Redação do jornal “Voz da Comunidade” é incendiada no complexo do Alemão no RJ

O que restou
O que restou

 

Na madrugada desta terça-feira (16/7), foram queimadas a redação do jornal Voz da Comunidade e a pousada do Grupo Cultural AfroReggae, localizadas no Conjunto de Favelas do Alemão, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Bombeiros chegaram ao local por volta das 4h40, mas as chamas já haviam consumido todo o estabelecimento.

três carros do Corpo de Bombeiros, do quartel de Ramos, foram acionados. Os profissionais levaram cerca de uma hora e meia para controlar o fogo. Uma pessoa, ainda não identificada, sofreu queimaduras no corpo, segundo o coordenador do AfroReggae, José Junior. Para ele, que prestará depoimento à polícia, o incêndio foi criminoso.

“Tínhamos acabado de reformar todo o espaço, estava tudo novo, o ar-condicionado, tudo novo”, disse Junior, que postou em sua página no Twitter uma imagem dos bombeiros em frente ao local queimado.

O coordenador contou que recebeu mensagens de testemunhas, por volta de 1h desta terça-feira, alertando que um grupo havia invadido o estabelecimento. No entanto, ele explica que só viu o aviso no início da manhã, quando também tomou conhecimento do incêndio.

“Eu estava dormindo, e não vi essas mensagens que recebi por volta de 1h, só vi por volta de 5h, quando fui acordado com a notícia do incêndio”, comentou.

Junior pede que a polícia investigue a pessoa ferida no incêndio. “Recebi algumas informações que diziam que esse cara estava no grupo que teria colocado fogo, mas outras também disseram que ele tentava apagar o incêndio”, falou o coordenador, acrescentando que o homem foi encaminhado ao hospital.

Em novembro de 2010, durante a ocupação policial no Conjunto de Favelas do Alemão, o adolescente Rene Silva ganhou notoriedade ao relatar, em tempo real, através das redes sociais, os acontecimentos do conflito. Quando ainda tinha 11 anos, o menino fundou o jornal Voz da Comunidade, que depois se tornou internacionalmente conhecido.

Por meio de sua conta no Facebook, Silva postou uma foto da redação destruída pelas chamas. “Nem tão bom dia assim, redação do voz da comunidade amanhece assim nesta terça-feira”, escreveu o jovem.
( Transcrito do Portal Imprensa)

Construção do ser humano se realiza na sociedade, mas não é só isso

por Leonardo Boff

povo

Em 1845, Karl Marx escreveu suas famosas 11 teses sobre Feuerbach, publicadas somente em 1888, por Engels. Na sexta tese, Marx afirma algo verdadeiro, mas reducionista: “A essência humana é o conjunto das relações sociais”. Efetivamente, não se pode pensar a essência humana fora das relações sociais, mas ela é muito mais que isso, pois resulta do conjunto de suas relações totais.

Descritivamente, sem se querer definir a essência humana, ela emerge como um nó de relações voltadas para todas as direções. O ser humano se constrói à medida que ativa esse complexo de relações. Sente em si uma pulsão infinita, embora encontre somente objetos finitos. Daí a sua permanente implenitude e insatisfação.

Não se trata de um problema psicológico que um psicanalista ou um psiquiatra possa curar. É sua marca distintiva, ontológica, e não um defeito. Mas, aceitando a indicação de Marx, boa parte da construção do humano se realiza, efetivamente, na sociedade. Daí a importância de considerarmos qual seja a formação social que melhor cria as condições para o ser humano poder desabrochar mais plenamente nas mais variadas relações. Sem oferecer as devidas mediações, diria que a melhor formação social é a democracia: comunitária, social, representativa, participativa, de baixo para cima e que inclua todos.

PARTICIPAÇÃO

Na formulação de Boaventura de Souza Santos, a democracia deve ser um ser sem fim. Como numa mesa, vejo quatro pernas que sustentam uma democracia mínima e verdadeira.

A primeira perna reside na participação: o ser humano, inteligente e livre, não quer ser apenas beneficiário de um processo, mas ator e participante. Só assim se faz sujeito e cidadão. Essa participação deve vir de baixo para não excluir ninguém.

A segunda perna consiste na igualdade. É a igualdade no reconhecimento da dignidade de cada pessoa e no respeito a seus direitos que sustenta a justiça social.

A terceira perna é a diferença. Ela é dada pela natureza. Cada ser, especialmente o ser humano, é diferente. São as diferenças que nos revelam que podemos ser humanos de muitas formas, todas elas humanas e, por isso, merecedoras de respeito e de acolhida.

A quarta perna se dá na comunhão. Aqui aparece a espiritualidade como aquela dimensão da consciência que nos faz sentir parte de um Todo e como aquele conjunto de valores intangíveis que dão sentido às nossas vidas pessoal e social e também a todo o universo.

EQUILÍBRIO

Essas quatro pernas vêm sempre juntas e equilibram a mesa – sustentam uma democracia real. Esta nos educa para sermos coautores da construção do bem comum. Em nome dela, aprendemos a limitar nossos desejos por amor à satisfação dos desejos coletivos.

Essa mesa de quatro pernas não existiria se não estivesse apoiada no chão e na terra. Assim, a democracia não seria completa se não incluísse a natureza, que tudo possibilita. Ela fornece a base físico-química-ecológica que sustenta a vida e a cada um de nós.

Pelo fato de terem valor em si mesmos, independentemente do uso que fizermos deles, todos os seres são portadores de direitos. Merecem continuar a existir, e a nós cabe respeitá-los e entendê-los como concidadãos. Serão incluídos numa democracia sem fim sociocósmica.

Esparramado em todas essas dimensões, realiza-se o ser humano na história, num processo ilimitado e sem fim.