertência em relação ao autor de “A Bagaceira”, se outros personagens históricos também são inseridos em sua ficção?
R – O político e escritor José Américo de Almeida talvez seja a maior admiração de minha vida. Quando eu era menino, na João Pessoa do final dos anos 40, meu pai me levava para os comícios dele e eu ficava fascinado com aquela oratória que hipnotizava. É claro que eu não entendia nada do que ele falava, porém era impressionante a forma como dominava a multidão, como emocionava meu pai. “Esse Zé Américo é o cão!”, festejava ele.
Quando, na adolescência, li “A Bagaceira”, entendi melhor por que aquele era um homem especial. Eu estava no tempo das descobertas literárias, morava em Belo Horizonte com a família, meu pai fora transferido (era funcionário do DNOCS) e foi ele quem me deu de presente o romance de Zé Américo.
Agora, já sexagenário, quando fazia as pesquisas necessárias à composição do “Concerto Para Paixão e Desatino”, reli mais uma vez “A Bagaceira” e também as memórias do Mestre e, como revelo na “advertência ao leitor”, assaltou-me crudelíssima dúvida: eu deveria reescrever os trechos que gostaria de aproveitar, apropriando-me disfarçadamente do trabalho de Zé Américo, ou seria mais honesto mantê-lo intacto, já que se trata de texto brilhante, a dispensar reparos? Escolhi este caminho; onde foi possível, mantive os trechos entre aspas; e as dispensei, naqueles parágrafos que pediam mudança de tratamento, da primeira para a terceira pessoa. Quem conhece as memórias de Zé Américo identificará claramente os enxertos. Gostei do resultado; o que poderia ser uma apropriação indébita se transformou na homenagem que eu gostaria de prestar.
4. Em determinado trecho desta advertência, o senhor cita José Américo como personagem fundamental da Revolução. O mesmo se aplica em relação ao papel de José Américo em “Concerto Para Paixão e Desatino”?
R – José Américo é, como todos sabem, personagem fundamental da Revolução de 30 e, como personagem do meu romance, mantém tal excelência, como detalhei acima. Aliás, os leitores do Correio das Artes hão de concordar comigo: a figura de José Américo, sua autoridade expressa no olhar de míope, que transmitia certo distanciamento do interlocutor, é muito literário. O cargo de Secretário de Segurança Pública numa época tão conturbada; o papel dele na campanha de Princesa; a amizade tão estreita com João Pessoa, fazem-no perfeito para um desempenho marcante nas páginas do livro.
5. No posfácio à obra, José Nêummane Pinto faz uma comparação entre “Concerto Para Paixão e Desatino” e “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. Com certeza, são duas obras que remontam a fatos históricos da política brasileira, mas onde o romance de Japiassu se aproxima da narrativa de Euclides da Cunha?
R – Nêumanne, intelectual brilhante, versejador de escol, não encontrou no “Concerto” algum terreno onde pudesse semear licenças poéticas, como, por exemplo, semelhanças com o universo euclidiano. É claro que meu romance, por mais pretensioso que seja, jamais poderia ser comparado a “Os Sertões” nem foi isso o que o posfaciador escreveu; Nêumanne se referiu ao comportamento do sertanejo João Dantas, o qual, nas páginas do livro, planeja com necessária minudência o assassinato de João Pessoa com tiros à queima-roupa, quanto mais não seja porque a arma, um revólver calibre 32 de cano curto, não se prestaria ao tiro à média ou longa distância. Nêumanne “jogou” com a imperícia do autor de “Os Sertões”, improvisado pistoleiro que morreu ao enfrentar de peito aberto o amante de sua mulher, num episódio pra lá de conhecido. Se fosse um sertanejo, como os personagens do sertão que dizia conhecer tão bem, Euclides teria feito o que Dantas fez, 21 anos mais tarde: planejaria o atentado ou então descansaria o rifle na paciência da tocaia pura e simples, porém de eficácia garantida. Se houve “licença poética” Nêumanne a situou entre os exemplos pessoais de Euclides e João Dantas, não entre o “Concerto” e “Os Sertões”. Quem me dera que meu humilde romance pudesse ser comparado a umas duas páginas da obra-prima de Euclides!
João Dantas assassinado na Casa da Detenção do Recife
Poetisa Anayde Beiríz, amante de João Dantas, suicidada e enterrada no Recife como indigente
6. Nêumanne destaca, ainda, a “forma musical” utilizada no romance, fato também mencionado pelo senhor na advertência ao leitor. Gostaria de saber um pouco mais sobre essa cadência da prosa de seu romance.
R – Um dos personagens que dão sustentação ao romance é um padre, Argemiro Sabaó, pároco de São Miguel de Taipu (ele e José Américo foram colegas de seminário). Sabaó é um grande estudioso da língua portuguesa, colaborador de filólogos como os mestres José Joaquim Nunes e Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Os estudiosos do idioma conhecem a dupla. Assim, como homenagem à cultura desse homem tão simples e tão sacrificado, achei de bom alvitre e de excelso respeito ornamentar o texto com frases de inspiração camoniana sempre que Sabaó aparece em cena. Ele bem merece um refrigério d’alma nos instantes em que se agrava o isolamento ante tão desditosa liça (esta última frase é um exemplo da linguagem à qual se refere o Nêumanne). E em nenhum momento, creio, me descuidei da musicalidade da língua portuguesa. Não apenas porque sempre fui um cultor dessa musicalidade como também para ser fiel ao próprio romance, entremeado de óperas, sinfonias, concertos, etc. Aliás, o “Concerto” está dividido em três partes, que são chamadas de “movimentos”, como nos concertos musicais: Allegro, Andante e Vivace.
7. Você inclui, no livro, uma bibliografia, onde se misturam textos históricos sobre os episódios de 30 com obras de autores clássicos como Luiz Vaz de Camões e Padre Antônio Vieira. Claro está, que nem todas as obras citadas na bibliografia foram consultadas, mas fica a curiosidade de saber qual a contribuição de Camões e Padre Vieira num livro sobre a Revolução de 30…
R – A contribuição camoniana já está respondida; e a de Vieira explica-se pela grande admiração que o padre Sabaó mantinha por sua obra. Sabia de cor os Sermões e um deles, aquele no qual o Senhor penitencia-se por ter criado o homem, é “declamado” aos fiéis, na missa que o pároco de São Miguel oferece ao Presidente assassinado.
8. Em um dos capítulos do livro (o 11), você narra com riqueza de detalhes os preparativos para o assassinato de João Pessoa. Na narrativa, é mencionado o affair entre João Pessoa e a cantora lírica Carina Malfitani, assunto ainda tabu na Paraíba. Você não teme reações da família do ex-presidente paraibano ao tocar no assunto?
R – Bom, já disse e repito que meu livro é um romance, é ficção, e assim deve ser visto. Troquei o nome da cantora, para não causar nenhum tipo de constrangimento a parentes próximos e distantes. Afinal, há, em flashback, cenas de sexo entre ela e o Presidente da Paraíba, cenas revividas pela “diva” após o assassinato do amante. São, todavia, momentos que escrevi com muito cuidado, escolhendo e sopesando as palavras. É sexo “quente”, porém digno, respeitoso. Não há vulgaridade no meu romance, isso eu posso garantir. No romance anterior, “A Santa do Cabaré”, há lesbianismo e incesto e eu tenho absoluta certeza de que não chocaram nem o mais pudico leitor. Não é possível que, aos 60 anos e depois de uma vida inteira em contato com as palavras, eu não saiba tratar de sexo com um mínimo de respeito ao leitor, não é mesmo? Todavia, se depois de todos os meus cuidados, houver alguma reclamação, poderei responder como Carlos Drummond de Andrade, quando saiu publicado o seu poema “O Sátiro”, em Lição de Coisas. É assim: Hildebrando insaciável comedor de galinha./Não as comia propriamente — à mesa./Possuía-as como se possuem e se matam mulheres./Era mansueto e escrevente de cartório. Dizem que em Itabira existia realmente um Hildebrando, funcionário de cartório e dado àquele feio hábito. Pois o homem procurou os jornais e meteu a boca no mundo; o poeta respondeu-lhe: “retire-se do meu poema!”. É claro que eu não faria isso com a surpreendente veemência do poeta, meu estilo é mais sossegado; eu pediria, encarecidamente, que o(a) atingido(a) deixasse as páginas do meu “Concerto”. Ora, poemas são poemas, romances são romances. É tudo ficção – ou quase tudo. A intimidade do Presidente João Pessoa no meu livro é, obviamente, peça de ficção. Não creio que amigos da família, ou mesmo parentes, reclamem de algo. Não há motivo para tanto.
João Pessoa assassinado por João Dantas
9. A propósito, apesar de ser um romance, seu livro toca fogo num vespeiro, já que até hoje a simples menção ao episódio traz de volta os radicalismos de perrepistas e liberais da política paraibana. Qual a sua expectativa para a leitura que possa se fazer da obra, principalmente na Paraíba?
R – Como me estendi um pouco na resposta acima, creio que esta já está respondida; posso adiantar que o romance também apresenta uma versão, bastante possível, embora improvável, de que João Pessoa talvez tenha sido assassinado a mando de um amigo, um correligionário, companheiro de campanha política, insatisfeito porque o Presidente mostrou-se (e esse fato é verdadeiro, está nas memórias de Zé Américo) contrário à revolução. Se é verdade que toco fogo num vespeiro, não me surpreenderia que fosse nesse trecho do romance. Porém, seria até bom uma polêmica a respeito; as polêmicas acendem o espírito, alumiam a alma… 10. Recentemente, o jornalista paraibano Fernando Melo lançou um livro resgatando a história de João Dantas, o assassino de João Pessoa. No seu livro há alguma tentativa de redimir João Dantas, transformando-o de algoz em vítima?
R – Não, de modo algum. O meu João Dantas, se posso falar assim do personagem do romance, aparece como uma pessoa capaz de ser influenciada por um jornalista, seu amigo dos tempos de Liceu, figura sórdida que deseja a morte do Presidente para aproveitar-se do caos e disseminar a corrução pela Paraíba e o Nordeste. Todas as versões são válidas quando a realidade se perde na obscuridade. 11. A licença poética foi fundamental para transpor personagens históricos como João Pessoa, João Dantas, Ademar Vidal e José Américo de Almeida para as páginas de um texto de ficção?
R – Já me referi a licenças poéticas e disse acima que todas as versões são válidas quando a realidade se perde na obscuridade. Isto é rigorosamente verdadeiro. O que não se pode, em hipótese alguma, é mentir descaradamente sobre um personagem da vida real que se transpôs para a ficção. Eu não poderia dizer, por exemplo, que Zé Américo traiu João Pessoa. Eu teria que provar isso – ou então, deveria mudar o nome do personagem, o que seria um absurdo, conforme já disse.
12. Foi o que você fêz com Ernâni Satyro, que no seu romance aparece com o nome de Libânio?
R – O Libânio do romance é um importador de gado indiano, que percorre inúmeros estados, conhece Deus e o mundo e é um leva-e-traz, um mexeriqueiro, boateiro. O personagem não tem nada de Ernâni Satyro, que era um intelectual, um escritor talentoso, um político de primeiríssimo time. Eu o conheci bem, nos encontramos na Paraíba, quando eu era repórter da revista IstoÉ, e também, por diversas vezes, em Brasília. Certa vez, em Brasília, eu contei a ele a história de um sertanejo dado ao onanismo, autor de uma frase engraçadíssima que não posso, infelizmente, repetir aqui, por respeito às famílias que lêem o Correio das Artes. Ernâni escutou a frase e riu a noite inteira; quanto mais goles de uísque bebíamos, mais ele me pedia para contar a história. E caía na gargalhada. A frase é realmente muito engraçada. Bem. Quando resolvi “rabiscar” o personagem Libânio, o qual, no romance, assume a frase como sua, eu ria e me lembrava de Ernâni. E Libânio acabou ficando, fisicamente – repito: fi-si-ca-men-te – parecido com Ernâni: baixo, “torado no grosso”, óculos de fundo de garrafa de cerveja Teutônia (a Brahma da época), voz tonitruante. Foi por isso que Nêumanne e outros leitores especiais do romance disseram: mas você retratou o Ernâni Satyro! Respondi: fisicamente, sim; o resto, não. Ernâni era, por acaso, vendedor de gado em 1930?!?!?!?!?
13. O Presidente Solon de Lucena também virou seu personagem e, segundo consta, é muito maltratado no romance.
R – Isso é boato de quem não leu o “Concerto”; Solon de Lucena aparece pouco, no início do livro, com os problemas do seu governo, a crise do café, principalmente. Outro personagem, o Senhor-de-Engenho Deba Coutinho, perrepista histórico, tem um entrevero com Solon, porém não é um entrevero político e sim sentimental; Deba “acha” que o Presidente lhe tomou a amante. Todas as dores do corno são atribuídas ao Presidente, porém o narrador em nenhum momento concorda com o personagem. Deba é um neurótico e nada mais.
Velório de João Pessoa (em João Pessoa ou Rio de Janeiro) foi a propaganda fúnebre da revolução de TrintaFuneral de João Pessoa na Paraíba
14. Apesar de tantos personagens históricos circulando pelas páginas do livro, o personagem principal chama-se Isaías. Quem é esse Isaías e qual o seu papel na trama?
R – Isaías é um menino pobre, morador de um dos engenhos da várzea do Paraíba. Aquele também é cenário de minha infância, ali passei temporadas, no engenho Oiteiro e no Taipu; meu pai foi concebido e criado nos engenhos. Eu sou Moacir Japiassu Lins; quer dizer, tenho raízes fincadas nos bangüês; sou, para minha honra, aparentado com José Lins do Rego. Meu pai, Severino Lins Falcão, era, segundo a memória de todos, “filho natural” de um Senhor-de-Engenho daquele baixo curso do Paraíba. Esse Senhor-de-Engenho, “Seu Lôla”, como era chamado, e também meu pai, são personagens do romance. Volto a Isaías. Este foi criado por Sabaó; diziam que era, na verdade, filho do padre. Quando aparece no livro, logo no início, Isaías tem oito anos de idade, aparenta muito mais, porque é grandalhão, e acaba de perder o pai – o homem que vivia com a mãe dele. Diante da penúria da família, Sabaó aceita criar o menino, que se transforma em seu braço direito, desde as missas, que ajudava a rezar como coroinha e assobiador das músicas sacras, até pesquisador de seu anunciado livro em parceria com o filólogo português José Joaquim Nunes. Isaías, que é também balconista da farmácia, faz o serviço militar no Tiro de Guerra de Itabaiana, utiliza seu tamanho para prestar serviços a um Exército que desconhecia, é óbvio, os direitos humanos fundamentais e, em pleno fulgor da revolução de 30, conhece José Américo por vias transversas. É, modéstia à parte, um bom personagem; um personagem de ficção por excelência e eu me orgulho bastante de o ter concebido.
15. Saindo um pouco do romance, como jornalista e paraibano, qual a sua visão da Revolução de 30 e do assassinato de João Pessoa? Os livros lançados até hoje sobre o assunto conseguiram dar a dimensão correta do episódio, como ocorreu com Canudos através das páginas de Euclides da Cunha?
R – É muito difícil, quase impossível, ter-se a “dimensão correta” da Revolução de 30 na Paraíba; há muitas testemunhas, inúmeros textos apaixonados, e sabe-se que a paixão não é a melhor conselheira de um historiador. Há, sobre os acontecimentos, muitos “desabafos”, assim os podemos chamar; personagens glorificados numa obra são impiedosamente execrados noutra. Entretanto, é exatamente esse espetacular desencontro de opiniões e idéias que transformam aqueles dias num excepcional cenário de romance. Em Canudos, que rendeu uma das maiores obras da literatura brasileira, a única testemunha ocular (e com olhos de escritor) foi Euclides da Cunha. Quando escreveu A Guerra do Fim do Mundo, Mario Vargas Llosa confessou ter-se baseado n’Os Sertões. Tudo o que se fez e venha a ser feito sobre Canudos terá como ponto de partida a obra de Euclides. E olhe que os historiadores têm apontado inúmeras falhas em Os Sertões, falhas que devem existir realmente, pois Euclides não era um historiador e sim o enviado especial do jornal O Estado de S. Paulo. E, definitivamente, não se pode exigir de um escritor e jornalista a precisão metodológica do historiador. Eu embarco nessa canoa e esclareço que também sou jornalista e escritor, mereço tanta indulgência quanto Euclides, e talvez mais, porque não sou testemunha ocular de coisa alguma e as pessoas que assim se apresentam são, como disse, movidas pelo envolvimento pessoal, a emoção.
16. E a Revolta de Princesa? Não é um tema pouco explorado por historiadores, pesquisadores e até ficcionistas?
R – Em meu romance há inúmeras cenas da Revolta de Princesa, através dos depoimentos de Zé Américo, aos quais me refiro na tal “Advertência ao Leitor”. Preferi caminhar pela mão do Mestre porque o texto literário me oferecia beleza e facilidades. Poderia ter bebido doutras cacimbas, como os trabalhos de Inês Caminha Lopes Rodrigues, Ademar Naziazene, José Gastão Cardoso, José Leal, dentre outros, mas me convenci de que acabaria me confundindo, sem nenhum refrigério; afinal, eu não estava escrevendo História, simplesmente utilizava acontecimentos históricos como cenário de ficção. Sinto falta, como jornalista e, principalmente, como leitor, de uma obra que esgotasse o assunto. Isso é tarefa para um historiador com o nível do José Octávio de Arruda Melo, por exemplo. O livro dele A Revolução Estatizada – Um Estudo Sobre a Formação do Centralismo em 30, brilhantíssimo estudo acadêmico (tese de Mestrado na Universidade Federal de Pernambuco), é base natural de uma obra maior que está pedindo para ser escrita. José Octávio é o profissional talhado para desempenhar tal missão; tem todos os recursos do moderno historiador e ainda escreve muito bem.
A mania idiota de se chamar de “suspeito” todo aquele que comete um crime (mesmo que seja flagrado cometendo-o) tem origem na língua inglesa. Nos EUA, todo mundo é chamado de “suspect” porque ainda não foi condenado, além de um outro detalhe: como a sociedade norte-americana é movida a processos judiciais, os jornalistas adotaram as palavras “suposto”, “suspeito” etc
Um dia, no Paraíso,
Na velha casa de Adão,
Jesus, que fez um sermão,
Foi um Dia do Juízo
São Pedro, que tava liso,
Ali vendeu um jumento
Por vinte e quatro e quinhento,
Pra comprá cumiduria…
Foi muito pão nesse dia,
Diz o Novo Testamento
(Mote glosado por Zé Limeira, “poeta do absurdo”.)
Jornalista explica por que a imprensa chama bandido perigoso de “suspeito”
O considerado Claudio Lessa, que no seu blog se apresenta como jornalista, tradutor, narrador, escritor, comentarista, colunista, músico, cantor, videógrafo, mecânico de automóveis, curioso sobre informática, cético e provocador, envia de seu escritório em Brasília:
Essa charada foi muito fácil de matar (claro, vivi durante 20 anos nos EUA e aprendi certas manhas da tradução do Inglês para o Português, mas isso é outra história).
A mania idiota de se chamar de “suspeito” todo aquele que comete um crime (mesmo que seja flagrado cometendo-o) tem origem na língua inglesa. Nos EUA, todo mundo é chamado de “suspect” porque ainda não foi condenado, além de um outro detalhe: como a sociedade norte-americana é movida a processos judiciais, os jornalistas adotaram as palavras “suposto”, “suspeito” etc. como forma de escapar de possíveis processos. Os macaquinhos de imitação daqui perceberam o esquema e o adotaram rapidamente, ignorando o idioma pátrio.
É mais ou menos o mesmo que aconteceu com “estimar”, por exemplo. Nos EUA, você escreve “officials estimate the earthquake left ten thousand dead”, por exemplo (autoridades calculam que o terremoto deixou dez mil mortos) Por aqui, a preguiça dos “tradutores” que não abrem dicionário acabou ficando no “estima” (autoridades estimam…), quando a primeira acepção de estimar em Português é querer bem.
Do mesmo modo, alguns tentaram (acho que sem sucesso) dizer que a pessoa estava “constipada”para descrever o clássico nariz entupido, já que constipação é prisão de ventre…
“Os jornalistas adotaram as palavras ‘suposto’, ‘suspeito’ etc. como forma de escapar de possíveis processos”, diz o jornalista Claudio Lessa (Imagem: Reprodução/Frutilau.com)
***** ***** ***** ***** *****
Incêndio
O considerado Eliakim Araújo, a mais bela voz do Brasil, vive hoje em Miami mas sempre a torcer pelo Vasco. Na segunda-feira, 4/3, foi conferir a situação do nosso time e tropeçou nesta surpresa:
Foram duas frases que encontrei em apenas uma matéria no Globo online (a única que li) sobre a morte do casal do Leblon:
— O casal começou a gritar por socorro, pois não estaria conseguindo abrir as portas.
–Amanhã e depois vão morrer mais gente e ninguém se importa.
***** ***** ***** ***** *****
Impunidade
Os magistrados estão putíssimos com o ministro Joaquim Barbosa porque ele disse aos jornalistas estrangeiros que “os juízes brasileiros têm mentalidade mais conservadora, pró status quo, pró impunidade.”
Janistraquis, que não entende do assunto mas está longe de ser burro, meteu a colher de cabra enxerido:
“O problema pode não ser de mentalidade, mas de incompetência pura e simples. Eu já disse aqui nesta coluna que juiz não pode seguir a lei ao pé da letra, pois se assim for, a gente faz o mesmo e não cobra nada. Juiz precisa interpretar a lei.
Ora, se um bandido perigoso está ‘pronto para obter livramento condicional’, por exemplo, porque a lei diz que é assim, Sua Excelência examina a ficha do sujeito e diz que ele vai permanecer na cadeia e pronto. Soltar porque a lei manda é um absurdo!!!”
(Se você não leu, leia aqui a entrevista do ministro.)
___
Transcrevi trechos.
(*) Moacir Japiassu é um dos principais romancistas da atualidade. Escreveu Quando Alegre Partiste, Melodrama de um delirante golpe militar, o de 64. Que historia a vida boêmia e jornalística e literária dos anos sessenta no Rio de Janeiro e Minas Gerais. A véspera e o dia do golpe. Uma visão de dentro de uma redação, e nas ruas. Um tempo que terminou com a chegada dos militares ao poder. Algozes e vítimas são personagens: o general, o conspirador, o espia, o torturador, o jornalista, o poeta (um Jorge de Lima que poucos conhecem), o banqueiro, o empresário, a menina virgem, a amante, a prostituta, a beata das procissões pela Pátria, Família e Propriedade. Em Concerto Para Paixão e Desatino, Romance de uma Revolução Brasileira, a de 30, narra toda a trama revolucionária tendo como cenário a Paraíba dos Dantas, de João Pessoa, de José Américo, e o Recife conquistado pelos paraibanos. São dois livros que agradam qualquer tipo de leitor. E de leitura obrigatória, principalmente, para quem estuda Literatura, História, Jornalismo, Ciência Política, Comportamento e Costumes do brasileiro. Um livro para todos. Esta a magia, o toque de mestre de quem sabe escrever. De quem, verdadeiramente, é um escritor. Um contador de histórias. Eu, que fui treze anos professor de Jornalismo, recomendava, para os alunos, a leitura de Memórias do Cárcere de Graciliano Ramos. Acrescento Concerto Para Paixão e Desatino e Quando Alegre Partiste.
O que aconteceu no outubro de uma revolução brasileira? Um romance e as memórias de ex-combatentes trazem à tona o dia em que o Brasil começou a mudar
Nei Duclós
Especial para o Jornal Opção
Depois de meio século de histórias mal contadas, aos poucos o Brasil inaugurado pela Revolução de 1930 ganha contornos mais nítidos, livres do aparelhamento político de que foi vítima, principalmente a partir do anti-1930, o golpe de 1964. Nestes dois textos, fora da ordem canônica das abordagens, damos um mergulho no que aconteceu na hora agá da revolução nos dois Estados chave do movimento, Paraíba e no Rio Grande do Sul. Um ensaio aborda o romance maior do paraibano Moacir Japiassu e o outro é uma reconstituição do batismo de fogo da guerra que mudou o país no lugar onde a onça bebeu água: Porto Alegre.
História é tiroteio
Linguagem é território livre, mas não deveria estar aberta a certas liberdades. Se o lugar escolhido para moradia for a Paraíba, as palavras precisam seguir a orientação ditada pela sabedoria da terra, e cuidar principalmente da tocaia. Um tiro pela culatra é o que menos aguarda um índio que se aventure na seca abraçada à areia. O que mais assusta é a desventura de ver sua catedral de palha — a percepção que até o momento se alimenta do mundo — sofrer o revés de um pé de vento. Mas para quem é estrangeiro, e queira visitar essas paragens, nada mais resta do que tratar o assunto com as hipérboles do seu espanto, já que o não-nordestino sofre de escassez de entendimento quando se trata de abraçar a Terra do Sol.
Um adventício, especialmente se for criado nas lonjuras sulistas, quando lhe bate a luz excessiva na cara cai na tentação de lembrar o óbvio, de que o caminho escolhido para a criação do mundo foi o verbo, o romance do “Gênesis”. Deus, prudente, preferiu aliar o testemunho por escrito aos seus gigantescos atos. Não fosse assim, quem garantiria crédito ao seu desmesurado esforço? E, melhor: não fosse pela palavra, quem poderia garantir que a encomenda fosse entregue no endereço certo? Pois não bastava inventar, era preciso inventar escrevendo. E assim foi feito o primeiro livro, do qual todos os outros são apenas imagem e semelhança.
O viajante traz na bagagem os arquivos a que está acostumado e quando depara com a Paraíba, por exemplo, é capaz de desistir da empreitada, pois tudo o que vê não poderá amarrá-lo a semelhante paisagem, já que nada ali tem seu feitio, a não ser o idioma, termo mais apropriado do que língua, que serve para diversas licenciosidades. É agarrado ao idioma que o viajante entra na Paraíba, guiado por Moacir Japiassu, que tem, com qualquer viajante, uma identificação plena. Pois ele também, um confesso paraibano auto-exilado, serviu-se da vivência estrangeira para depurar sua criação e entrou de volta não com a curiosidade dos turistas, nem com a condescendência dos que se iludem com os grandes centros, mas com a gana do combatente que volta para algum tipo de desforra.
É bom que se diga: não se trata de vingança, pois nenhum espírito mau sobrevive ao fogo do amor pelo lugar que nos viu nascer e crescer. Mas porque o escritor está empenhado em uma missão intransferível: a de resgatar o que perdeu, tornando essa herança tão viva para os outros como foi para ele um dia; e tão maior do que qualquer mundo presente.
Todos que estão ao redor de um possuído incorporam as razões da advertência e confidenciam a quantidade de perigos que sugere esse estado. Mas quem é possuído não pela desrazão, mas pela criação obstinada, sabe que não pode voltar atrás. Ele precisa, como Japiassu fez, colocar em ação o moto contínuo de sua febre, composto de uma biblioteca afundada no ermo; um assobiador que é misto de virtuose, intelectual e torturador; um senhor de engenho do mando e do cutelo, dono de escravaria jagunça; outro senhor de engenho solteirão e cheio de remorso; uma sogra carola e terrível; uma esposa apática; uma professorinha na flor do viço e tentada pela esperteza; mais um padre que faz cruzada contra a jogatina. O sezão de Japiassu não se contenta, porém, em dispor esses personagens entre o canavial e a choupana, entre a igreja e a varanda, entre povoados que, no escuro, como ele diz, aglomeram as casas com medo da escuridão. Seu delírio o leva para mais longe.
Ele precisa descobrir, portanto inventar, o engenho de duas guerras acavaladas e isso só pode ser feito se for um leitor compulsivo de tudo o que as armas fizeram nesta nação, onde todos pensam que sabem, mas poucos sabem o que pensam. A revolta de Princesa, no interior da Paraíba, a cavaleiro da revolução de 30, movimento nacional visto aqui pelo prisma revelador do Nordeste, são os espaços históricos da sua incursão à memória mítica do País, ao que nossos pais nos contavam e nenhum livro oficial de história dava crédito. Como as guerras, no Brasil, convivem com as versões que as negam, cabe à literatura desencavar o rebento retido nessa gravidez tardia, que envenena o corpo do Brasil disforme, prenhe de gaiatices sobre revoluções.
O paradoxo é que o material de Japiassu é exatamente essa humanidade sinistra e ao mesmo tempo galhofeira, que é protagonista nos fatos e algoz nas versões. O campo de ação de um escritor fica duplamente minado e agora podemos entender quando Japiassu fala do trabalho que deu reescrever capítulos inteiros, adaptando a linguagem do narrador à fala das personagens. Esse trabalho é fruto do exímio talento aliado à persistência sertaneja, já que Japiassu dá um boi para adiar a escrita de um livro (seus grandes romances só saíram nos últimos anos, depois de décadas de militância na imprensa) e uma boiada para sair dele com a consciência do dever cumprido. O funcionamento desse mundo, que ele resgata inventando, passa pelo cuidado extremo com o detalhe, como o levantamento minucioso de cada peça musical clássica, por exemplo; ou as pistas deixadas pelas revoluções incompreendidas, entre trechos de jornais, manchetes, documentos; ou mesmo o cruzamento entre o clima da terra e o ânimo das pessoas, a geografia e a anatomia. Faz tudo isso usando muitas vezes a linguagem dos brutos: o sexo tem tratamento frontal (mas é praticado de todos os lados), os xingamentos especializam-se na demolição das biografias, o fedor antecipa o tiroteio e assim por diante. E cuida em definir-se pelo pudor dos verdadeiros criadores — ninguém fica sabendo se Isaías, o assobiador, é filho do padre Sabaó (se Isaías não sabe, porque o autor vai lhe devassar esse segredo)? Tudo intercalado (para evitar pomposidades) pela gargalhada explícita — reação comum do leitor em várias passagens do livro.
Sua galeria de personagens inclui tantas figuras fundamentais, que elencá-las numa resenha parece ser o relatório do viajante iludido em levar o romance como lembrança. O jornalista do jornal “Imprensa às Suas Ordens”, cúmplice do assassinato do presidente João Pessoa, ilumina as origens de um conterrâneo tornado ilustre, Assis Chateaubriand; o José Américo recriado aqui revela o lado desconhecido da Revolução de 30, com suas contradições no bojo da luta; o conde cafetão e a soprano lírica amante do político poderoso são um ensaio sobre os bastidores de um movimento que ainda guarda vários enigmas. Não satisfeito, Japiassu ainda brinda o leitor com os antecedentes de toda a situação política e social do Nordeste ao colocar as origens da República por meio de ilustres figuras da transição, vindas do Império. Parece um confeito no bolo da noiva, mas é mais uma bala nesse rifle recheado.
Estamos longe de ver no concerto de Japiassu apenas uma obra didática, já que ele compartilha do caos que representa sem dó. Mas ele mantém a majestade do maestro que ensina ao impor sua regência. Seu romance reinventa a importância do seu autor, assim como estabelece um novo parâmetro na terra calcinada da literatura brasileira. O autor, imbuído da sua missão e do seu destino, avisa que os mortos não foram enterrados, nem o serão tão cedo. Que os enterrados vivos mordem. Que os excluídos da história sempre voltam. Que Deus, mesmo para os anticlericais, está vendo tudo. E que a punição será severa se tentarem ignorar mais este acontecimento cultural, que reforça a necessidade de o Brasil criar grandes livros, e não apenas literatura descartável.
Diante de um homem como Moacir Japiassu, ungido pelo dom da criação e apoiado pela cavalaria andante do talento, é prudente não exceder-se na conversa, já que se trata de um soldado marcado pela guerra. Diante de um escritor como ele, quem tem juízo cala e escuta. E quem tiver respeito, apresenta armas.
Disfarça que lá vem bala
Na manhã de 3 de outubro de 1930, o tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro foi passear em trajes civis na rua da Praia e ficou chocado: todo mundo citava seu nome como chefe militar da revolução que iria rebentar em poucas horas. Abatido com a indiscrição dos gaúchos, que faziam os comentários abertamente nos cafés e rodinhas na calçada, foi sentar-se, desolado, num dos bancos da praça da Alfândega.
Aproximou-se então um amigo, oficial do Estado-Maior da Região e ofereceu-se para participar do movimento. O paraibano Góis Monteiro, que confessava não ter vocação militar, disfarçou: “Minha presença aqui na praça já é um desmentido. Mas se isso que estão falando realmente acontecer, o senhor deve ficar ao lado do seu general”.
A tensa volta para casa aumentou seu nervosismo: já estavam assaltando as lojas de armas, os colégios encerravam as aulas e o comércio fechava as portas. Almoçou com a família e despediu-se da mulher e dos filhos: não sabia se tornaria a vê-los. Quando chegou na residência da irmã de Oswaldo Aranha para os últimos preparativos, fez um desabafo contra a “indiscrição da gente gaúcha”. Mas não tinha jeito: o “baile” tinha hora marcada e ele dirigiu-se ao Palácio do Governo para a cartada final.
Oswaldo Aranha também deu seu passeio na rua da Praia naquele dia, junto com o mineiro Virgílio de Mello Franco, um dos principais articuladores da revolução, que conta como foi: “Nosso propósito era despistar, pela nossa aparente despreocupação, o espiões do comandante da Região Militar, que andavam em grande atividade”.
Aranha estava preocupado: já passava do meio dia e o general Gil de Almeida, que tinha saído muito cedo, ainda não estava no Quartel General. Alguém o teria avisado e a pessoa mais importante do inimigo já estaria recolhido a algum outro quartel, esperando os acontecimentos? De repente, um “secreta” a serviço da causa passou por perto e sussurrou: “O home já está em casa”.
Quem não gostou daquela movimentação foi a filha do presidente do Estado, Alzira Vargas. Quando voltou do colégio, às quatro da tarde, a mãe, Darcy, avisou que não dormiriam no palácio pois a revolução iria rebentar depois das cinco horas. “Você precisa ir para tomar conta dos irmãos”, disse para a filha, que tentou reclamar, oferecendo-se para lutar. O irmão, Lutero, estava furioso: “Uns caras entraram no meu quarto e estão trocando de roupa sem pedir licença”. Era Góis e seu Estado Maior, que colocava a farda para assumir a luta. “Desde 25 de setembro a revolução ficara marcada para 3 de outubro”, conta Barbosa Lima Sobrinho. “A necessidade de comunicar a hora certa para um número enorme de pessoas, em todos os cantos do país, fez com que se divulgasse a combinação. Mas quem se atreveria a comunicar a informação ao sr. Washington Luiz, no receio de pilhérias desdenhosas que acolheriam a notícia inacreditada? Assim, ninguém se preveniu para a Revolução, que foi uma surpresa para o governo, muito embora andasse há muito entre os segredos de polichinelo”.
Uma das pessoas que ignoravam tudo era João Simplício, secretário da Fazenda do presidente do Estado, Getúlio Vargas. Os dois despachavam calmamente no Palácio, quanto às 17h30 ouviu-se o primeiro silvo vindo dos lados do Quartel General, seguido de mais um. Segundos depois, era um tiroteio cerrado, que em pouco tem se estendeu à cidade inteira. Diante do susto do seu auxiliar, Getúlio foi muito objetivo: “Calma, João Simplício. É a revolução”.
“Foi uma coisa brutal”, lembrou Flores da Cunha num depoimento sobre o assalto ao Quartel General. “Aquilo foi um ato que não se reproduz muitas vezes no mundo. Eu e o Oswaldo Aranha no comando de trinta guardas-civis, que saíram, numa marcha de rotina de policiamento. Quando fronteamos aquele ângulo morto do quartel, um dos guardas gritou: à carga! Eles se atiraram dentro do quartel e arrancaram as armas dos soldados, praticamente com as mãos limpas. Que coisa, que gesto! Morreram três ali mesmo. O que gritou à carga levou um tiro na cara.”
O QG estava situado, naquela época, numa esquina da rua dos Andradas, o quartel do 2º Exército ficava quase defronte e o da Brigada Militar na mesma rua. Vinte dias antes, Oswaldo Aranha selecionou 200 homens e determinou que diariamente, entre cinco e seis da tarde, marchassem em volta do quarteirão, passando sempre mais próximo das calçadas dos quartéis, recomendando que não aceitassem provocações de ninguém, por mais pesadas que fossem. Várias vezes os soldados do Exército provocaram os brigadianos, chamando-os de soldados de brinquedo, bonecos. Assim, no dia 3, o desfile já tinha se transformado em rotina e isso foi fatal.
A filha do general Gil, que morava num dos apartamento que existia no QG, veio direto a Flores da Cunha e advertiu: “Não deixe ninguém entrar no quarto do meu pai, que ele vai se matar”. Flores tranquilizou: “Ninguém vai entrar lá. Tira o revólver da mão dele, que ninguém vai invadir”. A oficialidade da Brigada Militar, segundo Flores, ficou só olhando o tiroteio, da calçada em frente. “Tive que saltar por cima dos miolos de um guarda morto e cheguei a gritar para os oficiais da Brigada: tragam uma padiola para levar este homem e eles me responderam: não existe nenhuma padiola aqui.”
“Exatamente na porta de entrada do Quartel jazia morto, com a cabeça estourada por uma granada de mão, de braços abertos em cruz, um pobre guarda civil”, conta Virgílio de Melo Franco. No meio da rua, no saguão e nas escadas, outros mortos. Seis tinham morrido imediatamente e cinco morreram mais tarde. Ao todo, entre mortos e feridos, 25 tinham sido postos fora de combate. Às 11 da noite, já estavam dominados o QG, o Arsenal de Guerra, o 8º e 9º Batalhão de Caçadores, o Esquadrão da Região, o Curso de Preparação Militar, o Contingente de Carta Geral e mais a Companhia de Estabelecimentos, situado no Parque da Redenção. Só o 7º B.C. resistia.
“A obstinada resistência durava já mais de quatro horas”, conta Góis, “sem qualquer sinal de esmorecimento, sem atender a nenhuma intimidação para capitular. Não tive outro recurso naquela emergência: mandei bombardear o quartel com lança-chamas”. Logo aos primeiros disparos, foi incendiado um pavilhão que alojava uma companhia do Batalhão. A pedido de Flores, Góis fez uma trégua de uma hora para negociar a rendição. Enquanto conversava com o emissário, restabeleceu-se o tiroteio, já que o prazo da trégua tinha esgotado. Foi uma longa negociação, que terminou na rendição do 7ºB.C e a vitória da revolução em Porto Alegre.
O gaúcho Cordeiro de Farias, que estava em Minas naquela época, fez pouco da fuzilaria do sul: “O papel do Rio Grande do Sul não foi preponderante nem na fase conspiratória nem no levante revolucionário. Examinando com cuidado o aspecto militar do movimento, veremos que os gaúchos tiveram uma participação pequena. Para eles foi um ‘dolce far niente’. Em Minas foi diferente. As unidades estacionadas no interior não ofereceram grande resistências, mas o fato é quer em Belo Horizonte a luta foi dramática e prolongada”. Minas, como se sabe, é sempre outra história.
O Visconde de Santo Tirso, diplomata português da primeira metade do século XX, escreveu certa vez que “a história da humanidade encontra-se mais nos romances que nos livros de história; e mais ainda que nos romances, encontra-se nos anúncios de jornais”.
Nos anúncios de jornais, acentuava ele, “encontram-se dramas em três linhas, romances em suas linhas e meias”.
A propósito de tais observações Gilberto Freyre chamou a atenção para a importância do estudo dos anúncios de vendas e fugas de escravos, publicados no Jornal do Commercio e Diario do Rio de Janeiro; O Povo e Correio do Sul do Rio Grande do Sul; no Diário do Maranhão ou no Diario de Pernambuco, que por vezes estão a dar notícias, em tão poucas linhas, de verdadeiros dramas e mistérios da vida privada brasileira no século XIX.
A pessoa que no Recife conservar em sua casa huma ama de nome Joana, mulata bem alva, cabelos soltos, já assimilhando-se a branca, com uma filha, anuncie imediatamente a sua morada, e nome para lhe prestar os motivos porque não deve conserva-la; por cujas razões, dada a princípio, não deve estar, visto ignorar o que é passado e ser ela suspeita. A pessoa a quem se dirige este anúncio não deve dar parte da dita ama, porque todos os princípios lhe servir[a de incômodo inesperado. (Diario de Pernambuco, 11 de maio de 1835).
E que se diria de jovem escrava, oferecida na edição de 31 de julho de 1848, do mesmo jornal, possuidora de certos atributos pouco comuns, mesmo nos dias atuais, como o domínio da língua inglesa:
Vende-se uma escrava de dezoito anos, de bonita figura e bons costumes, e que serve bem a uma casa, por ter sido educada por uma senhora inglesa, a qual também fala inglês, cose, cozinha, engoma e lava; na Rua do Livramento n.º 36, Recife.
Por muitos anos a imprensa viu no negro escravo um objeto de negócio, classificando-o entre os semoventes – tratado por “cabra” a se confundir com o próprio animal –, e só muito depois é que veio despertar para a chaga da escravidão.
Para a grande massa escrava, que integrava a população do Brasil e acalentou na Independência o seu sonho de liberdade, a imprensa periódica que surgia nada mais era que uma nova forma de negócio. O Diario de Pernambuco, a exemplo de todos os demais jornais de sua época, não fugia à regra, como se depreende do enunciado do seu primeiro número, que se propunha publicar:
“…Roubos – Perdas – Achados – Fugidas e Apreensões de escravos […] Amas de Leite etc., tudo quanto disser respeito a tais artigos; para o que tem convidado todas as pessoas, que houverem de fazer estes ou outros quaisquer anúncios…”.
Sobre o assunto, observa Joaquim Nabuco em 1883, quando da publicação de O Abolicionismo: “em qualquer número de um grande jornal brasileiro – exceto tanto quanto sei, na Bahia, onde a imprensa da capital deixou de inserir anúncios sobre escravos – encontram-se com efeito as seguintes classes de informações que definem completamente a condição presente dos escravos: anúncios de compra, venda e aluguel de escravos em que sempre figuram as palavras mucama, moleque, bonita peça, rapaz, pardinho, rapariga de casa de família…”.
Esses anúncios de jornais, de que trata Joaquim Nabuco, despertaram o interesse de Gilberto Freyre no início dos anos trinta, para isso contou com as pesquisas do jovem José Antônio Gonsalves de Mello, depois transformada em conferência, “O escravo nos anúncios de jornal do tempo do Império”, seguindo-se do livro de grande sucesso. Os anúncios de jornais, particularmente os do Diario de Pernambuco, já vinham sendo utilizados por Gilberto Freyre desde 1933, quando da publicação da primeira edição de Casa-Grande & Senzala (p.330, notas), como identificação das “nações” africanas aqui existentes.
Dos anúncios desses jornais aparecem escravos claros, a denunciar o sangue branco do interior das casas-grandes a tomar conta do Brasil, produzindo esta raça mestiça da qual tanto nos orgulhamos: alvo era “Francisco, que tinha tatuagens representando uma cruz e o signo-de-salomão” (DP, 28.3.1834); “vende-se para fora da província uma mulata bem alva, de idade de 20 a 22 anos, muito prendada, fiel e sem vício algum” (DP, 30.11.1836); o mulatinho que desapareceu da ponte da Boa Vista [Recife] era “alvo e de cabelo estirado e louro” (DP, 16.9.1837); de peitos grandes, pés e mãos pequenas, dentes grandes separados, era a mulata clara Virgínia (DP, 13.3.1838); “…estatura alta, bem alvo e bonito, seco de corpo, braços compridos, dedos finos e grandes, sendo os dois mínimos dos pés bastante curtos e finos, tem dezoito anos de idade, cabelos corridos e pretos, levando eles rentes… mãos e pés bem feitos e cavados, olhos pardos e bonitos, sobrancelhas pretas e grossas, não buça, leva calça de brim branco já usada e camisa de chita com flores roxas (DP, 21.1.1865); “… bem alvo e bonito, seco de corpo, braços e pernas compridas, dedos finos e grandes, cabelos corridos e pretos, olhos grandes e bonitos, sobrancelhas pretas e grossas”, era Ubaldo cuja fuga é anunciada (DP. 5.4.1870).
Por tais anúncios podemos saber mais sobre as nações de origem (Moçambiques, Angolas, Caçanges, Benguelas, Nagôs, Bantos, etc.), marcas de origens e de castigos corporais, tatuagens tribais, divertimentos, vida social e habilitações dos escravos. Nele se esconde toda a vida social dos escravos de então, como divertimentos – “Catarina freqüentava aos domingos o maracatu dos coqueiros, no Aterro dos Afogados” (DP.1.7.1845) ; trajes – Isabel vestia preto, “por o Sr. trazer de luto” (DP, 31.1.1842) ; temperamento (tristes, alegres, falantes, ladinos, brigões), vícios (fumo, álcool, comer terra); doenças (marcas de bexiga, boubas, bichos-de-pé etc.); ajuntamentos – a preta Ricarda era canhota, “mais ou menos alta, seca, cabeça chata, cara redonda”, que, “muito pachola”, gostava de “súcias e batuques” (DP, 16.7.1845).
Os atributos do corpo, a beleza física e outros predicados, também se faziam freqüentes em tais anúncios, por vezes possuídos do toque do pecado – Ana “tinha os peitos em pé, pés pequenos, bem feita de corpo” (DP, 4.5.1839); “peitos grandes, pés e mãos pequenos”, eram os da mulata clara Virgínia (DP, 13.3.1838); “peitos escorridos e pequenos”, eram os de Maria, escrava de Francisco de Paula Freire do Recife (DP, 21.6.1830); “de peitos grandes e em pé,” era a angolana Francisca, de dezesseis anos (Diario do Rio de Janeiro, 15.4.1830); “peitos regulares e meio em pé”, eram os de Maria, de Nação Angola, acrescentando o anúncio ser “alta, cheia de corpo e cara redonda” (DP, 27.8.1835); Ana tinha também “os peitos em pé, corpo bem feito e nariz afilado pequeno” (DP, 4.5.1839); “peitos gordos” eram os de Delfina que era “filha de Pernambuco e falava muito bem o espanhol”, cuja fuga era anunciada pelo Diario do Rio de Janeiro, de 4 de maio de 1830.
Outras prendas eram oferecidas como próprias para tomar administrar cama e mesa de homem solteiro, como aquela “mulata alva, vistosa, dentes alvos”, finalizando o anúncio: “Se algum homem solteiro que estiver em circunstâncias de precisar de uma ama de casa para todo serviço necessário, etc.” (DP, 30.1.1830).
O comportamento e marcas do escravo também estava entre os predicados anunciados – “mulata de linda figura, sabe labirinto, é engomadeira e costureira, de boa conduta” e, como não poderia deixar de ser, “própria para uma noiva por ser donzela” (DP, 7.8.1857); marcas de ferro e/ou de nação; dado a feitiços – alguns com culto instalado na Estrada de João de Barros (DP, 7.2.1859).
Não faltava, nesses anúncios, alguns escravos fugitivos pertencentes a ordens religiosas, como aquele publicado no Diario de Pernambuco de 11 de setembro de 1838:
Do engenho Maraú, ribeira do rio Parnaíba, propriedade do Mosteiro de São Bento da cidade da Paraíba, fugiu Bonifácio, crioulo, idade de 50 anos, seco, pernas finas, pouca barba, e já toda branca; João Batista, crioulo, carpina, de 30 anos de idade, estatura ordinária, cheio de corpo e muito barbado, tem os calcanhares brancos, e pernas fouveiras por queimadura de fogo de pólvora, e o andar um tanto embaraçado; quem os prender e levá-los ao dito engenho ao abaixo assinado, ou ao Mosteiro de Olinda, será satisfeito de todas as despesas e bem recompensado; consta ao abaixo assinado que eles têm andado por Paudalho, Nazaré e Limoeiro, portanto ele roga a seus amigos residentes nesses lugares, toda a pesquisa a respeito, e deles espera tal favor Fr. Galdino de S. Inês Araújo.