O Movimento Independente Mães de Maio está de luto.
A doméstica Maria da Conceição Ferreira Alves, 54 anos, morreu às 10h30 desta sexta-feira (10), vítima de câncer, no Hospital Geral de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo.
Maria da Conceição era mãe de Antonio Carlos da Silva Alves, 31 anos, o Carlinhos, sequestrado e morto pelo grupo de extermínio “Os Highlanders”, formado por policiais militares que agiam na zona sul de São Paulo.
Em 8 de outubro de 2008, Carlinhos, portador de problemas mentais, foi sequestrado, segundo a Promotoria e a Polícia Civil, pelos PMs Rodolfo da Silva Vieira, Moisés Alves Santos, Joaquim Aleixo Neto e Anderson dos Santos Sales. O corpo de Carlinhos, decapitado e sem as mãos, foi achado no dia seguinte, numa área de despejo de cadáveres em Itapecerica da Serra (Grande SP). Para os responsáveis pela investigação, a hipótese para o crime é de que, numa abordagem dos quatro PMs, Carlinhos não tenha conseguido falar direito. Sem saber da deficiência, os policiais teriam interpretado como gozação e decidido matá-lo. Com mais cinco PMs, os quatro PMs são acusados de integrar o grupo de extermínio “Os Highlanders”, assim chamado porque 5 das 12 supostas vítimas foram decapitadas.
Desde o sequestro e morte de seu filho, Maria da Conceição e seus familiares lutavam por Justiça. Em julho de 2011, os quatro PMs acusados pela morte de Carlinhos foram condenados a 18 anos anos e 8 meses de prisão pelo crime, mas o julgamento foi anulado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e os PMs estão soltos, à espera de um novo Júri. A defesa dos PMs alegou ao TJ-SP que o promotor do caso cometeu um desvio durante o Júri ao mostrar uma camiseta com a foto de Carlinhos aos sete jurados.

Maria da Conceição foi uma das autoras do livro “Mães de Maio, Mães do Cárcere – A Periferia Grita”.
A guerreira Maria da Conceição, que foi diversas vezes ameaçada de morte para que não buscasse Justiça pela morte de Carlinhos, escreveu uma carta para a presidente Dilma:
Estou escrevendo esta carta para todos os políticos do Brasil, especialmente para nossa presidenta, a senhora Dilma. Peço o apoio de todos vocês neste momento, o mais difícil e doloroso de toda a minha vida – e não só da minha, mas de toda a minha família.
Tudo mudou em nossas vidas no dia 8 de outubro de 2008, numa quarta-feira, por volta das 17h30. Carlinhos, que estava com 31 anos e tinha deficiência mental, era o meu filho mais velho. Apesar de sua deficiência, trabalhava com um senhor, dono de uma imobiliária.
Quando os inquilinos mudavam ele chamava Carlinhos para pintar as casas. Meu filho sempre trabalhou no mesmo bairro em que moramos há mais de 35 anos. Nunca o deixávamos andar sozinho para longe, pois não sabia ler, escrever nem mesmo falar o próprio nome.
Nesse dia 8 de outubro, ele vinha do trabalho. Faltavam cerca de 100 metros para chegar em casa quando uma viatura do 37º Batalhão da Força Tática (nº 37014, de placa CMW-5209) parou ao seu lado. Um policial desceu do carro já lhe dando uma gravata e o colocou dentro da viatura, no banco de trás, entre dois policiais.
Tudo foi visto por um senhor que é evangélico. Logo em seguida, vizinhos vieram nos avisar que os policiais haviam levado Carlinhos.
Imediatamente peguei os documentos e meu marido telefonou para minha filha Vânia, que tinha ido à padaria .Quando ela voltou, foi logo perguntando: “Foi a Força Tática? Passei por ela e vi uma pessoa no banco de trás, entre dois policiais, e eles empurrando a cabeça dessa pessoa para baixo, tentando escondê-lo”.
Começou então nossa correria para encontrar meu Carlinhos. Temíamos que os policiais fizessem perguntas a ele – com certeza ele não saberia responder, já que não falava o próprio nome. Passamos a noite procurando em várias delegacias e até mesmo em hospitais.
Enquanto isso, Vânia e meus outros filhos ficaram em casa ligando para delegacias ou procurando pelo bairro, na esperança de que os policiais percebessem que ele era deficiente mental e o liberassem.
Chegando na manhã do dia 9, não sabíamos mais onde procurar. Fomos então ao 37º batalhão e pedimos para falar com o comandante. Ele veio falar conosco. Estava muito nervoso.
Fez várias perguntas, uma delas sobre como era Carlinhos fisicamente. Falamos que era magro, de cabeça raspada. Ele não queria essas características, só queria saber se ele tinha alguma cicatriz em algum lugar do corpo. Eu disse que ele tinha uma cicatriz no abdome, devido a uma cirurgia de apêndice, e uma tatuagem em forma de teia de aranha no braço esquerdo – por ele ser deficiente, uma pessoa de má índole que estava aprendendo tatuar usou meu filho como cobaia, fazendo esse desenho sem a nossa autorização.
O comandante ficou desesperado, olhando para outro policia. Perguntei a ele: “O senhor encontrou meu filho? Ele respondeu “ainda não”. Saí da sala e não o vi mais.
Meu marido e um de meus filhos ficaram em outra sala. Desci para fumar e comecei a conversar com uma policial, para quem mostrei a foto de Carlinhos. Um outro policial chegou e perguntou o que estava acontecendo. A mulher respondeu que eu procurava meu filho, que era deficiente mental. Ele disse então: “Por causa desse caso, ‘fui chamado a atenção’”.
Perguntei: “Por quê? O senhor trabalhou por aqueles lados?”. “Realmente ‘fiz’ a Planalto, mas não abordei ninguém com essas características”, respondeu o policial. Perguntei a que horas ele havia “feito” a Planalto, e ele falou que não se lembrava exatamente, mas que havia sido por volta das 17h30.
“Moço, foi nesse horário que pegaram meu filho”, eu disse. A policial que estava comigo falou que eu estava com a foto de Carlinhos. Mostrei para ele – que, olhando para a imagem, disse “realmente” não tê-lo visto.
Fiz então um pedido. “Moço, se o senhor encontrá-lo, por favor, não judie dele nem o deixe jogado. Entre em contato conosco que iremos buscá-lo. Ele não vai saber voltar sozinho e vai se perder.” Sem responder, o policial abaixou a cabeça e saiu.
Peguei meu celular e falei para a policial: “Tenho foto dele aqui. A senhora quer ver?”. Quando ela pegou o celular, chamou o policial, que voltava em nossa direção. “Moisés, ela tem foto dele aqui no celular. Procure para mim”, disse a policial. O colega pegou o celular, mexeu em algumas teclas e logo entregou à mulher, dizendo que não conseguia encontrar nada.
Mal sabia eu que aquele policial, que minutos antes eu havia chamado de senhor, era um dos assassinos do meu filho.
…
Depois disso, passei por tratamento psicológico e tomo medicamento. Não consigo dormir. Fico a noite inteira acordada, só ouvindo os gritos e gemidos do meu filho.
Deus, como meu filho sofreu. Foi espancado até a morte e decapitado. Arrancaram as mãos e ainda o retalharam.
Esses policiais mataram não apenas o Carlinhos, mas a mim também. Achando pouco que fizeram, ainda ameaçam a mim e à minha família.
No dia 29 de julho de 2010, eles foram julgados e condenados a 18 anos e 8 meses de prisão – mas só ficaram 1 ano e 6 meses presos. O juiz Antonio Augusto Galvão de França Hristov, da 1ª Vara Criminal do Fórum de Itapecerica da Serra, resolveu colocá-los em liberdade, alegando que neste ano não havia mais vaga para um novo julgamento – o anterior foi anulado por causa de uma camiseta que o promotor mostrou no dia do julgamento.
Eles foram soltos no dia 9 de fevereiro e já voltaram a nos ameaçar por telefone celular e mandando mensagens. Já fizemos boletim de ocorrência, mais um – temos todos os B.O.s das ameaças guardados.
Por isso, peço às autoridades competentes que nos ajudem a colocar esses assassinos de volta na cadeia. Ajudem-nos a fazer justiça, antes que eles comecem a decapitar mais inocentes e outras mães sofram. Eu pergunto às autoridades deste país como um juiz solta um grupo de extermínio treinado e organizado no meio da sociedade.
Senhora Dilma, peço a Deus todos os dias que me dê forças para suportar essa dor, esse sofrimento que para mim não tem fim. Sei que a senhora é mãe e deve entender o quanto é doloroso perder um filho, principalmente dessa maneira tão cruel e pelas mãos dessas pessoas que tinham a obrigação de protegê-lo.
Por favor, senhora Dilma e senhores políticos, me ajudem. É o pedido de uma mãe que está clamando por Justiça. Conto em primeiro lugar com Deus e, em segundo, com vocês.
Muito obrigada pela atenção.
Maria da Conceição Ferreira Alves
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Querida dona Maria da Conceição, esteja em paz.
Nós sempre lutaremos para que seu maior desejo seja realizado: Justiça para o sequestro e morte do seu amado filho Carlinhos. Vai em paz, dona Maria. Estaremos aqui para lutar pela memória do Carlinhos.
No foto, dona Maria da Conceição se ajoelha após a condenação dos quatro PMs acusados de sequestrar e matar seu filho. O Júri ocorreu em 31 de julho de 2011, mas depois foi anulado pelo TJ-SP.
Um dos raros registros de dona Maria da Conceição

São Paulo, 10 de janeiro de 2014.
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Os “Highlanders”, grupo formado por policiais, também atuam no Rio de Janeiro. Eles torturam, matam e degolam suas vítimas, sempre pessoas pobres, moradores de favelas da capital
O grupo de extermínio formado por policiais militares, conhecido como “Os Highlanders”, uma alusão a forma de matar suas vítimas que sempre são decapitadas, é acusado de promover a morte de pelo menos onze pessoas, e todos os corpos foram encontrados sem as cabeças.
Os grupos paramilitares organizados por policiais, são formas de atuar da PM e possuem consentimento do Estado para promover a matança contra, principalmente, a população pobre das favelas. Esses grupos tiveram suas atividades intensificadas durante a ditadura militar, com o conhecido “Esquadrão da Morte”, uma organização que surgiu no final dos anos 60 e era integrado por políticos, membros do Poder Judiciário, policiais civis e militares e financiado pelos empresários. A forma de atuar do Esquadrão era semelhante ao que acontece atualmente com as milícias, também formadas por policiais, que torturam, reprimem e matam a população civil.
Assim como em todos os casos, o grupo de extermínio não era uma pratica isolada de alguns policiais, mas sim parte da política de repressão do governo do Rio de Janeiro. Essa conivência ficou bastante clara com a prisão de três PMs que assumiram os assassinatos, entre eles o soldado Rodolfo da Silva Vieira, filho de um oficial da corporação e protegido do coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque da PM. O coronel chegou inclusive a ordenar que todos os relatórios onde os PMs citassem a abordagem de pessoas que apareceram mortas posteriormente fossem destruídos, uma forma de eliminar toda e qualquer pista de envolvimento dos PMs, mostrando o envolvimento com o comandante do Batalhão de Choque da PM, ou seja, com a pessoa que organiza e dá toda a linha das operações e da política de repressão.
É preciso ter claro, no entanto, que em nenhum dos casos os assassinos fardados serão punidos, é o que acontece também com os assassinos do Esquadrão da Morte, que até hoje permanecem impunes. A prisão de PMs, em alguns casos, não representa a punição deles, que logo serão soltos, mas mostra a crise existente dentro da Polícia, órgão repressor do Estado, sendo obrigados a encenar a punição de alguns policiais para dar uma espécie de satisfação para a população que não suporta mais as atrocidades cometidas pela PM. (Fonte: Causa Operária)