DESPEDIDA DA FILHA DO CINEGRAFISTA SANTIAGO ANDRADE

Santiago Andrade

Meu nome é Vanessa Andrade, tenho 29 anos e acabo de perder meu pai.

Quando decidi ser jornalista, aos 16, ele quase caiu duro. Disse que era profissão ingrata, salário baixo e muita ralação. Mas eu expliquei: vou usar seu sobrenome. Ele riu e disse: então pode! Quando fiz minha primeira tatuagem, aos 15, achei que ele ia surtar. Mas ele olhou e disse: caramba, filha, quero fazer também. E me deu de presente meu nome no antebraço.

Quando casei, ele ficou tão bêbado que, na hora de eu me despedir pra seguir em lua de mel, ele vomitava e me abraçava ao mesmo tempo. Me ensinou muitos valores. A gente que vem de família humilde precisa provar duas vezes a que veio. Me deixou a vida toda em escola pública porque preferiu trabalhar mais para me pagar a faculdade. Ali o sonho dele se realizava. E o meu começava.

Esta noite eu passei no hospital me despedindo. Só eu e ele. Deitada em seu ombro, tivemos tempo de conversar sobre muitos assuntos, pedi perdão pelas minhas falhas e prometi seguir de cabeça erguida e cuidar da minha mãe e meus avós. Ele estava quentinho e sereno. Éramos só nós dois, pai e filha, na despedida mais linda que eu poderia ter. E ele também se despediu.

Sei que ele está bem. Claro que está. E eu sou a continuação da vida dele. Um dia meus futuros filhos saberão quem foi Santiago Andrade, o avô deles. Mas eu, somente eu, saberei o orgulho de ter o nome dele na minha identidade.

Obrigada, meu Deus. Porque tive a chance de amar e ser amada. Tive todas as alegrias e tristezas de pai e filha. Eu tive um pai. E ele teve uma filha.

Obrigada a todos. Ele também agradece.

Eu sou Vanessa Andrade, tenho 29 anos e os anjinhos do céu acabam de ganhar um pai.

O baixo nível (ou má-fé?) das reportagens policiais da TV

por Moacir Japiassu

Professora em São Paulo, Analu de Freitas Barros escreve de sua casa em Pinheiros para reclamar do que vê e, principalmente, do que escuta sempre nos telejornais:

“É tão impressionante a ignorância (ou má-fé?)  dos repórteres que eles não encontram palavras para denominar os personagens de suas reportagens. Parece que é proibido dizer que ladrão é ladrão, assaltante é assaltante; não existem bandidos ou assassinos no paupérrimo vocabulário deles.

Para nós telespectadores, muitos e muitos dos quais vítimas de criminosos, ouvir repórter chamá-los de ‘rapazes’, é, no mínimo, falta de respeito. Ora, rapazes são nossos filhos e netos! Será que esse absurdo não passa pela cabeça dos chamados ‘profissionais da imprensa’?

E nem vou falar da falta de imagens nítidas dos marginais presos, porque os rostos não aparecem. Amanhã, bate na porta de sua casa o mesmo bandido que estava na reportagem da TV e você pensa que é um ‘rapaz’ do bem…”

Paciência...

Aliás, e a propósito, o considerado Eduardo Almeida Reis, maior cronista diário da imprensa brasileira, escreveu em sua coluna do Estado de Minas:

“(…) Jornalistas que vivem do sangue aparecem mais cedo, no final da tarde, ficando na telinha cerca de duas horas.

São muito repetitivos, não só nos comentários como também por exibir as mesmas matérias diversas vezes no mesmo programa, com reedições nos dias seguintes. Até aí, tudo bem: estão na tevê porque há público, portanto patrocinadores. As televisões e os seus apresentadores vivem disso.

Se me permitissem palpitar, pediria que tomassem cuidado na adjetivação e no adverbiar os fatos delituosos. Seus comentários nunca se esquecem de dizer que o crime foi lamentável, como se houvesse crime louvável, elogiável, recomendável. Todos são cruelmente assassinados, talvez para distinguir dos homicídios amavelmente praticados. O negócio vai por aí e dá ibope. Paciência.

Escândalo gaúcho

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O colunista encontrou meios de multiplicar as horas do dia para não adiar a leitura do livro do considerado Celito De Grandi, intitulado Caso Kliemann – A história de uma tragédia, raríssima reportagem policial escrita com o talento  literário que a transforma num verdadeiro romance.

Celito, um dos maiores jornalistas e escritores do Brasil, conta a história de um crime ocorrido em junho de 1962, em Porto Alegre, quando a mulher de um deputado estadual foi encontrada morta e o marido logo apontado como suspeito do crime.

Repórter na época, o autor do livro acompanhou o dia-a-dia do escândalo, e, décadas mais tarde, com a precisão da memória, as pesquisas sobre aquele tempo e a colaboração das três filhas do casal Kliemann, Celito pôde recriar as cenas que, estas sim, abalaram a sociedade gaúcha.

No prefácio de Caso Kliemann – A história de uma tragédia, disse outro escritor do primeiríssimo time, Luiz Antonio de Assis Brasil:

“O Rio Grande precisava deste livro para acertar contas com seu passado.”

Transcrito do Jornal da ImprenÇa. Leia mais

FACÇÃO – Encontro Latino-Americano de Midiativismo

encontro mídia

Depois de ser palco das principais manifestações brasileiras em 2013, o Rio de Janeiro se configurou como sede de uma potente rede de midiativistas, comunicadores capazes de, juntos, pautarem uma nova leitura dos fatos, apresentando narrativas independentes e questionadoras.

O encontro FACÇÃO reunirá centenas de pessoas do Brasil e da América Latina, entre jornalistas, comunicadores, movimentos sociais, blogueiros, artistas, agentes culturais e desenvolvedores de tecnologia livre nos dias 22 e 24 de novembro para debates e atividades, que construirão propostas para a democratização da comunicação.

O evento apresenta 4 eixos centrais: Ativismo, Linguagens, Tecnologias e Políticas Públicas. O intuito é avaliar o cenário contemporâneo da mídia, levando em conta o movimento independente que vem ganhando cada vez mais espaço.

Temos um grande desafio pela frente: furar a barreira dos meios hegemônicos para construir informação a partir de todas as camadas da sociedade.

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As notícias vão surgir de três fontes: jornalistas profissionais, jornalistas-cidadãos e ‘jornalistas-robôs’

“A comunicação social será íntima, individualizada de formas que hoje não conseguimos imaginar”

jornal futuro

por Simone Duarte

Gene Liebel acredita que talvez 90% das formas como as pessoas consumirão notícias em 2041 serão inventadas depois de 2013, mas há algo que não mudará: “A tecnologia muda, mas nós temos tendência para querer as mesmas coisas. E, no que diz respeito ao consumo de notícias, uma coisa que tendemos a querer – e que a Internet tende a dar-nos – é mais controlo. Em 2041, Liebel gostaria de ver a chamada “economia da reputação” evoluir para um estádio em que os leitores tenham uma indicação imediata das novas fontes de informação que são fidedignas: “Gostaria de ter acesso a especialistas em todas as matérias – incluindo os que sejam completamente independentes – que tenham conquistado, com o tempo, a confiança da comunidade, quer pertençam a uma organização noticiosa estabelecida quer não.”

Sobre o papel dos editores, Gene Liebel acha que, em 2041, não terão mais o poder de formular a dieta de notícias diárias. “Embora isto possa parecer negativo, um dos objectivos dos editores é conseguir captar a minha atenção todos os dias, quer haja uma história importante para contar quer não. Isso é uma perda de controlo da minha parte, como leitor, algo que a Internet tende a eliminar com o tempo.”

Já Michael Bove Jr., do prestigiado Laboratório de Media do MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts, não vai tão longe. Acha que a curadoria e a edição serão feitas em parte por profissionais, em parte pelas redes sociais e parte será automatizada. “Tendo a pensar que as notícias vão surgir de três fontes: jornalistas profissionais, jornalistas-cidadãos e o que poderemos chamar ‘jornalistas-robôs’ (sensores que recolhem informação e a transformam em alguma coisa que interessa aos seres humanos)” – afirma ao PÚBLICO o director do Consumer eletronics Lab e co-director do Center for Future Storytelling do Media Lab.

“Neste momento, estamos a viver uma revolução radical na forma como se consomem notícias” – diz ao PÚBLICO a jornalista Amy O’Leary do The New York Times, que esteve recentemente a participar da conferência Regresso ao Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, e faz parte do recém-criado grupo de inovação formado por seis profissionais do jornal norte-americano. “Há dez anos, os leitores começaram a fazer uma transição do papel para o online. Nos últimos dois, o consumo de notícias em telemóveis e tablets aumentou a um ritmo absolutamente extraordinário; muito em breve, haverá mais pessoas a ler notícias em telefones inteligentes do que em computadores. Estas alterações de comportamento estão a acontecer mais depressa do que nunca e não se sabe onde nos podem levar. É por isso que é difícil imaginar exactamente como é que as pessoas vão consumir notícias em 2041. Alguns futuristas pensam que computadores ‘vestíveis’, como o Google Glass ou os ‘relógios inteligentes’, irão tornar-se tão comuns como hoje são os telefones. Outros imaginaram visões mais radicais: que a biotecnologia possa, um dia destes, ser integrada com o corpo humano para fornecer informação. Felizmente, o jornalismo sempre foi bom em encontrar novas histórias, novas pessoas, novos heróis e vilões. Em 2041, acho que isso continuará a ser o cerne do nosso trabalho. Temos é de ser muito, mas muito melhores nesse domínio.”

O português João Medeiros, editor de ciência da revista Wired, concorda. São os próprios jornalistas confrontados com tantos desafios mas também com novas oportunidades que precisam de se reinventar, mais do que a plataforma ou o produto em si: “Os jornalistas têm de ser capazes de experimentar e inovar no modo como contam as histórias e precisam cultivar a diligência, a componente essencial para procurar as histórias que precisam de ser contadas no nosso tempo. Esta é a essência do jornalismo.”

Amy O’Leary remata: “Não consigo perspectivar qual será o sistema de fornecimento de informação em 2041, mas, seja qual for, o jornalismo terá de continuar a ser rigoroso, objectivo e célere quando os factos acontecerem. As pessoas procurarão sempre histórias interessantes e bem contadas. Estas duas coisas vão ser sempre iguais.”

Fotógrafos Ativistas

logo fotografos

Seu rosto é a sua luta

 

Ser Fotógrafo Ativista é entrar de cabeça no que faz. Este é um aviso a todos os que desejam ir a rua junto ao povo.

 

Nós somos os olhos do mundo que as forças de segurança insistem em cegar.

 

Perdermos os olhos, para que o povo não perca a visão.

 

Em cada ato heroico de um de nós, há uma reação truculenta do Estado. Para cada bala de nossa imagética há um escudo de mentiras midiáticas. A luta é grande, a guerra é injusta, mas a cada batalha vencemos nossos medos.

 

Sangramos sim, sofremos sim, mas o Estado não consegue mais amedrontar-nos. Acabou a era da passividade, foi-se o tempo de calar-se. O gigante anencéfalo de outrora, já não grita SEM PARTIDO nas avenidas. O ciclope estúpido que bebe Whisky foi dormir, de bêbado. E nas ruas do pais sobraram os Davis, heróis da resistência, frente ao gigante do Estado Golias. Nós não atiramos a primeira pedra, mias seremos capazes de manejar nossa funda fotográfica para devolver essa pedra perdida as balas perdidas do Estado.

 

funda

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FOTO: Rebeca Brandão / Mídia Ninja
AUDIODESCRIÇÃO: (Repórter de mídia independente mostrando um ferimento profundo causado por policiais militares, depois de perseguição na Avenida Paulista, sem nenhum ataque cometido por parte dos manifestantes no ato até então.)

*Contribua compartilhando nossas postagens. — com Vitor Oliveira.

“A Internet pode ajudar o jornalismo a ser mais profundo e mais sério”

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O objectivo é mesmo provocar – diz o jornalista do PÚBLICO Paulo Moura, coordenador da conferência internacional, que pretende levar centenas de estudantes, jornalistas e “todos que acreditam no jornalismo” à Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa. “Há quem pense que o jornalismo está superficial e vai desaparecer por causa da Internet, nós queremos justamente mostrar o contrário que o jornalismo pode ser ainda mais profundo e mais sério com as ferramentas que a tecnologia trouxe”.

Estarão em Lisboa, desta sexta-feira até domingo, além de jornalistas e directores dos media portugueses, jornalistas e especialistas de vários países, principalmente dos EUA onde há mais novas experiências envolvendo os jornalismos narrativo e literário na Internet, que, segundo Paulo Moura, “quando aplicados ao formato digital, podem abrir enormes possibilidades”.

Mark Kramer – que fundou o programa para jornalismo narrativo da Fundação Nieman, na Universidade de Harvard – vem a Lisboa falar sobre jornalismo literário e não tem dúvidas de que o género tem um importante papel a desempenhar na realidade digital. Agora e no futuro. “Não importa qual é a tecnologia”, diz ao PÚBLICO. “O jornalismo literário pode ser muito, muito preciso e até mais informativo [do que o jornalismo comum], mantendo a integridade e a autenticidade.”

“A brevidade [dos artigos] não importa”, continua. “Quando se diz que o jornalismo online deve ser feito com textos curtos, é com base na ideia de que é desconfortável ler textos longos no computador. Mas já é mais confortável no iPad. E ainda mais no Kindle.” Para o escritor residente na Universidade de Boston, a tecnologia está a ajudar a esbater as diferenças entre os diferentes suportes em que se tem feito jornalismo – e assim vai continuar.

Kramer já publicou no New York Times, na National Geographicou na Atlantic Monthly, mas sublinha que é dos títulos mais pequenos e independentes que tem vindo muita da inovação. “É simplesmente impressionante” a quantidade de novos títulos a fazê-lo, juntamente com alguns dos maiores e mais importantes jornais do mundo. É também por isso que acredita que o jornalismo literário, sobretudo o que é feito através de narrativas multimédia, será lucrativo.

Amy O’Leary, do The New York Times, é outro dos nomes internacionais da conferência, que conta com 36 oradores e se divide sete mesas redondas e 14 conferências. O tema de abertura são as novas fronteiras do jornalismo digital.

“Quando havia escassez de boa informação no mundo (e um vasto público sedento dela), o jornalismo parecia ser uma indústria muito segura, com um futuro risonho”, diz Amy, em declarações ao PÚBLICO. “Chegados a este ponto da história humana, estamos a consumir mais media do que alguma vez aconteceu. Agora, o jornalismo tem de competir com muitas outras formas de entretenimento e informação pela atenção e pelo tempo do público. A surpresa pode ser uma excelente maneira de captar a atenção de alguém e de a manter”, adianta a jornalista, que vai também encerrar os três dias de debate respondendo à pergunta de como tornar o jornalismo viciante.

 Hugo Torres
 
 

A repórter

por Thaís Nunes

Thaís Nunes
Thaís Nunes
Repórter não chora?
Chora sim.
Chora quando vai fazer
a primeira matéria
(em frente às câmeras)
no bairro onde nasceu.
.
Chora porque
quando cruzou
a avenida principal
da Vila Medeiros,
ouviu Nelson Gonçalves,
o cantor favorito do avô
que profetizou há 20 anos
que ela seria jornalista
e que ensinou
a não ter vergonha
de ser humilde.
.
Chora perante o relato de uma mãe
que perdeu o filho
com um tiro no coração.
E porque ele morreu por ser pobre.
A repórter chora porque
sabe que por um descuido do destino,
podia ser ela naquela calçada
na periferia da Zona Norte
– e não o Douglas.

Douglas

Os jornalistas acharam linda a pobre seleção do Taiti. Por quê?

por Moacir Japiassu

 

Nossos jovens narradores e comentaristas esportivos adoraram a presença da seleção do Taiti entre os grandes, mas Janistraquis, veteraníssimo de muitos outros episódios futebolísticos pela vida afora, pede licença para expressar seu sentimento de discórdia:

“Será que é mesmo com o coração de Mamãe Joana que deveremos avaliar a presença dos taitianos, com seus 24 gols contra e apenas um a favor?

É algo comovente, reconheço, o comportamento de abundosa alegria daqueles que praticam um futebol indigente e que a incúria dos cartolas tentou transformar em atração turística nesta Copa das Confederações.

Na verdade, o grandioso gesto o que fez foi destruir a luta dos craques pela artilharia da competição, pois não há de merecer respeito quem enfiou 4 ou 5 gols num adversário inopioso.

Nossos jornalistas esportivos vivem a repetir que futebol é coisa séria, mas são os primeiros a jogar a razão para escanteio diante do mais extravagante apelo à  pieguice. Nota zero para todos eles.”

Meu desabusado amigo e assistente de trabalho está coberto de razão; afinal, se o futebol deixou de ser a tal “coisa séria” que sempre apregoou, o jornalismo esportivo deveria continuar a merecer algum respeito.

tati - jiSeleção de futebol do Taiti é destaque no ‘Jornal da ImprenÇa’ (Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

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A “Fortaleza Apavorada” e o que ela esconde

por Artur Pires

 

violência segurança polícia pobre rico

 

Oportunistas e metidos a espertalhões engraçados, apresentadores de programas policialescos, os programas-lixo, se aproveitam do fenômeno social da violência urbana e se elegem vereadores, deputados e senadores em todo o Brasil com um discurso superficial de “combate ao crime”. Estes senhores da guerra exploram, apelam, espetacularizam e se lambuzam feitos porcos no chiqueiro com a violência que, em grande parte, dizima jovens nas periferias brasileiras. Pior: ao se elegerem para seus mandatos legislativos, nada fazem no sentido de apontar soluções ou, no mínimo, perspectiva de solução à área de segurança pública.

Não podemos perder de vista que quem mais morre nessa guerra são os jovens negros da periferia. A mortalidade de jovens negros entre 15 e 29 anos é três vezes maior do que entre jovens brancos. Segundo estudo do IPEA de 2011, intitulado Dinâmica Demográfica da População Negra Brasileira, o grau de vitimização da população negra é assustador: há uma probabilidade 103,4% maior de um negro ser vitimado do que um branco. Quando se analisa só a faixa etária dos jovens de 15 a 25 anos, essa probabilidade aumenta para 127,6%. Com esses números alarmantes, constata-se que a violência homicida no Brasil tem rosto e cor: jovem, negro, morador da periferia das grandes cidades.

É como diz Edy Rock, dos Racionais MC’s, em Tempos Difíceis: “Menores carentes se tornam delinquentes e ninguém nada faz pelo futuro dessa gente. A saída é essa vida bandida que levam roubando, matando, morrendo, entre si se acabando. Enquanto homens de poder fingem não ver, não querem saber, fazem o que bem entender. E assim… aumenta a violência. Não somos nós os culpados dessa consequência”?

No entanto, toda essa violência, consequência de uma desigualdade social histórica e escandalosamente ignorada, só é problema para a classe média burguesa quando ela adentra o seu nicho social, ou seja, quando ela sai das ruas de terra batida e enlameadas do Tancredo Neves ou do Lagamar e invade, sem pedir licença, os condomínios de luxo da Aldeota, do Meireles, do Cocó, etc. “As grades do condomínio são pra trazer proteção, mas também trazem a dúvida se é você que está nessa prisão” (O Rappa, Minha Alma).

O movimento “Fortaleza Apavorada” reflete perfeitamente essa questão. O problema, logicamente, não é ir às ruas reivindicar por segurança ou qualquer outra questão que incomode. Pelo contrário, ocupar, ou melhor, invadir, tomar conta das ruas para protestar é essencial às sociedades; é o que as mantêm vivas, pulsantes, orgânicas. Sem o povo nas ruas, as sociedades estagnam no conservadorismo e na manutenção das velhas ordens do poder. Mas o “Fortaleza Apavorada” não quer mexer nas estruturas sociais. O “Fortaleza Apavorada” quer ir tranquilo ao Iguatemi sem se deparar com algum “bandido” que roube seu Iphone 5. O “Fortaleza Apavorada” quer mais policiais nas ruas e mais repressão nas favelas. O “Fortaleza Apavorada” não quer que a violência social gerada pela quinta cidade mais desigual do mundo respingue nele. Não duvido nada que o “Fortaleza Apavorada” queira também a redução da maioridade penal. O “Fortaleza Apavorada”, em resumo, quer segurança para manter seu padrão de vida burguês sem ser importunado pelos excluídos da cidade. Quando um movimento civil clama por segurança social, mas ignora completamente as causas da insegurança – desigualdade, exclusão e marginalização sociais, criminalização da pobreza e da negritude, etc. – o que ele quer é simplesmente manutenção de privilégios. Ou não é?

O pior é que a lógica de pensar que a questão da segurança se resolve com mais policiais e mais repressão parte também do estado. Em nota pública, o Gabinete do Governo do Estado do Ceará elencou “melhorias” na segurança pública cearense nos últimos anos: dobrou o número de policiais, reequipou as polícias com armamentos modernos, implantou a Academia de Polícia… Na nota, nenhuma menção ao desequilíbrio social alarmante que separa cruelmente os sonhos de vida do José, da Vila Cazumba, para o Maurício, da Aldeota. (Transcrevi trechos)

 direitos favelado desemprego teto trabalho

Repórteres proscritos

por Dirceu Martins Pio

Sai a reportagem, entra a pesquisa. Alguém estabeleceu algo assim, por decreto, uns 20 anos atrás, e a cobertura da mídia às campanhas políticas virou esse ramerrão aí que todos vemos, entediados e sonolentos. Saiu a reportagem e junto com ela foram embora a emoção e aquelas previsões do jornalismo muito mais precisas porque baseadas nos eventos de bastidores e na opinião mais compenetrada de quem vota.

A reportagem – todo tipo de reportagem – tem de ser um dos grandes diferenciais dos impressos na competição com os meios digitais e eletrônicos, mas quanto mais a competição se acelera, menos reportagens os impressos publicam. Um bom texto de um repórter experiente pode valer mais que meia dúzia de pesquisas, do Ibope ou do Datafolha, e traz para reflexão dos eleitores muitas outras dimensões e conexões da política.

Em 1988, trabalhei como coordenador da cobertura da campanha política pela Agência Estado, que na época administrava a rede de sucursais e correspondentes do Grupo Estado de S.Paulo. O diretório nacional do Partido dos Trabalhadores era comandado por políticos do Rio Grande do Sul – Olívio Dutra, Tarso Genro – e todas as lideranças do partido entregavam-se ao esforço de eleger Luiza Erundina à prefeitura de São Paulo.

Tive a ideia de deslocar para São Paulo o chefe da sucursal do Estado em Porto Alegre: era Elmar Bones, um dos mais talentosos e experientes repórteres do país. Pedi-lhe: “Entreviste aí o comando do PT e depois venha a São Paulo, passe uma semana acompanhando os candidatos e depois escreva um texto tentando apontar quem vencerá as eleições”.

Repórteres substituídos pelo Ibope

Erundina travava uma guerra com Paulo Maluf, o grande favorito. A 30 dias do pleito, quem ousasse prever que Erundina venceria as eleições em São Paulo tinha tudo para ser internado num manicômio. Pois foi exatamente a um mês das eleições que Elmar Bones concluiu sua reportagem. Começava com uma frase de alerta de José Dirceu: “Sinto cheiro de Maria Luiza em São Paulo”. Maria Luiza Fontenele fora o azarão do PT nas eleições de 1985: chegou à prefeitura de Fortaleza, no Ceará, contrariando todas as expectativas.

Elmar Bones acompanhou por um dia cada candidato à prefeitura de São Paulo. Ouviu dezenas de eleitores e todas as lideranças partidárias. Percebeu, apurou, observou. Escreveu um texto carregado de emoção que falava principalmente da empolgação popular que cercava o líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva em passeatas pelas ruas de São Paulo. Quem lesse sua reportagem se convencia de que Luiza Erundina venceria as eleições, o que de fato aconteceu. Augusto Nunes comandava a redação do Estadão na época. Torceu o nariz para a previsão de Elmar Bones e providenciou para que o Estado aproveitasse quando muito dez linhas da reportagem. O texto de Elmar Bones foi salvo pelo Jornal da Tarde, que o publicou na íntegra.

Foi talvez a última iniciativa do gênero na imprensa brasileira. Os repórteres foram proscritos da cobertura das campanhas. Servem, quando muito, para fazer o registro diário de eventos banais, que não influenciam os resultados. Foram substituídos pelo Ibope, pela frieza dos números, pela assepsia das estatísticas. Uma pena.

(Transcrito do Observatório da Imprensa)