Imprensa portuguesa: A nova palavra de protesto no Brasil chama-se “rolezinho”

por Joana Gorjão Henriques

 

[Recordando como começaram os protestos de rua patrocinados pelos golpistas] Depois da onda de protestos que tomou conta do Brasil em Junho, e à beira de várias manifestações contra o Mundial de futebol sob o lema “Não Vai Ter Copa”, a Presidente da República do Brasil, Dilma Rousseff, está agora a tentar gerir novos movimentos de massas, os “rolezinhos” – encontros organizados em centros comerciais por jovens através de redes sociais. “Rolezinho” é o diminutivo de “rolê”, palavra que quer dizer “encontro”, “passeio”.

Numa página do Facebook de um rolezinho marcado, um utilizador, Mário Rocha, descrevia: “Rolezinho é o flashmob de pobre. A principal diferença é logicamente a cor e a quantidade de dinheiro na conta bancária. A ideia é simples: nas redes sociais, jovens, que geralmente são negros, funkeiros e ‘favelados’, combinam um encontro dentro de algum shopping da cidade, e, estando lá, eles passeiam em grupos cantando suas músicas preferidas. Quando a classe média branca vê aquele mar de negros ‘invadindo’ o shopping, já pensam que são assaltantes, estupradores, ladrões…”

Até agora, os rolezinhos parecem ter envolvido sobretudo jovens das periferias de São Paulo – os media dizem que o primeiro desta onda foi no Shopping Metrô Itaquera, na Zona Leste da cidade, e terá juntado 6 mil pessoas. Mas relatos recentes dão conta de jovens universitários na organização e há inclusivamente páginas no Facebook com rolezinhos marcados para as próximas semanas administradas por utilizadores cujo perfil indica pertença a universidades brasileiras. Pilar de Freitas, 22 anos, uma das organizadoras do rolezinho noshopping Iguatemi do Lago Norte, em Brasília, no dia 25, é estudante de História na UniCEUB Centro Universitário de Brasília, e diz ao PÚBLICO que a administração do evento é composta por pessoas de todos os meios: “Tem gente da periferia, classe média, negro, branco, universitários e trabalhadores.”

A polémica dos rolezinhos saltou com ainda mais intensidade para os jornais no fim-de-semana, depois de vários centros comerciais em São Paulo terem fechado as portas e controlado as entradas e saídas de jovens, tendo alguns conseguido que a Justiça os apoiasse e ameaçasse com uma multa de 10 mil reais a quem participasse.

Imagens de portas fechadas do shopping JK Iguatemi, em pleno centro da cidade, começaram a circular nas redes sociais e deram origem a críticas de que se estava perante um apartheid, pois os jovens participantes eram na maioria negros e de classe social baixa.

Houve lojistas a justificar as medidas com questões de segurança. A discussão tem sido acesa, porque há quem acuse os participantes de vandalismo e há quem defenda o seu direito a aceder aos espaços públicos, aproveitando ainda para criticar o Governo pela falta de investimento em espaços de lazer na periferia. De acordo com o Globo, apesar de queixas de que houve arrastão no primeiro rolezinho de Itaquera, “a administração negou a onda de furtos”; no segundo, no Shopping Internacional de Guarulhos, também não houve registo de roubos, mas 22 pessoas foram levadas para uma delegacia; no rolezinho no Shopping Interlagos não houve igualmente registo de roubos.

Governantes preocupados
Os acontecimentos deste fim-de-semana tiveram repercussões políticas: Dilma, que enfrenta um ano de Mundial de futebol e de eleições em Outubro, convocou uma reunião com a sua equipa para abordar o tema; por outro lado, a própria ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, trouxe o tema da discriminação dos jovens para o debate. “As manifestações são pacíficas. Os problemas são derivados da reacção de pessoas brancas que frequentam esses lugares e se assustam com a presença dos jovens”, disse, citada pelo Folha de São Paulo, classificando a medida que permite aos lojistas impedir a entrada de jovens nos shoppings de “segregação racial”. E criticou a polícia por associar os negros ao crime.

Já o secretário de Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, defendeu o recurso à força – a Polícia Militar tem recorrido a balas de borracha e bombas de gás, houve um forte aparato policial e vários detidos. Entretanto, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, decidiu que se devia negociar com os organizadores dos eventos para os convencer a organizar rolezinhos em espaços públicos, em vez de o serem nos shoppings– o secretário municipal da Igualdade Racial, Netinho de Paula, ia enviar emissários a casa de alguns adolescentes para os convencer a dialogar com Haddad, noticiava o Folha.

Porém, a avaliar pela agenda dos próximos rolezinhos marcados nas redes sociais, o fenómeno não se restringe a São Paulo (estão previstos vários, pelo menos, em Brasília, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e em Pernambuco). E a palavra ganha cada vez mais projecção nas redes sociais como forma de convocação de protestos. Motivo da participação de Pilar de Freitas, por exemplo: indignação face à repressão policial que viu. “O evento foi feito em apoio a todos que são e foram violentados de forma absurda, gerada pelo preconceito, inclusive do Estado e dos empresários. Os jovens da periferia não possuem meios de lazer; e por ocuparem os espaços dos centros urbanos acabam sofrendo toda essa forma de violência. Meio de transporte colectivo em Brasília é raridade e precário.” Resumindo: não há condições para “a galera conseguir se divertir”. Bandeira: não à segregação racial e de classes.

Nas redes sociais e nos media têm sido feitas várias análises sociais. “Os shoppings foram construídos para mantê-los do lado de fora e, de repente, eles ousaram superar a margem e entrar”, escreveu a jornalista e escritora Eliane Brum. “E reivindicando algo transgressor para jovens negros e pobres, no imaginário nacional: divertir-se fora dos limites do gueto. E desejar objectos de consumo. Não geladeiras e TV de tela plana, símbolos da chamada ‘classe C’ ou ‘nova classe média’, parcela da população que ascendeu com a ampliação de renda no Governo Lula, mas marcas de luxo, as grandes grifes internacionais, aqueles que se pretendem exclusivas para uma elite, em geral branca.” In jornal Público, Portugal

As revoltas de 27 de outubro: Paris 2005 e São Paulo 2013

br_folha_spaulo. facção criminosa

INFELIZ COINCIDÊNCIA: 27 DE OUTUBRO

 

por Marcelo Araújo/ Vírus Planetário

2005 dois jovens do gueto parisiense morrem fugindo de uma abordagem policial ao se esconderem em um prédio abandonado.

2013 um jovem do gueto paulista morre por um disparo “acidental” em uma abordagem abordagem policial.

Ambos geraram a revolta popular. Mais de 100 carros queimaram na França, e não diferente daqui, os negros e pobres foram taxados de vândalos.

Como escreveu Oswaldo Giacoia Jr: “O insuportável não é só a dor, mas a falta de sentido da dor, mais ainda, a dor da falta de sentido.”

Cartoon - French Youth Riots - 2005 - no mention of family

Os subúrbios de parisienses não são diferentes no nossos: ausência da educação, saúde e outros serviços e aumento da presença da polícia, postos de controle, remoções de invasões de imóveis e outros níveis de opressão em geral. Algo muito parecido com as UPPs do Rio de Janeiro, mas hoje vamos falar de São Paulo.

Em 27 de outubro de 2005, 10 jovens jogavam futebol em um subúrbio parisiense quando a polícia chegou para uma abordagem de rotina, muitos correram para se esconder. O que também era rotina. Porém, nesse dia algo trágico aconteceu decorrente dessa abordagem. Três dos jovens foram perseguidos e entraram em um prédio abandonado, onde havia instalações elétricas soltas. Bouna Traoré(17) e Zyed Benna(15) morreram eletrocutados. Um terceiro, Muhittin Altun (21), sofreu queimaduras graves. E aqueles que dizem que os jovens não deveriam ter corrido da policia, se esquecem o que é ser perseguido e taxado de bandido por morar nos subúrbios:

De acordo com declarações do Muhittin Altun, que permanece internado com ferimentos, (…) Todos eles fugiram em direções diferentes para evitar o longo interrogatório que os jovens nos conjuntos habitacionais enfrentam muitas vezes da polícia. Eles dizem que são obrigados a apresentar documentos e pode ser realizada até quatro horas de dentenção na delegacia, e às vezes os pais devem tem de vir buscar antes da polícia liberá-los.” – NY Times

Les_Evenements_de_2005

De volta para o Brasil, 27 de outubro de 2013, a amarga coincidência. Uma abordagem policial em São Paulo resulta na morte acidental do Douglas (17). Um acidente tão bizarro que até mesmo a corporação tem suas dúvidas. Uma arma que dispara acidentalmente no peito do jovem, que ainda questiona seu algoz: “Por que? Por que o senhor atirou em mim?”. Tudo presenciado pelo seu irmão de 13 anos, que nega a versão de disparo acidental. Como escreveu Oswaldo Giacoia Jr: “O insuportável não é só a dor, mas a falta de sentido da dor, mais ainda, a dor da falta de sentido.” Como se não bastasse: no mesmo dia a polícia aumentou o policiamento e viaturas passam constante à porta da mãe de Douglas,  que dava entrevistas e acusava a polícia de assassinato com a veemência e certeza de quem já deve ter visto outros casos de disparos acidentais.

No mesmo e no dia em que se segue, o povo se levanta. Como em Paris, revoltado com repressão do Estado e seus resultados fatais. Aqui, os protestos que se estendem desde junho deste mesmo ano em todo o país, deu coragem à população perdeu o medo de gritar contra os absurdos. A revolta burguesa, que em poucos meses vem sentindo uma pequena parcela da repressão policial que assola os subúrbios com décadas de abusos policiais. Violência física, psicológica e abuso de autoridade. Também como lá, na França, o Estado quer abafar as revoltas evocando um estado de emergência, o Marco Civil – que é basicamente o poder público acuado com o aumento das demonstrações de descontentamento popular. Vai aumentar a violência e abuso de poder policial contra as manifestações. O é objetivo claro de calar na força a população.

Genildo
Genildo

A mídia grande, por sua vez, criminaliza as revoltas populares. E tal qual a polícia, ataca com mais ferocidade à medida que os revoltados se afastam dos grandes centros, da burguesia. Diariamente é reforçado a ideia de que existe um inimigo público e que não há uma solução para esse problema das revoltas populares. Criaram os atos de vandalismo e os tem relacionado aos poucos com atos de terrorismo – que é uma falácia. Deixa óbvia a sua posição, que é a mesma há 40 anos, e defende os interesses econômicos das classes dominantes e criminaliza as revoltas populares. Dizem que não existe um motivo para tanta violência e depredação. A grande mídia não consegue ver uma solução. O Estado não consegue ver uma solução. E eles nunca vão vê-la, por que aqueles que não conseguem enxergar uma solução, é parte integrante do problema.
Não se engane. Esta não é uma revolta popular do Brasil, nem de um levante popular de julho de 2013. Esta é uma revolta mundial contra o sistema capitalista que explora muitos em favorecimento de poucos. Não vai acabar hoje, no final do ano ou depois da Copa do mundo. O povo não quer mais esperar por políticos que há anos fazem suas negociatas demagogas atendendo aos interesses dos grandes grupos financeiros. O povo quer ver resultados, o fim da corrupção, que é inerente a esse sistema desigual. Eclodiu uma consciência popular de que as mudanças estão longes de uma classe política, ausente e ineficiente.

As manifestações devem acabar quando o problema acabar.

E se você não consegue ver a solução…