​Papa Francisco pede um uso solidário do dinheiro

Economia da honestidade

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«Promover um uso solidário do dinheiro, no estilo da verdadeira cooperativa, onde não comanda o capital sobre os homens mas os homens sobre o capital». Pediu o Papa ao receber em audiência no sábado de manhã, 12 de setembro, na sala Paulo VI, o Banco de crédito cooperativo de Roma no sexagésimo aniversário de fundação. Invocando uma verdadeira «luta à corrupção» através da afirmação da «economia da honestidade», Francisco propôs sete características que a empresa deve ter para não esquecer «a parte mais frágil da sociedade», na certeza que só «a união faz a força».

Francisco propôs assim o convite a «ser protagonistas ao apresentar e realizar novas soluções de welfare, a partir do campo da saúde. E exortou também a não perder de vista a «relação entre a economia e a justiça social, pondo no centro a dignidade e o valor das pessoas». Trata-se, sugeriu o Papa, de «facilitar e encorajar a vida das famílias, e propor soluções cooperativas e de segurança social para a gestão dos bens comuns, que não se podem tornar propriedade de poucos nem objeto de especulação». O objectivo, insistiu, é precisamente «fazer crescer a economia da honestidade». Com uma advertência: a honestidade deveria ser a normalidade mas não é suficiente porque é urgente «difundir e radicar a honestidade em todo o ambiente».

Depois, relançando o conceito da «globalização da solidariedade», o Pontífice recordou que «o desafio mais importante é crescer continuando a ser uma verdadeira cooperativa, aliás, tornando-se cada vez mais cooperativa». E reconhecendo que «a profissão de banqueiro é muito delicada, que exige grande rigor», frisou que «um banco cooperativo deve ser algo mais: deve procurar humanizar a economia, unir a eficiência com a solidariedade».

Depois, outra questão importante é a «subsidiaridade»: um estilo que significa «não pesar sobre as instituições e por conseguinte sobre o país quando se podem enfrentar os problemas com as próprias forças, com responsabilidade». E concluiu com um encorajamento «a preocupar-se de como é produzido o rendimento, com a atenção de ter sempre no centro as pessoas, os jovens, as famílias», apostando em «fazer nascer empresas que dêem emprego para experimentar o micro-crédito e outras formas de humanizar a economia».

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Passeata no Rio pela saída de Eduardo Cunha da presidência da Câmara

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Noticiou o Jornal do Brasil: Cariocas protestam contra a redução da maioridade penal e pedem a saída de Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados. Fotos de Stefano Miranda.

Polícia “pacificadora” do Rio mata mais um. Nem é preciso informar que é favelado e negro

POLICIAIS DA UPP ATIRAM PARA MATAR

NA FAVELA DE MANGUINHOS (RJ)

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Nossa equipe de reportagem acaba de voltar da favela de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro, onde o jovem Jonathan de Oliveira Lima, de 19 anos, foi assassinado por PMs da UPP com um tiro nas costas. Fomos à casa de Jonathan, onde conversamos com a mãe do rapaz, a pedagoga Ana Paula Gomes de Oliveira, 36. Muito abatida, ela perguntava se seu filho voltaria para casa, ainda não entendendo o motivo do assassinato do jovem estudante.

Logo que chegou ao local, nossa equipe foi atacada a tiros de munição letal e bombas de gás lacrimogêneo por policiais do Batalhão de Operações Especiais. Em seguida, os PMs vieram em nossa direção e mandaram desligar as câmeras. Nossa equipe foi ameaçada e os câmeras proibidos de recolocar a máscara de gás. Todo o time de AND acabou asfixiado por conta da fumaça. Em seguida um PM nos disse “Se eu não uso máscara, vocês não vão usar também” e nos obrigaram a deixar a favela. (Jornal A Nova Democracia)

 

 

 

 

Está errado! Níveis de investigação para resolver crimes são baixos

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por Livia Scocuglia

Os níveis de investigação criminal para resolver crimes são baixos. A maior parte dos detentos de São Paulo foi presa em flagrante e não por causa de investigação. A constatação é o resultado da pesquisa divulgada nesta semana, pela Fundação Getulio Vargas. Ao todo, 65,8% dos presos foram detidos no dia em que cometeram o delito.

Quando analisado o crime de roubo, a porcentagem de presos no próprio dia da ocorrência é ainda maior: 78,2%, o que pode indicar baixo nível de investigação criminal no Estado. Para um dos coordenadores do projeto, José de Jesus Filho, da Pastoral Carcerária, esses dados apontam que as pessoas estão sendo presas de forma errada no país. “A investigação no Brasil não acontece. Nós não prendemos o criminoso do colarinho branco, não prendemos o corrupto ou as lideranças do tráfico de drogas”, afirmou Jesus Filho ao jornal O Estado de S. Paulo.

Em relação ao processo, só uma pequena minoria dos entrevistados conseguia entender muito (13,5%) ou mais ou menos (14,7%) do que estava acontecendo nas audiências. A maioria entendia pouco ou nada das audiências e do processo judicial.

Além disso, o estudo mostrou que existem variações significativas na duração dos processos de acordo com o tipo de crime pelo qual foram condenados. Os condenados por homicídio doloso tiveram os processos mais longos (média de 24,9 meses) e aqueles condenados por furto/furto qualificado tiveram os processos mais curtos (média de 8,8 meses).

A pesquisa também levou em conta a corrupção usada para evitar prisões. Entre os entrevistados, 62,6% deles disseram que poderiam ter evitado a prisão se tivessem recursos para corromper a polícia e 31,8% dos entrevistados disseram que a polícia realmente pediu dinheiro ou algum pertence a partir do momento da prisão até a sentença.

No Judiciário, a proporção de presos que relatou algum pedido de dinheiro ou de algum bem por parte de juiz é quase nula (0,3%). Segundo a pesquisa, isso indica uma instituição judicial muito menos inclinada a este tipo de corrupção.

Cor da pele

A maioria dos policiais militares da capital envolvidos em ocorrências com mortes são brancos (79%), entre 25 e 39 anos (73%) e homens (97%). Já quanto às vítimas, a maioria é de negros (61%), menores de 24 anos (57%) e homens (97%), segundo noticiou a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.

Os números foram coletado em pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que entre 2009 e 2011 analisou 734 processos com 939 vítimas. A coordenação foi feita pela professora Jacqueline Sinhoretto. Em relação a cor da pele, a população do estado é formada por 30% de afrodescendentes, mas há três vezes mais negros mortos do que brancos. Só 1,6% dos autores foi indiciado. Para 98% deles, as investigações apontaram que não houve crime ou que agiram em legítima defesa.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que vai avaliar os dados do estudo para decidir se eles “podem subsidiar aprimoramentos das políticas públicas de segurança”. Declara também que “os policiais são preparados para lidar com a diversidade racial e que, na PM, cerca de 40% dos homens são afrodescendentes”.

Fonte: Consultor Jurídico
Transcrição: Fenapef

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Homens que desistem das mulheres

“Herbívoros”, uma nova categoria social no Japão do século XXI

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(EFE) – A crise, o pessimismo e a falta de comunicação são os motivos que levam cada vez mais rapazes japoneses a mostrarem indiferença com relação ao sexo e se dedicarem ao cuidado pessoal, algo que deu lugar a uma nova categoria social batizada de “herbívoros”.

Segundo uma pesquisa do Ministério de Saúde japonês divulgada este ano, 21,5% dos homens entre 20 e 25 anos expressa indiferença ou aversão ao sexo, embora o número seja maior entre os adolescentes de 16 a 18 anos, grupo em que 36,1% não estão interessados em relações sexuais.

Os considerados “herbívoros” geralmente se interessam por moda, são menos competitivos em seus ambientes de trabalho, são mais apegados a suas mães e têm sempre problemas nos respectivos orçamentos.

Mas, sobretudo, não estão interessados em sair com mulheres, de acordo com Megumi Ushikubo, autora do livro “Soshokukei Danshi Olho-man Ga Nippon wo Kaeru” (“Os refinados homens herbívoros estão mudando o Japão”).

Em um país com uma das taxas de natalidade mais baixas do planeta (1,3 filho por mulher) e que, além disso, envelhece rapidamente, este fenômeno social é preocupante frente a um futuro no qual os jovens não encontram as condições para desenvolver uma família.

De acordo com dados oficiais, em 2009, em meio à crise financeira, 1,78 milhão de japoneses – principalmente jovens – tinham empregos apenas em período parcial, número que parece seguir aumentando.
Estes jovens, que vivem uma situação de instabilidade trabalhista, ganham em torno de 2 milhões de ienes anualmente (17.656 euros), menos que a renda per capita de 31.414 euros que o país registrou em 2010.

Por outro lado, apenas 68,8% dos estudantes universitários que vão se formar em março tinham emprego assegurado no final do ano passado, um número alarmante em um país onde há pouco o cidadão podia assegurar o futuro de sua carreira com tranquilidade.

Diante deste panorama, os jovens “não têm a mesma confiança” que seus antecessores, que graças à sua estabilidade podiam comprar casas ou automóveis com vistas a formar uma família, disse à Agência EFE Renato Rivera, sociólogo especializado em estudos japoneses.

Atualmente, parte dos jovens não pode convidar as mulheres do país a um bom restaurante ou ao cinema, nem adquirir automóveis caros em um país tradicionalmente caracterizado pelo luxo. Sem deixar de ser consumidores, os “herbívoros” preferem comprar artigos de moda e cuidado pessoal.

Ainda fazem parte deste panorama as redes sociais virtuais e a proliferação dos telefones celulares, utilizados por quase todos os adolescentes para trocar mensagens de texto, em detrimento de uma comunicação direta verbal.

Para os especialistas, uma parte dos jovens japoneses parece ter entrado em um círculo vicioso e não socializa com mulheres por falta de recursos e por incapacidade de comunicar-se, portanto tornam-se mais introvertidos e se desinteressam pelo sexo.

“É como estar em uma dieta: de tanto deixar de comer, o apetite se reduz”, avalia Rivera, professor da Universidade de Meiji, em Tóquio.

Para o sociólogo, os “herbívoros” se parecem um pouco com os “otakus” (fanáticos por mangás e animações), que passam a maior parte do tempo conectados a computadores e videogames.

A diferença, segundo Rivera, é que em geral os “otakus” são mais anti-sociais, têm interesse pelo sexo mas não pelas relações permanentes, e contam com maior poder aquisitivo, já que são eternos consumidores das novidades tecnológicas.

Papa Francisco: Quando o Filho de Deus Se fez homem, escolheu um caminho de pobreza, de despojamento. É o mistério que contemplamos no presépio, vendo o Filho de Deus numa manjedoura; e mais tarde na cruz, onde o despojamento chega ao seu ápice

Procuremos compreender o que significa «pobres em espírito». Quando o Filho de Deus Se fez homem, escolheu um caminho de pobreza, de despojamento. Como diz São Paulo, na Carta aos Filipenses: «Tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus: Ele, que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no entanto, esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo e tornando-Se semelhante aos homens» (2, 5-7). Jesus é Deus que Se despoja da sua glória. Vemos aqui a escolha da pobreza feita por Deus: sendo rico, fez-Se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9). É o mistério que contemplamos no presépio, vendo o Filho de Deus numa manjedoura; e mais tarde na cruz, onde o despojamento chega ao seu ápice.

O adjectivo grego ptochós (pobre) não tem um significado apenas material, mas quer dizer «mendigo». Há que o ligar com o conceito hebraico de anawim (os «pobres de Iahweh»), que evoca humildade, consciência dos próprios limites, da própria condição existencial de pobreza. Os anawim confiam no Senhor, sabem que dependem d’Ele.

Como justamente soube ver Santa Teresa do Menino Jesus, Cristo na sua Encarnação apresenta-Se como um mendigo, um necessitado em busca de amor. O Catecismo da Igreja Católica fala do homem como dum «mendigo de Deus»

 

 

MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO
PARA A XXIX JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

(Domingo de Ramos, 13 de Abril de 2014)

 

«Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3)

 

Queridos jovens,

Permanece gravado na minha memória o encontro extraordinário que vivemos no Rio de Janeiro, na XXVIII Jornada Mundial da Juventude: uma grande festa da fé e da fraternidade. A boa gente brasileira acolheu-nos de braços escancarados, como a estátua de Cristo Redentor que domina, do alto do Corcovado, o magnífico cenário da praia de Copacabana. Nas margens do mar, Jesus fez ouvir de novo a sua chamada para que cada um de nós se torne seu discípulo missionário, O descubra como o tesouro mais precioso da própria vida e partilhe esta riqueza com os outros, próximos e distantes, até às extremas periferias geográficas e existenciais do nosso tempo.

A próxima etapa da peregrinação intercontinental dos jovens será em Cracóvia, em 2016. Para cadenciar o nosso caminho, gostaria nos próximos três anos de reflectir, juntamente convosco, sobre as Bem-aventuranças que lemos no Evangelho de São Mateus (5, 1-12). Começaremos este ano meditando sobre a primeira: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3); para 2015, proponho: «Felizes os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8); e finalmente, em 2016, o tema será: «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7).

1. A força revolucionária das Bem-aventuranças

É-nos sempre muito útil ler e meditar as Bem-aventuranças! Jesus proclamou-as no seu primeiro grande sermão, feito na margem do lago da Galileia. Havia uma multidão imensa e Ele, para ensinar os seus discípulos, subiu a um monte; por isso é chamado o «sermão da montanha». Na Bíblia, o monte é visto como lugar onde Deus Se revela; pregando sobre o monte, Jesus apresenta-Se como mestre divino, como novo Moisés. E que prega Ele? Jesus prega o caminho da vida; aquele caminho que Ele mesmo percorre, ou melhor, que é Ele mesmo, e propõe-no como caminho da verdadeira felicidade. Em toda a sua vida, desde o nascimento na gruta de Belém até à morte na cruz e à ressurreição, Jesus encarnou as Bem-aventuranças. Todas as promessas do Reino de Deus se cumpriram n’Ele.

Ao proclamar as Bem-aventuranças, Jesus convida-nos a segui-Lo, a percorrer com Ele o caminho do amor, o único que conduz à vida eterna. Não é uma estrada fácil, mas o Senhor assegura-nos a sua graça e nunca nos deixa sozinhos. Na nossa vida, há pobreza, aflições, humilhações, luta pela justiça, esforço da conversão quotidiana, combates para viver a vocação à santidade, perseguições e muitos outros desafios. Mas, se abrirmos a porta a Jesus, se deixarmos que Ele esteja dentro da nossa história, se partilharmos com Ele as alegrias e os sofrimentos, experimentaremos uma paz e uma alegria que só Deus, amor infinito, pode dar.

As Bem-aventuranças de Jesus são portadoras duma novidade revolucionária, dum modelo de felicidade oposto àquele que habitualmente é transmitido pelos mass media, pelo pensamento dominante. Para a mentalidade do mundo, é um escândalo que Deus tenha vindo para Se fazer um de nós, que tenha morrido numa cruz. Na lógica deste mundo, aqueles que Jesus proclama felizes são considerados «perdedores», fracos. Ao invés, exalta-se o sucesso a todo o custo, o bem-estar, a arrogância do poder, a afirmação própria em detrimento dos outros.

Queridos jovens, Jesus interpela-nos para que respondamos à sua proposta de vida, para que decidamos qual estrada queremos seguir a fim de chegar à verdadeira alegria. Trata-se dum grande desafio de fé. Jesus não teve medo de perguntar aos seus discípulos se verdadeiramente queriam segui-Lo ou preferiam ir por outros caminhos (cf. Jo 6, 67). E Simão, denominado Pedro, teve a coragem de responder: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna» (Jo 6, 68). Se souberdes, vós também, dizer «sim» a Jesus, a vossa vida jovem encher-se-á de significado, e assim será fecunda.

2. A coragem da felicidade

O termo grego usado no Evangelho é makarioi, «bem-aventurados». E «bem-aventurados» quer dizer felizes. Mas dizei-me: vós aspirais deveras à felicidade? Num tempo em que se é atraído por tantas aparências de felicidade, corre-se o risco de contentar-se com pouco, com uma ideia «pequena» da vida. Vós, pelo contrário, aspirai a coisas grandes! Ampliai os vossos corações! Como dizia o Beato Pierjorge Frassati, «viver sem uma fé, sem um património a defender, sem sustentar numa luta contínua a verdade, não é viver, mas ir vivendo. Não devemos jamais ir vivendo, mas viver» (Carta a I. Bonini, 27 de Fevereiro de 1925). Em 20 de Maio de 1990, no dia da sua beatificação, João Paulo II chamou-lhe «homem das Bem-aventuranças» (Homilia na Santa Missa: AAS 82 [1990], 1518).

Se verdadeiramente fizerdes emergir as aspirações mais profundas do vosso coração, dar-vos-eis conta de que, em vós, há um desejo inextinguível de felicidade, e isto permitir-vos-á desmascarar e rejeitar as numerosas ofertas «a baixo preço» que encontrais ao vosso redor. Quando procuramos o sucesso, o prazer, a riqueza de modo egoísta e idolatrando-os, podemos experimentar também momentos de inebriamento, uma falsa sensação de satisfação; mas, no fim de contas, tornamo-nos escravos, nunca estamos satisfeitos, sentimo-nos impelidos a buscar sempre mais. É muito triste ver uma juventude «saciada», mas fraca.

Escrevendo aos jovens, São João dizia: «Vós sois fortes, a palavra de Deus permanece em vós e vós vencestes o Maligno» (1 Jo 2, 14). Os jovens que escolhem Cristo são fortes, nutrem-se da sua Palavra e não se «empanturram» com outras coisas. Tende a coragem de ir contra a corrente. Tende a coragem da verdadeira felicidade! Dizei não à cultura do provisório, da superficialidade e do descartável, que não vos considera capazes de assumir responsabilidades e enfrentar os grandes desafios da vida.

3. Felizes os pobres em espírito…

A primeira Bem-aventurança, tema da próxima Jornada Mundial da Juventude, declara felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Num tempo em que muitas pessoas penam por causa da crise económica, pode parecer inoportuno acostar pobreza e felicidade. Em que sentido podemos conceber a pobreza como uma bênção?

Em primeiro lugar, procuremos compreender o que significa «pobres em espírito». Quando o Filho de Deus Se fez homem, escolheu um caminho de pobreza, de despojamento. Como diz São Paulo, na Carta aos Filipenses: «Tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus: Ele, que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no entanto, esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo e tornando-Se semelhante aos homens» (2, 5-7). Jesus é Deus que Se despoja da sua glória. Vemos aqui a escolha da pobreza feita por Deus: sendo rico, fez-Se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9). É o mistério que contemplamos no presépio, vendo o Filho de Deus numa manjedoura; e mais tarde na cruz, onde o despojamento chega ao seu ápice.

O adjectivo grego ptochós (pobre) não tem um significado apenas material, mas quer dizer «mendigo». Há que o ligar com o conceito hebraico de anawim (os «pobres de Iahweh»), que evoca humildade, consciência dos próprios limites, da própria condição existencial de pobreza. Os anawim confiam no Senhor, sabem que dependem d’Ele.

Como justamente soube ver Santa Teresa do Menino Jesus, Cristo na sua Encarnação apresenta-Se como um mendigo, um necessitado em busca de amor. O Catecismo da Igreja Católica fala do homem como dum «mendigo de Deus» (n. 2559) e diz-nos que a oração é o encontro da sede de Deus com a nossa (n. 2560).

São Francisco de Assis compreendeu muito bem o segredo da Bem-aventurança dos pobres em espírito. De facto, quando Jesus lhe falou na pessoa do leproso e no Crucifixo, ele reconheceu a grandeza de Deus e a própria condição de humildade. Na sua oração, o Poverello passava horas e horas a perguntar ao Senhor: «Quem és Tu? Quem sou eu?» Despojou-se duma vida abastada e leviana, para desposar a «Senhora Pobreza», a fim de imitar Jesus e seguir o Evangelho à letra. Francisco viveu a imitação de Cristo pobre e o amor pelos pobres de modo indivisível, como as duas faces duma mesma moeda.

Posto isto, poder-me-íeis perguntar: Mas, em concreto, como é possível fazer com que esta pobreza em espírito se transforme em estilo de vida, incida concretamente na nossa existência? Respondo-vos em três pontos.

Antes de mais nada, procurai ser livres em relação às coisas. O Senhor chama-nos a um estilo de vida evangélico caracterizado pela sobriedade, chama-nos a não ceder à cultura do consumo. Trata-se de buscar a essencialidade, aprender a despojarmo-nos de tantas coisas supérfluas e inúteis que nos sufocam. Desprendamo-nos da ambição de possuir, do dinheiro idolatrado e depois esbanjado. No primeiro lugar, coloquemos Jesus. Ele pode libertar-nos das idolatrias que nos tornam escravos. Confiai em Deus, queridos jovens! Ele conhece-nos, ama-nos e nunca se esquece de nós. Como provê aos lírios do campo (cf. Mt 6, 28), também não deixará que nos falte nada! Mesmo para superar a crise económica, é preciso estar prontos a mudar o estilo de vida, a evitar tantos desperdícios. Como é necessária a coragem da felicidade, também é precisa a coragem da sobriedade.

Em segundo lugar, para viver esta Bem-aventurança todos necessitamos de conversão em relação aos pobres. Devemos cuidar deles, ser sensíveis às suas carências espirituais e materiais. A vós, jovens, confio de modo particular a tarefa de colocar a solidariedade no centro da cultura humana. Perante antigas e novas formas de pobreza – o desemprego, a emigração, muitas dependências dos mais variados tipos –, temos o dever de permanecer vigilantes e conscientes, vencendo a tentação da indiferença. Pensemos também naqueles que não se sentem amados, não olham com esperança o futuro, renunciam a comprometer-se na vida porque se sentem desanimados, desiludidos, temerosos. Devemos aprender a estar com os pobres. Não nos limitemos a pronunciar belas palavras sobre os pobres! Mas encontremo-los, fixemo-los olhos nos olhos, ouçamo-los. Para nós, os pobres são uma oportunidade concreta de encontrar o próprio Cristo, de tocar a sua carne sofredora.

Mas – e chegamos ao terceiro ponto – os pobres não são pessoas a quem podemos apenas dar qualquer coisa. Eles têm tanto para nos oferecer, para nos ensinar. Muito temos nós a aprender da sabedoria dos pobres! Pensai que um Santo do século XVIII, Bento José Labre – dormia pelas ruas de Roma e vivia das esmolas da gente –, tornara-se conselheiro espiritual de muitas pessoas, incluindo nobres e prelados. De certo modo, os pobres são uma espécie de mestres para nós. Ensinam-nos que uma pessoa não vale por aquilo que possui, pelo montante que tem na conta bancária. Um pobre, uma pessoa sem bens materiais, conserva sempre a sua dignidade. Os pobres podem ensinar-nos muito também sobre a humildade e a confiança em Deus. Na parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18, 9-14), Jesus propõe este último como modelo, porque é humilde e se reconhece pecador. E a própria viúva, que lança duas moedinhas no tesouro do templo, é exemplo da generosidade de quem, mesmo tendo pouco ou nada, dá tudo (Lc 21, 1-4).

4. … porque deles é o Reino do Céu

Tema central no Evangelho de Jesus é o Reino de Deus. Jesus é o Reino de Deus em pessoa, é o Emanuel, Deus connosco. E é no coração do homem que se estabelece e cresce o Reino, o domínio de Deus. O Reino é, simultaneamente, dom e promessa. Já nos foi dado em Jesus, mas deve ainda realizar-se em plenitude. Por isso rezamos ao Pai cada dia: «Venha a nós o vosso Reino».

Há uma ligação profunda entre pobreza e evangelização, entre o tema da última Jornada Mundial da Juventude – «Ide e fazei discípulos entre todas as nações» (Mt 28, 19) – e o tema deste ano: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3). O Senhor quer uma Igreja pobre, que evangelize os pobres. Jesus, quando enviou os Doze em missão, disse-lhes: «Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento» (Mt 10, 9-10). A pobreza evangélica é condição fundamental para que o Reino de Deus se estenda. As alegrias mais belas e espontâneas que vi ao longo da minha vida eram de pessoas pobres que tinham pouco a que se agarrar. A evangelização, no nosso tempo, só será possível por contágio de alegria.

Como vimos, a Bem-aventurança dos pobres em espírito orienta a nossa relação com Deus, com os bens materiais e com os pobres. À vista do exemplo e das palavras de Jesus, damo-nos conta da grande necessidade que temos de conversão, de fazer com que a lógica do ser mais prevaleça sobre a lógica do ter mais. Os Santos são quem mais nos pode ajudar a compreender o significado profundo das Bem-aventuranças. Neste sentido, a canonização de João Paulo II , no segundo domingo de Páscoa, é um acontecimento que enche o nosso coração de alegria. Ele será o grande patrono das Jornadas Mundiais da Juventude, de que foi o iniciador e impulsionador. E, na comunhão dos Santos, continuará a ser, para todos vós, um pai e um amigo.

No próximo mês de Abril, tem lugar também o trigésimo aniversário da entrega aos jovens da Cruz do Jubileu da Redenção. Foi precisamente a partir daquele acto simbólico de João Paulo II que principiou a grande peregrinação juvenil que, desde então, continua a atravessar os cinco continentes. Muitos recordam as palavras com que, no domingo de Páscoa do ano 1984, o Papa acompanhou o seu gesto: «Caríssimos jovens, no termo do Ano Santo, confio-vos o próprio sinal deste Ano Jubilar: a Cruz de Cristo! Levai-a ao mundo como sinal do amor do Senhor Jesus pela humanidade, e anunciai a todos que só em Cristo morto e ressuscitado há salvação e redenção».

Queridos jovens, o Magnificat, o cântico de Maria, pobre em espírito, é também o canto de quem vive as Bem-aventuranças. A alegria do Evangelho brota dum coração pobre, que sabe exultar e maravilhar-se com as obras de Deus, como o coração da Virgem, que todas as gerações chamam «bem-aventurada» (cf. Lc 1, 48). Que Ela, a mãe dos pobres e a estrela da nova evangelização, nos ajude a viver o Evangelho, a encarnar as Bem-aventuranças na nossa vida, a ter a coragem da felicidade.

Vaticano, 21 de Janeiro – Memória de Santa Inês, virgem e mártir – de 2014.

 

FRANCISCO

 

“O sentimento que está no coração do jovem é de tempos melhores. E boa parte deles, por mídias sociais, se movimentaram. E foram às ruas”

O NOVO CARDEAL BRASILEIRO, NOMEADO PELO PAPA FRANCISCO, VÊ PARALELOS NA POPULAÇÃO QUE SE MANIFESTA NAS RUAS E NA NOVA POSTURA DA IGREJA, DE TRATAR DE TEMAS QUE ANTES NÃO VINHAM A PÚBLICO

O cardeal Dom Orani João Tempesta. / RAFAEL FABRES
O cardeal Dom Orani João Tempesta. / RAFAEL FABRES

UMA GRANDE MAIORIA SE MANTEVE SILENCIOSA SE MANTEVE SILENCIOSA POR MUITO TEMPO

por Carla Jiménez/ El País/ Espanha

Dom Orani João Tempesta, o novo cardeal do Rio de Janeiro, nomeado pelo papa Francisco no dia 12 de janeiro passado, começou a entrevista para o EL PAÍS, fazendo uma confissão. Ele ainda não conseguiu abrir as correspondências que chegaram de Roma nos últimos dias, portanto desconhece a pauta que será tratada na reunião do consistório, no próximo dia 22. Na ocasião, ele deve estar com o Papa, para a nomeação de outros cardeais.
Natural de São José do Rio Pardo, cidade no interior de São Paulo, dom Orani, de 63 anos, tem a responsabilidade de suceder Dom Eugênio Salles, falecido há dois anos, uma das lideranças mais importantes do país, que teve forte atuação na defesa dos direitos humanos durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). O lado altruísta de Salles, porém, guardava nuances conservadoras, mais dogmático para com a Igreja.
“Cada época tem suas bandeiras, suas necessidades”, diz Dom Orani, que foi das comunidades eclesiais de base, e capitaneou a organização da Jornada da Juventude, no ano passado, em meio aos protestos de junho. “Uma grande maioria se manteve silenciosa por muito tempo”, disse ele, no sexto andar da sede de arquidiocese do Rio, no bairro da Glória.

 

***

Pergunta. O Papa tem falado muito sobre a corrupção. Isso pode influenciar algumas posturas da Igreja, especificamente do Brasil, em temas como a corrupção na política, por exemplo?

Resposta. Ele tem trabalhado, primeiro, pelo lado interno da Igreja no sentido de reorganizar o Vaticano, e também tem assumido posições muito claras em relação ao mundo de hoje, como a economia, capitalismo, riqueza, pobreza, fome. E desvios, tem colocado isso com muita clareza, chamando o mundo a mudar de posição, e pensar diferente. Além de líder da Igreja, ele acaba tendo liderança mundial.

P. O Brasil está num momento de bastante tensão, num ano eleitoral. Começamos com mensalão do PT, e agora, o de Minas Gerais. Qual é a sua avaliação sobre este momento?

R. Aquilo que faz parte dos bens comuns, os bens do povo, devem ser aplicados para que exista uma vida mais justa. Então essa diferença social enorme, que ainda é muito grande, clama aos céus, e deveríamos fazer de tudo para que aquelas pessoas que não têm uma habitação, alimentação, escolaridade, com dignidade, possam ter. E muitas vezes isso não acontece em função de desvios e situações assim. Essas questão devem ser apuradas, e reencaminhadas. Agora, não podemos ser tão ingênuos. Sabemos que há forças políticas das mais variadas, e em ano de eleições, há situações concretas, outras são criadas. Criar uma reforma política, seria um sonho de um país latino-americano.

P. Como seria essa reforma política?

R. Um caminho para ter mais transparência. Conforme vai passando, e se tomando consciência, do que é o pais, a gente vê que certos tipos de reformas são necessárias. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tem uma proposta, aprofundada, para colaborar nesse pensamento. Precisamos lutar para que social, culturalmente, este país possa dar passos nesse sentido. Lamentar o que esteja ruim, mas ver os desafios novos. Cada geração tem de ter a responsabilidade e tentar fazer sua parte.

P. A geração anterior dos representantes da Igreja no Brasil foi muito clara no apoio à redemocratização deste país. Quais são as bandeiras desta nova geração, da qual o senhor faz parte?

R. Cada época tem suas bandeiras, suas necessidades. Temos de ter princípios para nos nortear, e aplicá-los, para que as pessoas vivam com qualidade, no lazer, transporte, educação, tudo que faz parte do ser humano. Sei, porém, que existe outra questão, que não depende de lei nem decreto. Que é o coração humano, que tem muita violência. As pessoas não vivem bem e acabam cometendo barbaridades com o outro. Temos de anunciar, mesmo para quem não tem fé e religião, que fazer o bem ao outro é uma coisa boa. Isso não é tão simples, num mundo cheio de egoísmo. Isso extrapola Governo, leis, mas creio também que é um sonho, propor sempre um upgrade.

P. Esses jovens que estão na rua, que saíram em junho, estão ávidos por alguma coisa. O que o senhor enxerga no coração deles?

R. É uma insatisfação com relação a alguns assuntos. Não apenas um aspecto, é um movimento multifacetado, mas que numa parte demonstra insatisfação com representantes, com conchavos políticos que não resolvem os problemas da condução do país. E na fronteira disso, há também aproveitadores, um certo anarquismo, que não respeita o bem do povo. Se eu quero o bem do outro, não vou destruir minha cidade. Mas, ainda estamos dentro de toda essa manifestação, não é fácil enxergar de dentro, mas se percebe um desejo de que as coisas mudem, e que sejam melhor utilizadas.

P. Não existe aqui uma massa mais bem intencionada do que mal intencionada?

R. Difícil equacionar quantias. Às vezes a minoria fala mais alto que a maioria. Mas não há dúvida, o sentimento que está no coração do jovem, é de tempos melhores. E boa parte deles, por mídias sociais, se movimentaram. E foram às ruas. Creio que os grupos menores que fazem barulho, podem aparecer mais, que são o foco do noticiário. Mas não tenho como quantificar. A insatisfação mundial é muito grande.

P. É legítima?

R. É claro, o Papa tem colocado, as pessoas têm que se manifestar, colocar sua opinião.

P. Ele usou a frase “Não gosto dos jovens que não saem de casa”. O senhor concorda com ele?

R. Exatamente, é necessário que digamos as coisas, que falemos. E cada um com a sua consciência. Tivemos uma grande maioria que foi por muito tempo silenciosa, nunca expôs suas opiniões. Reclamava, mas de outro jeito. Hoje as pessoas amadurecem mais rapidamente, a mídia leva mais conhecimento, mais notícias – elas tomam consciência com mais rapidez. Hoje, é claro, já tem outro nível de cultura, próprio dos tempos que mudam. (Transcrevi trechos. Leia mais)

 

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Depois de preso a um poste por uma trava de bicicleta, cortaram a orelha do menino do Rio

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Um grupo de jovens das classes média e alta espancou, tirou a roupa e amarrou um jovem negro pelo pescoço num poste no Rio de Janeiro.

O garoto de 15 anos, depois de preso por uma trava de bicicleta, foi covarde e brutal e desumanamente torturado. Sofreu diversos cortes pelo corpo, e teve a orelha cortada. Ele foi acusado (sem provas) de praticar roubos na região.

O caso foi relatado pela coordenadora do Projeto Uerê, Yvonne Bezerra. Após ter encontrado o menor, ela ligou para os bombeiros que o soltaram.  Alvo de críticas, Yvonne, que trabalha com a causa dos direitos humanos desde a década de 80, declarou: “Eu não quero saber se ele é bandidinho ou bandidão, você não pode amarrar uma pessoa no meio da rua. Aquela área do Flamengo teve um aumento muito grande de violência e roubos recentemente. Como as coisas não melhoram, um bando de garotões se juntam e começam a fazer justiça pelas próprias mãos. Sei que tem muita marginalidade e a polícia é ineficaz, mas você não pode juntar um grupo e começar a executar pessoas”.

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‘Eu, não, meu senhor’

Menino preso a poste no Rio descende de homens livres, mas a chibata continua lá: dentro da alma

por José de Souza Martin

Era de noite. Foi no Flamengo. Trinta marmanjos chegaram em 15 motos. Os quatro adolescentes caminhavam para Copacabana, “para tomar um banho de mar”. “Era (um) fortão e tinha um magrinho. O magrinho já chegou jogando a moto em cima. Vou matar! Vou matar os quatro!” A moto e a enturmação fizeram o magrinho ficar fortão e valente. O magrinho foi acusando: “Bando de ladrão, fica roubando bicicleta dos outros”. Três dos garotos conseguiram fugir. O menino de 15 anos, não. Nenhum deles estava de bicicleta.

Desde quando seus antepassados foram trazidos da África, empilhados em navios negreiros, para serem vendidos no Valongo depois de estirados na praia para destravar o corpo, o menino negro sabe quem manda e quem obedece. O tronco e a chibata no lombo de seus antepassados surraram também sua memória e lhe ensinaram as lições que sobrevivem 125 anos depois da liberdade sem conteúdo da Lei Áurea. A lei que libertou os brancos do fardo da escravidão antieconômica. Mais de um século depois, o menino ainda sabe como é que se fala até mesmo com moleque que herdou os mimos da casa-grande: “Eu não, meu senhor, todo mundo aqui é trabalhador”, defendeu-se.

Esse menino descende de homens livres há mais de um século. Mas a chibata ficou lá dentro da alma, ferindo, dobrando, humilhando, criando desconfiança, ensinando artimanhas de quilombo para sobreviver. Esse “meu senhor” diz tudo, fala alto, grita na consciência dos que a tem. Esse “meu senhor” desdiz a liberdade, desmente a Lei Áurea, nos leva de volta aos tempos da senzala, do tronco e do pelourinho. Esse “meu senhor” expressa uma liberdade não emancipadora, que não integrou o negro senão nas funções subalternas de uma escravidão dissimulada, mas não na ressocialização para a liberdade e para a cidadania. Quem acusa o menino não sabe que a sociedade não pode colher o fruto que não semeou.

No dia 13 de maio de 1888 não libertamos ninguém. Continuamos todos escravos da escravidão que não acaba, da moral retorcida que nos legou, da consciência cindida que nos faz crer que somos uma coisa sendo outra. No mundo novo da liberdade abstrata de um contrato fictício não podemos nos encontrar porque não encontramos o outro, não podemos ser livres porque não nos libertamos no outro, não podemos ter direitos de que os outros carecem.

O menino levou uma surra de capacetes. “Bateu, bateu”, disse ele a uma repórter. Desmaiou. Foi ferido a faca na orelha. Com uma trava de bicicleta, foi amarrado pelo pescoço num poste. Coisa de gente muito valente, coisa de macho: 30 homens contra um menino franzino. E na Câmara dos Deputados houve quem se orgulhasse disso. Confessou um deputado mais inclinado ao justiçamento do que à Justiça: “Praticou um ato corajoso quem deu uma surra nesse vagabundo, porque os moradores estão cansados de serem roubados e assaltados por essa gentalha”. Isto é, gentinha, populacho, ralé. O mesmo tratamento que tinha vigência antes da lei do 13 de Maio, quando o escravo era considerado coisa, semovente, mercadoria, um ser abaixo da condição humana. Mero animal de trabalho, com a diferença de que das azêmolas diferia porque falava, gemia, chorava, sabia.

A Lei Áurea trouxe implícita a igualdade jurídica do negro liberto, coisa que não ficou muito clara na Constituição de 1891, que condicionou a cidadania ao ter propriedade e ao ser alfabetizado, não ser mendigo, não ser mulher, não ser praça de pré. A igualdade do 13 de Maio era, portanto, uma igualdade relativa. Porém, quem não é igual não pode ser livre. O deputado que agora, no próprio Parlamento, se congratula com os agressores do menino negro, revoga a Lei Áurea, restaura a inferioridade social do cativo e dos filhos e herdeiros do cativeiro. Traz de volta o feitor.

O Estado brasileiro, de que o deputado é membro e privilegiado beneficiário, é um Estado omisso, descumpridor das próprias leis que inventa e promulga. A delinquência juvenil é fruto dessa omissão e do desamparo que engendra e alimenta. Mas fruto, também, da pseudocidadania dos atiradores de pedra e dos linchadores, dos que reclamam direitos, omitindo-se quanto aos deveres correspondentes. No próprio caso ocorrido no Flamengo, alguns boyzinhos de 14 que foram presos e já estão soltos declararam que patrulham “o Aterro em busca de potenciais autores de delitos”. O caso do menino deixa claro que os “potenciais autores de delitos” têm cor e raça. O vigilantismo reacionário ergue uma muralha de terror para criar um território fechado e excludente, só deles. Uma pátria particular, impatriótica.

O menino foi libertado pelos bombeiros que o socorreram. Tiveram que usar maçarico para cortar o cabo de aço que lhe atava o pescoço ao poste. Foi levado para o hospital. De lá fugiu e foi espontaneamente se apresentar na casa abrigo da prefeitura do Rio. Os agressores louvados pelo deputado não se apresentaram em lugar nenhum. Fugiram. Por aí se vê que ao menos o menino tem recuperação.

Grupos de extermínio e justiceiros: “O que chamam de bandido? O pobre, negro, favelado”

“Há ainda muito apoio a grupos de extermínio e justiceiros”

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Pesquisadora da violência urbana desde os anos 1970, a antropóloga Alba Zaluar vê com preocupação a legitimação do comportamento dos jovens justiceiros pelas classes média e alta. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa das Violências da Universidade do Estado do Rio (Uerj), ela defende que se ensine às crianças a importância das leis.

Achar normal que se prenda um jovem supostamente infrator num poste diz o que sobre nossa sociedade? É algo que ocorre no Brasil todo. Não é um fenômeno do Rio, da classe média. Tem muito apoio a justiceiro, grupo de extermínio. Veem de forma imediatista e preconceituosa. Bandido bom é bandido morto? O que chamam de bandido? O pobre, negro, favelado.

Por que o brasileiro é tão tolerante com esses abusos? Temos de dar aulas de cidadania e civilidade às crianças, ensinar o que é tolerância, respeito. Tem de ter um professor que mostre como as coisas funcionavam antes da polícia e da democracia. Esse tipo de vingança é interminável. Não tem vida dentro de uma cidade com milhões de pessoas sem que existam leis.

Como responder a quem argumenta que é preciso agir com as próprias mãos porque a polícia e a Justiça são falhas? A justiça pelas próprias mãos é própria de uma sociedade que não funciona como deveria. Não há democracia sem polícia, mas tem de ser uma polícia que esteja agindo corretamente.

QUANDO O CRATO VOLTOU A SER SENZALA
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negro amarrado poste

No dia 06 de fevereiro de 2013, às 15h, na Rua Bárbara de Alencar, centro comercial do Crato, Francisco do Nascimento foi amarrado por dois homens a um poste e assim permaneceu durante duas horas. O motivo: em surto, teria quebrado vidraças de lojas.

Francisco do Nascimento, morador do bairro São Miguel possui histórico de outros atentados, como pôr fogo no carro de um vizinho. Ele também possui diversas entradas no Hospital Psiquiátrico Santa Tereza. Segundo a sobrinha, a família não sabe mais o que fazer com Francisco do Nascimento: no hospital não há vagas e ele se torna cada vez mais violento.

Durante as duas horas em que ficou amarrado, algumas pessoas tentaram libertá-lo, ato que foi violentamente rechaçado pelos homens que o prenderam. No mais, a multidão, estonteada, admirava estupidamente o espetáculo do homem que gritava, rugia e pedia por socorro. Diversas autoridades estiveram no local, a exemplo de soldados do Ronda que não o saltaram alegando que não o homem amarrado não era de sua competência.

Por fim, soldados do Corpo de Bombeiros o desamarraram e encaminharam Francisco ao único hospital psiquiátrico de toda região. Chegando ao Santa Tereza foi admitido e medicado. No dia seguinte, atendido pela psicóloga Leda Mendes Pinheiro, reclamou da forma com que foi tratado e principalmente por nem água ter bebido. Segundo ele, sua intenção era juntar o lixo da rua. Tudo se transformou em caso de polícia quando os lojistas foram hostis e ele reagiu com hostilidade. Ainda segundo a psicóloga ele estava bem, orientado e participando das atividades.

Entretanto, há um outro histórico que pesa sobre Francisco do Nascimento: nasceu negro e pobre. E pior: necessita de acompanhamento psiquiátrico. Dessa forma, por ser negro, pobre e louco, Francisco do Nascimento pôde ser amarrado, exposto a ridicularização pública e violentado em sua dignidade humana , tal qual seus ancestrais.

De minha parte, só não podia acreditar que, após tantos séculos, ainda iria presenciar um negro sendo imolado em praça pública.

Viva o Crato! Viva o Brasil!