POÇO DA PANELA
por J. Gonçalves de Oliveira

Ir ao Poço da Panela
é ver o tempo guardado
no verde-índice que encerra
tradições desencantadas.
.
Já no século dezessete,
sua fama popular
nascia na descoberta
de vertentes salutares
que, pra toda gente, eram
águas de tudo sarar.
.
Muitos arrimados nessa
água balsâmica em fuga,
ergueram, ali, a capela
Nossa Senhora da Saúde;
onde também se venera
a memória-guardiã
de feitos que a história vela
em nomes e o amor irmana:
.
Dona Olegarinha em guerra
contra a vil escravatura,
recolhe os negros da rua
para esconder em suas terras.
Enquanto José Mariano,
alçando seu destro verbo,
diz que gente não tem dono
e grita: Viva a República!
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(A esse tempo cantavam
carregadores de piano:
.
“Em Beberibe eu estava
quando a notícia chegou:
Mataram Zé Mariano,
o comércio se fechou.
Mas a notícia era farsa,
Graças a Nosso Sinhô.
Olelê, vira moenda,
Olelê, moenda virou).
.
Olegário Mariano,
o poeta das cigarras,
deixou lá uma digital
do muito cantar romântico.
Um dia, cantou sua casa
que reviu triste vazia;
era a emoção da saudade
de quem saudades vivia.
.
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O rio, ao lado, é manso
e pontua nesses pagos
silente, íntimo e ancho,
familiar e capacho.
.
Mas não é servil; e não
mais do que água desfiada
em via de todo amanho
dessas raízes em caule.
.
Subúrbio que é refúgio
do homem amplo e solitário,
mas também quer-se maduros
feitos acesos nas almas.
.
Numa paisagem serena,
o Poço, hoje, traduz
o santuário ameno,
velado em paz, verde e sombra,
de herdades da cultura
da gente pernambucana.

O Recife esquece sua História, e apaga sua Memória, em troca de alguns trocados que se transformam em milhões nas mãos da agiotagem imobiliária.
Transcrevo trechos de leitura obrigatória para os que amam o Recife. Descubram os autores.
Lembro que o prefeito Antônio Farias cuidou da preser√ação do Poço da Panela. Um sítio histórico que se pretende destruir.
Por que as elites pernambucanas guardam o antigo rancor e desprezo por Zé Mariano e dona Olegarinha, a “mãe do povo”, a “mãe dos pobres”?

“Na nossa cidade entupida de arranha-céus e prédios banheiros existe um (de alguns) pequeno oásis, onde a história, o antigo e o passado foram tão bem preservados que passear por ali acaba se tornando um passeio tranquilo, bucólico e de certa forma, saudosista, mesmo que seja de um tempo que a gente não viveu. Como eu já disse um monte de vezes, a graça que eu vejo em construções antigas é imaginar as inúmeras histórias que por ali se passaram, seus personagens e suas vidas, fazendo parte de uma construção.

“Ao lado da Igreja está a casa do abolicionista José Mariano Carneiro Cunha. Um busto do grande tribuno e fundador do Clube do Cupim – instituição que defendia os escravos fugidos – encontra-se em frente ao pátio lateral da igreja, juntamente com uma imagem de um negro de peito nu, tendo nos pulsos correntes quebradas: símbolo da vitória diante a opressão.
Existem lendas de que a imagem do negro ganha vida durante as madrugadas e anda pelas ruas do bairro. Alguns moradores contam que a região é assombrada e que fatos sobrenaturais acontecem nos velhos casarões. O que se sabe, na verdade, é que o Poço da Panela mantém a beleza de seus casarões e a maravilhosa sensação de que o tempo não passou por ali.

Foto Ramona
“Esta cidade de Santo Antônio do Recife, apesar de inúmeros atentados ao seu patrimônio, ainda conserva verdadeiros testemunhos do seu passado, onde o tempo parece não ter obedecido aos ponteiros do relógio. Arruando por terras do antigo Engenho de Ana Paes (séc. XVII), no atual bairro da Casa Forte, o caminhante vai encontrar a Estrada Real do Poço, através da qual se chega ao Poço da Panela, uma espécie de santuário urbano com o seu casario e Igreja de Nossa Senhora da Saúde (séc. XVIII) a relembrar um tempo em que os banhos do Capibaribe faziam bem à saúde e eram parte da vida de toda a população”.
