A arte de governar

 

 

 

Bernard Bouton
Bernard Bouton

  por Gustavo Krause

 

O desuso do “Manifesto das sete artes”, publicado em 1923, que reconheceu o cinema como a sétima arte (hoje, são identificadas 11), deixa-me àvontade para incluir mais uma, a arte de governar.

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Muita gente vai torcer o nariz diante de tamanha ousadia. As pessoas, em geral, estão ressabiadas com o governo, qualquer governo, em especial o nosso, perito em malasartes e aívem um cara escrever sobre a arte de governar.

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Justifico. A expressão “arte” admite uma licença na linguagem coloquial que amplia seu sentido original e permite o uso para traduzir a combinação de elementos concretos e abstratos capazes de qualificar o fazer humano (cultura). De outra parte, governar éuma ação intensa, transformadora e de tal complexidade cuja força pode produzir o belo e o trágico. Nela estão contidos o exercício do poder, o jogo da política e a misteriosa essência do ser humano em toda sua grandeza e miséria.

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De outra parte, nunca é demais lembrar que a inseparável relação entre governo e política avaliza conceitos clássicos que mencionam “ciência da governação dos Estados”; “Arte e prática da governação das sociedades humanas”; e definições que acrescentam à arte e à ciência “a ética do bem comum”.

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Com efeito, o tempo das disputas eleitorais anima a reflexão sobre a arte de governar, reflexões, aliás, antigas, profundas e suficientes para abarrotar muitas bibliotecas.

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O apelo à concisão impõe o risco de me limitar a duas luminosas lições.

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A primeira vem da civilização grega, particularmente do pensamento aristotélico, que exaltava a moderação como a virtude excelsa do homem porque, distante dos extremos, encontra o justo no caminho do meio. É o contraponto dos excessos. Como toda virtude, é silenciosa e passível de ser adquirida. Virtude laica e religiosa que ensina ser moderado em tudo, sobretudo, na arte de governar, no perigoso manejo do poder, este fenômeno social que se resume no domínio de homens sobre homens.

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A outra lição vem do mais admirado e injuriado pensador, o florentino Nicolau Maquiavel. Maquiavel não era maquiavélico. Maquiavel foi um realista pessimista. Recomendava prudência e rejeição à ingenuidade, ou seja, recomendava o pessimismo preventivo que se traduz na seguinte linha de conduta: admitir o mal não significa desejá-lo, mas reconhecer que ele é tão provável quanto o bem desejado. Mirou no Príncipe, mas abriu os olhos do povo para o que é, para a natureza e o exercício do poder, abstraídas as prescrições do dever ser.

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Em resumo: a virtude da moderação e o pessimismo preventivo devem ser companhias permanentes de quem governa. Uma revela o grande desafio do ser; o outro ajuda a superar o desafio do fazer.

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Nas democracias, os governantes são eleitos na esperança de que cumpram os desígnios dos cidadãos. Não é difícil identificar carências e demandas sociais; não é difícil prometer políticas públicas e programas de governo devidamente embalados pelos modernos recursos do marketing político e do espetáculo midiático. A dificuldade fundamental do governante reside no pretenso dilema: atender o imediatismo das necessidades ou governar para as futuras gerações?

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A meu ver, o dilema é falso. Nem o populismo imediatista, nem o idealismo atemporal, isoladamente, dão sustentação ao bom governo.

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A propósito, governar não esgota o seu significado em gerir, administrar organizações, entre elas, o Estado; governar é dar rumos, dirigir, pilotar uma embarcação com o leme da clarividência de modo a abrir caminhos em direção a um porto seguro.

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Desta forma, a arte de governar exige a virtude da moderação no uso do poder, a visão equilibrada entre o agora e o depois, a resiliência diante de turbulências e tempestades.

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Com as eleições na porta e superada a fase das estranhas alianças (tratadas, aliás, com palavras que ferem ouvidos pudicos), está na hora de os candidatos demonstrarem que é possível, com uma visão de mundo, ideias e propostas viáveis governar com engenho e arte.

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No meu caso, ficaria satisfeito com uma agenda básica: (1) o trinômio, educação/conhecimento/inovação; (2) instituições democráticas/inclusão; (3) governo que funcione. E antes que esqueça: adicionar ao PIB, indicador de quantidade, o felicitômetro, indicador de qualidade.