Pai faz, mãe cria e a polícia dá sumiço

por Aganju Shakur JiJaga

(Fotografia- Morgana Damásio. A foto foi tirada na II Marcha (Inter)Nacional Contra o Genocídio do Povo Negro, organizada pela Campanha Reaja ou será mort@ Foto
 II Marcha (Inter)Nacional Contra o Genocídio do Povo Negro, organizada pela Campanha Reaja ou Será Mort@ Foto Morgana Damásio

Arão de Paula Santos, 23 anos, Luan Lucas Vieira de Oliveira, 20, Elenilson Santana da Conceição, 22, são três, dos treze jovens negros executados sumariamente por policiais militares da Rondesp em uma operação policial na madrugada da última sexta feira (06/02/2015) em Salvador-BA. Não foram um, dois, muito menos seis. São 13 jovens executados pela política de segurança pública genocida do governo democrático popular (PT) agora sobre o comando do Governador Ruí Costa.

A Chacina do Cabula ratifica os dados lançados recentemente pelo Índice de Homicídios na Adolescência, em que a Bahia é o segundo Estado brasileiro com maior concentração de assassinatos de jovens entre 12 e 18 anos. Ou mesmo as estatísticas levantadas pelo Mapa da Violência (2014) que apontam que o Brasil é o país que mais mata NEGROS no mundo. Além, é claro, dos dados dos próprios policias. Os Anuários da Segurança Pública (2012-2014) assinalam que a polícia da Bahia é a que mais matou em termos relativos em todo Brasil.
O Estado brasileiro é o país que mais mata negros/as no mundo e têm na policia da Bahia o principal agente impulsionador do aspecto mais manifesto do Genocídio do Povo Negro: o extermínio sistemático de jovens negros. Se a vida é bem mais que a luta de classes, como já disse Hamilton Cardoso, nós da Campanha Reaja ou Será Morta/o temos demonstrado nos últimos 10 anos que nossas mortes são bem mais que estatísticas: é política racial de Estado. Sendo assim, a Chacina dos 13 releva aspectos conjunturais e estratégicos da luta política Contra o Genocídio do Povo Negro.

Do ponto de vista conjuntural a atuação letal da Rondesp é reflexo de uma política de segurança pública pautada em uma lógica genocida, que coloca a instituição policial como um instrumento belicista a serviço do Estado e coordenado pelos partidos políticos, que tem o único e claro objetivo de abater o inimigo interno da nação: negros/as. É um fato inconteste que esse aspecto genocida da política de segurança pública na Bahia toma uma nova dimensão durante a gestão do governo democrático popular do Partido dos Trabalhadores (2006-2015), que vem nos últimos anos, através da atuação de “forças policiais especiais”, como a Rondesp (Salvador), Peto (Recôncavo) e Caatinga (Sertão da Bahia), tornando-se um Partido que se especializou tecnicamente e logisticamente em capturar e abater negros/as.

De fato a polícia da Bahia não tem nada a aprender com o Bope. Chacina para essa corja é sinônimo de trabalho bem feito, medalha de honra e declaração de apoio do secretário de segurança pública Maurício Barbosa, que em entrevista disse em alto e bom som sobre a chacina: “A resposta é essa. O estado tem que atuar de forma enérgica no combate a criminalidade e ao crime organizado. Defendo muito a vida dos meus policiais, o que importa é a vida dos policiais e da sociedade” (Mauricio Barbosa, em entrevista ao Jornal A Tarde).

Em perfeito consenso com às declarações do Secretário de Segurança pública foram às afirmações em entrevista coletiva do então Governador da Bahia Ruí Costa (PT):
“É como um artilheiro em frente a um gol, que tem que decidir em alguns segundos como é para colocar a bola para fazer um gol. Depois que a jogada termina, todos os torcedores da arquibancada, se foi feito o gol vai dizer que fez um golaço e vai repetir várias vezes na televisão. Se o gol foi perdido, o artilheiro vai ser condenado, se tivesse chutasse desse ou daquele jeito teria entrada”, afirmou o governador. Segundo ele, no entanto, a polícia deve agir como determina a legislação. “A polícia, assim como manda a constituição e a lei, tem que definir a cada momento, e nem sempre é fácil fazer isso. Qual o limite de energia e de força? Tem que ter a frieza necessária e a calma necessária e a escolha muitas vezes não resta muito tempo. São alguns segundos que nós temos para decisão”. (Entrevista coletiva)

No discurso do governo democrático popular as vidas de negros/as são comparadas a um jogo. O jogo do baralho do crime. O jogo dos contêineres utilizados para “estocar” presos. O jogo das operações lombrosianas: Saneamento I e Quilombo II. E agora um jogo de futebol onde faz mais gols quem mata mais preto. A Rondesp é o artilheiro em campo e o PT é o grande técnico e cartola dessa seleção da morte. A guerra arrasada contra as comunidades negras ganha um novo no hall na recente gestão do Governador Rui Costa, que já avisou que vai sentar o aço nos pretos favelados.

De fato as declarações do Governador não nos choca. Como já havíamos afirmado durante o ano eleitoral, esquerda e direita no Brasil possuem uma matriz racial-cultural comum, alicerçada no racismo e na consolidação de uma política de governabilidade da morte negra.

Rui Costa, desde o começo de sua campanha deixou bem claro para que veio, defendendo a pena de morte legal e apoiando senador que discursou a favor da prisão perpetua e redução da maioridade penal.

Não sem, é claro, o apoio político de um setor majoritário do Movimento Negro, a turma do “voto negro consciente” que mesmo lambendo muito saco dos supremacistas brancos de esquerda, perderam o lobe da “promoção da igualdade racial” e tiveram que engolir guela abaixo uma composição ministerial majoritariamente de homens brancos e uma SEPROMI hegemonizada por um grupo político que historicamente nunca pautou a questão racial.
Como é de costume, o governo, a polícia e a mídia tá botando tudo na conta do tráfico. Em nota o comando da polícia militar disse:

A Polícia Militar da Bahia esclarece que, na madruga desta sexta-feira (6), por volta das 2h40, policiais da Rondesp-Central receberam, via Centel, uma informação levantada através do Serviço de Inteligência da SSP, que um grupo suspeito composto por cerca de 30 pessoas planejava arrombar uma agência bancária na Estrada das Barreiras. Durante a diligência, a guarnição encontrou um veículo abandonado naquela região. Ao realizar a verificação da ocorrência, perceberam que os bandidos, cerca de 30 homens, estavam escondidos em uma baixada. Os policiais foram recebidos a tiros, e, neste momento, um sargento foi atingindo de raspão na cabeça. Em defesa, os PMs reagiram e atingiram 15 homens. Onze baleados morreram no local, três formam socorridos para o Hospital Roberto Santos e passaram por cirurgia, e um não corre risco de morte. O sargento da PM foi socorrido, medicado e liberado. Com os criminosos foram encontradas 16 armas, muitas de calibre restrito com carregadores alongados, e farta quantidade de droga (Nota da polícia militar).

A farsa se revela a todo o momento. De acordo fotos divulgadas pelos próprios policiais, os jovens tiveram os corpos perfurados pelos projeteis da Rondesp nas costas e cabeça, um forte indício de execução sumária. Também vários moradores, familiares e amigos já relataram que os jovens foram enfileirados nas viaturas e assassinados como cães. E a tese do comando da polícia militar de que ocorreria uma tentativa de roubo a caixas eletrônicos é uma grande piada, não precisa ser especialista em segurança, ladrão ou ter lido Manual do Guerrilheiro urbano, para saber que essas ideias não batem.

Na Bahia a morte negra é pensada politicamente pelo Partido dos Trabalhadores e gerida pela secretaria de segurança pública, que protege e justifica a matança desenfreada de negros/as, a partir de uma lógica de governabilidade alicerçada no racismo, colonialismo e no supremacismo branco de esquerda. Nós não somos a “sociedade”, somos menos que bichos, ou mesmo escravos, nós somos o inimigo a ser eliminado.

Ato Público contra Violência Policial dos Grupos de Extermínio e Desaparecimentos Forçados
Violência Policial. Ato público contra os Grupos de Extermínio e Desaparecimentos Forçados

No que concerne aspectos estratégicos da luta contra o genocídio do povo negro, a Cachina na Estrada das Barreiras também nos diz muito. Há 10 anos a Campanha reaja abriu caminho na (re)construção de uma política racial baseada nos princípios da ação direta nas ruas, no trabalho comunitário permanente em favelas, vilas, malocas, quilombos, cadeias e no enfrentamento direto e centralizado ao Genocídio do Povo Negro. Não Genocídio da população negra, muitos menos, genocídio da juventude negra. A luta política em curso é civilizacional e diz respeito à luta de libertação nacional de um Povo encarcerado em território hostil. Somos uma tradição radical de luta negra. Temos uma cultura política própria. Temos um modus operandi característico. Nós temos nossos marcos históricos e não é nenhum segredo que nos referenciamos no Black Party Panther, somos panteristas, nós acreditamos que PODER NEGRO é, sobretudo, autonomia e dignidade.

Estamos apontando para estruturação de um movimento social de maioria negra, que construa uma plataforma pan-africanista de enfrentamento ao Genocídio do Povo Negro, especialmente em seus aspectos mais manifestos: o extermínio sistemático de jovens negros e o encarceramento em massa do povo negro. Não somos sabidinhos, pelo contrário, nós instituímos a má educação na política racial. E é um fato latente que somos um perigo para elite política negra que, durante os últimos 12 anos, tem se sustentado na governabilidade supremacista branca de esquerda, através do silêncio e colaboração com o genocídio negro em curso. Esse grupo é nosso maior entrave organizacional, fizeram escola e tem muito menino/a nova geração 2000, de turbante, batinha da hora e textinho gringo trilhando o mesmo caminho, muitos escondendo-se entre nós. Não inimigos, muito menos aliados.

Ato Público contra Violência Policial. Ato público contra os Grupos de Extermínio e Desaparecimentos Forçados
Violência Policial. Ato público contra os Grupos de Extermínio e Desaparecimentos Forçados

Não foram três, quatro, seis, ou 10, foram 13 jovens negros executados pela Rondesp na estrada das barreiras. Não vai ter charge de Latuff, muito menos texto “polêmico” de Sakamoto. Aqui é Bahia disgraça! Sem massagem e solidariedade com os pretos da Bahia. Não vai ter campanha: Somos Todos Estrada das Barreiras, ou mesmo, passeatas como em Ferguson. No entanto, mesmo a turma da “promoção da igualdade” fingindo que não vê e os afrocentados preocupados em terminar o próximo capítulo do Dra. Karenga, por aqui, quando os policias matam pretos como baratas em nossas comunidades, se queima ônibus e barricadas são levantadas todas as semanas – Não tá no face, muito menos na TV.

Nós respeitamos as barricadas. Respeitamos os ônibus incendiados. É entre o ônibus incendiado e o choro das mães que estamos consolidando nossa tradição radical de luta negra. Pelas vielas, morros e becos a trilha sonora do levante negro bate alto nos alto falantes dos tabletes.
Aganju Shakur JiJaga, articulador da Campanha Reaja ou Será Morta/o
Cachoeira-BA, Fevereiro de 2015

 

Revista

Conte Lopes, “um matador de inocentes”

████████████████ O Vereador Conte Lopes, adepto da filosofia “matar ou morrer”, é um dos protagonistas da cena reacionária de São Paulo. Ele compõem como membro da “bancada da bala” na Câmara dos Vereadores de São Paulo, e é autor do Projeto de Lei 657/2013 que dispõe sobre a proibição do uso de máscaras e capuzes durante manifestações na cidade. Assim como a moda do prender para averiguação pegou, vamos todos averiguar ficha histórica do vereador, “cidadão de bem”, de acordo com o investigado por Caco Barcellos. Segue transcrição:“Em 1992, o assassino de Oseas é deputado estadual em São Paulo, cumprindo o seu segundo mandato, para o qual foi eleito com 50 mil votos. Já famoso nacionalmente como matador de bandidos, o capitão reformado da PM Roberval Conte Lopes é quem mais se alimenta e divulga sua própria fama. (…) Em abril de 92, Conte Lopes se envolveu em mais dois assassinatos contra civis, que elevaram para 42 o número de suas vítimas registradas em nosso Banco de Dados.

Na nossa lista dos dez maiores matadores da história da PM, Conte Lopes é o terceiro colocado, classificação que talvez o desagrade. O próprio capitão costuma afirmar com orgulho, em entrevistas à imprensa que matou entre 100 e 150 criminosos. Ele costuma se deixar fotografar com seu revólver na mão, cenas que ganham destaque nas páginas policiais dos jornais e já viraram capa de várias revistas do país.

Conseguimos identificar 36 das 42 vítimas de Conte Lopes registradas em nosso Banco de Dados. Constatamos que em muitos casos a morte poderia ter sido evitada, sem nenhum prejuízo à sociedade ou risco a pessoas inocentes. Nosso levantamento deixa claro que sua tática mais comum sempre foi agir de surpresa contra os suspeitos, em geral sem lhes dar nenhuma possibilidade de defesa. Como frequentemente escolhe os casos especiais para agir, é comum ter a seu lado PMs com um poderio de fogo muito superior ao da vítima, esta quase sempre acuada e em grande desvantagem. Uma forte evidência da sua intenção premeditada de matar os suspeitos é o grande número de vítimas mortas com tiros na cabeça. Detivemo-nos nos exames de cadáver de quinze pessoas mortas por Conte Lopes e verificamos que treze apresentavam ferimentos na cabeça, sendo que três delas haviam sido atingidas pelas costas.

(…) Ao investigar os antecedentes das vítimas de Conte Lopes que consegui identificar, eu também acreditava que o deputado fazia por merecer a triste fama de matador de criminosos. Ao final da pesquisa descobri que estava enganado. Pedi informações à Justiça Civil sobre o passado criminal de 25 pessoas mortas por Conte que consegui identificar, descobrir a data de nascimento e a filiação completa. Embora ele costume afirmar que só mata homens perigosos, que estupram e matam para roubar, constatamos que a verdade é bem outra. O resultado da pesquisa mostra que das 25 vítimas 12 já tinham estado envolvidas em algum tipo de crime, a maioria furto e roubo. Dessas, apenas duas se enquadravam no perfil de criminosos que Conte afirma perseguir: assaltantes que já haviam matado uma pessoa. Todas as outras 13 nunca haviam praticado nenhum crime e possuíam ficha limpa na Justiça. Depois de me certificar também nos computadores da polícia, cheguei ao mesmo resultado, um resultado que surpreendeu a mim mesmo. Minha investigação revela que muita gente se engana ao alimentar sua fama de matador de bandidos.

Em nosso Banco de Dados, pelo menos, o deputado Conte Lopes não passa de um matador de inocentes”.

Trecho do livro “ROTA 66”, capítulo 18 – “Deputado Matador”, de Caco Barcellos.

matar ou morrer

Homenagem à repressão?

Projeto de decreto legislativo de Salva de Prata à Rota avança na Câmara Municipal de São Paulo e vai na contramão da busca por justiça de transição

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por Marsílea Gombata

A Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal de São Paulo aprovou na quarta-feira 14 o projeto de decreto legislativo do vereador Paulo Telhada (PSDB) para conceder uma homenagem Salva de Prata às Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) da Polícia Militar de São Paulo.

A proposta prevê uma cerimônia que enaltecerá a “importância” do processo de formação da Rota, criada em 1970, assim como seu papel na repressão do regime dos generais. O projeto, de autoria do vereador que foi tenente da Rota entre 1986 e 1992 e tenente-coronel entre 2009 e 2011, tramitava na Casa desde abril.

Polêmico, o decreto encontrou forte oposição de alguns parlamentares da Casa, como os petistas Juliana Cardoso, Nabil Bonduki, Paulo Fiorillo e José Américo. Também foram contrários Orlando Silva (PCdoB), Toninho Vespoli (PSOL) e Gilberto Natalini (PV), que é presidente da Comissão da Verdade Vladimir Herzog, da Câmara Municipal.

No momento em que o Brasil vê efervescer, 28 anos depois do fim da ditadura, o debate sobre violações de direitos humanos e crimes de lesa humanidade perpetrados por torturadores do Estado no regime, a homenagem proposta pelo vereador eleito em 2012 parece ir na contramão daquilo que o País ainda não teve: justiça de transição – um conjunto de ações e processos, acordados no âmbito internacional, na passagem do regime ditatorial para a democracia. Embalada pelo andamento dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e das comissões locais, a sociedade brasileira revolve seu passado para esclarecer fatos obscuros de um regime que edificou mentiras, destruiu famílias e ceifou vidas.

Nunca é demais lembrar que a Rota não é apenas fruto da ditadura que assolou o País de 1964 e 1985, como também forneceu apoio e atuou como agente repressor. Assim como a Polícia Militar, a Rota é lembrança permanente da repressão e impunidade de autores de violações sistemáticas, que agem com frequência nas periferias dos grandes centros urbanos. São também resquícios de uma transição democrática tortuosa vivenciada pelo País depois da ditadura. Uma amarga lembrança da necessidade de reforma das instituições do Estado.

Desde que a antiga Força Pública virou PM, em 1969, o órgão se viu em meio a crescentes denúncias de assassinatos envolvendo policiais. Como lembrou em artigo o grupo Margens Clínicas, que oferece atendimento psicológico a vítimas de violência policial, números da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo de 2012 mostram que 547 mortes ocorreram em supostos confrontos policiais, o que representa um aumento de 25% em relação ao ano anterior. Não são poucas as denúncias contra a PM (da qual a Rota faz parte) de assassinato, abuso de autoridade e descaracterização da cena do crime.

Para o especialista em direito penal e direitos humanos Túlio Vianna, a Polícia Militar representa hoje um “modelo anacrônico de segurança pública que favorece abordagens violentas, com desrespeito dos direitos fundamentais”. Sua análise não é desprovida de coro. No fim de julho, a Human Rights Watch entregou uma carta ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), na qual se dizia “preocupada” com as “execuções extrajudiciais” cometidas por policiais. O levantamento da entidade, baseado na análise de boletins de ocorrência de “resistências seguidas de morte” – como São Paulo classificava até 2012 mortes cometidas por policiais em supostos confrontos –, mostrou que somente nos anos de 2010, 2011 e 2012 a Rota matou 247 pessoas. À época, José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch para as Américas, disse que “as provas colhidas nos casos analisados em São Paulo revelam um claro padrão: policiais executam pessoas e, em seguida, acobertam esses crimes.”

Em maio de 2012, o Conselho de Direitos Humanos da ONU apresentou um documento no qual apontou a situação degradante do sistema carcerário e a atuação da polícia militar como alguns dos principais problemas do Brasil, e recomendou a desmilitarização da polícia. A proposta, no entanto, foi integralmente rejeitada pelo Brasil.

Mas o debate sobre a necessidade de desmilitarização de uma polícia que, em tese, foi criada para proteger os cidadãos em vez de amedrontá-los, foi retomado depois da repressão policial que marcou os protestos de junho pelo País. A expectativa é que a própria Comissão Nacional da Verdade recomende em seu relatório final a desmilitarização das PMs. O tema é debatido desde o fim da ditadura, mas sem grandes avanços.

Sem mudanças importantes, as polícias militares – e seus grupos de elite – tendem a se tornar cada vez mais despreparadas frente às necessidades democráticas que o País apresenta.

Homenagear, portanto, o símbolo da repressão militar no momento em que joga-se luz nas violações de agentes torturadores do Estado e em meio à discussão sobre a desmilitarização da PM parece ser um ato para endossar o aspecto tenebroso de um período que o Brasil quer, de uma vez por todas, deixar para trás.

 

 

RACISMO. Os presídios medievais dos pobres negros e pardos. Chico Ferreira e a morte dos irmãos Novelino

O ricaço João Batista Ferreira Bastos, conhecido como “Chico Ferreira”, condenado a 80 anos de reclusão em penitenciária de segurança máxima pelo duplo assassinato dos irmãos Novelino, em abril de 2007, está “solto”.

O Díario do Pará teve acesso à decisão assinada pelo juiz Cláudio Henrique Lopes Rendeiro, juiz Titular da 1ª Vara de Execuções Penais da Região Metropolitana de Belém, datada de 12 de novembro de 2012 – que atendeu a solicitação do apenado feita pelo advogado Francisco das Chagas Fidelis.

O advogado juntou exames e laudos que comprovariam a solicitação de licença para tratamento de saúde e também uma possível revisão criminal, sendo que o Ministério Público, examinando a farta documentação, não concordou com a homologação dos cálculos da revisão criminal, e na decisão do pedido para tratamento de saúde deu parecer favorável -que foi sentenciado pelo juiz titular da Vara de Execuções Penais de Belém.

Em sua decisão, no que concerne à licença para tratamento de saúde, o juiz Cláudio Rendeiro observa que a doença que acomete Chico Ferreira “tem piorado o estado de saúde do mesmo”, conforme consta dos prontuários de atendimento: o aumento da frequência no atendimento de saúde realizado pela Casa Penal, bem como a frequência na saída, devidamente autorizada pela administração da casa, para atendimento médico.

O magistrado cita a jurisprudência que tem permitido a transferência de apenados a regime domiciliar para o tratamento de saúde, onde a lei processual penal garante ao preso assistência médica, ficando garantida a remoção para um hospital penitenciário. Não sendo possível sua internação por falta de condições, cabe ao condenado provar a ausência de estabelecimento similar ou que o regime domiciliar seja a melhor opção médica (HC nº 5402-SP, 5ª Turma, DJU de 1º-09-97).

Baseado nessa jurisprudência, que tem concedido benefícios nestes casos, e diante do princípio do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana, Rendeiro declarou em sua decisão: “Entendo que a concessão de licença para tratamento de saúde é perfeitamente cabível ao apenado, seja para resguardar sua saúde, quando o estabelecimento penal não possibilita o tratamento”.

O juiz Cláudio Rendeiro deferiu o requerimento formulado pela defesa de Chico Ferreira para conceder licença de 30 dias, a contar de 13/11/2012 e ao dia 12/12/2012, haja vista a necessidade de tratamento de saúde. O diretor do presídio CRA III recebeu a determinação e, na noite da última quarta-feira, 14, Ferreira foi , liberado.

Assassino Chico Ferreira
Assassino Chico Ferreira

Uma fonte que pediu anonimato disse ao DIÁRIO que Chico Ferreira foi retirado de sua cela na enfermaria do CRA-III em Americano pela parte da noite e levado a um automóvel preto, que já o esperava no portão de saída do presídio. A fonte não soube precisar para onde Ferreira foi levado.

Ouvido sobre o assunto, o advogado criminalista Osvaldo Serrão disse que o processo está dentro da legalidade. “O tratamento de saúde a um preso pode ser efetivado em duas situações: uma pelo juiz de execuções penais e a outra faculta o diretor do presídio tomar a decisão, levando em consideração o estado de saúde do detento”, afirma o advogado.

QUEM TEM DINHEIRO ESCAPA DAS PRISÕES MEDIEVAIS BRASILEIRAS

É o caso do jornalista e colunista político Ricardo Antunes, apesar de branco e com diploma universitário, preso incomunicável, desde o dia 5 de outubro último, antevéspera das eleições, em presídio de segurança máxima em Recife.

O perfil da população presa, no Brasil, reflete a desigualdade social e é discriminatória. Mais de 60% dos detentos cumprindo pena no país não conseguiu passar do ensino médio. Mais da metade tem menos de 30 anos e aproximadamente 60% são negros e pardos.

Reportagem da BBC informa: O sistema carcerário brasileiro abriga atualmente 514 mil detentos, mas possui vagas para apenas 306 mil — um deficit total de 208 mil vagas.

Os dados são de dezembro de 2011, a estatística mais recente divulgada pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça. Nader reforça as péssimas condições dos presos.

— Em algumas prisões, os detentos têm que se revezar para dormir, pois as celas estão tão cheias que todos os presos não podem deitar ao mesmo tempo.

Um levantamento do deputado federal Domingos Dutra (PT-MA), que foi relator da CPI do Sistema Carcerário (em 2008), identificou unidades prisionais onde cada detento tinha em média 70 centímetros quadrados para viver. Pela lei brasileira, o espaço mínimo necessário é 6 metros quadrados por preso.

TORTURA

Embora sejam relativamente frequentes, não há dados estatísticos nacionais confiáveis sobre casos de maus tratos e tortura no sistema penitenciário, segundo Nader.

De acordo com ela, o Brasil aderiu em 2005 a um tratado internacional que deu origem à elaboração de um projeto de lei que criaria o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura — um órgão que inspecionaria presídios para constatar abusos, entre outras ações preventivas.

Segundo o tratado, esse órgão deveria ter sido criado em 2008, mas até hoje o projeto de lei tramita no Congresso.

— Hoje há pouca punição para os responsáveis pelas agressões.

ASSASSINATO DOS IRMÃOS NOVELINO

Narra o Diário do Pará: O “caso irmãos Novelino”, como ficou conhecida a trama, teve um desfecho trágico depois que as vítimas receberam um telefonema do empresário Chico Ferreira, muito conhecido nas rodadas sociais como um dos mais novos ricos do Estado.

ATRAÇÃO

O contato seria para acertar, no escritório de Chico, uma dívida que até hoje não se tem conhecimento exato do valor.

Falaram no inquérito em R$ 4 milhões. Quando os irmãos Ubiraci Borges Novelino, de 38 anos, e Uraquitã Borges Novelino, 39, foram convidados para receber a quantia naquela noite de 25 de abril de 2007, a trama diabólica engendrada pelos parceiros de Chico Ferreira já estava montada. De acordo com o volumoso inquérito policial, foram sucessivas encenações mostrando que seria um crime quase perfeito.

Os irmãos Uraquitã e Ubaraci Novelino, barbaramente assinados em 2007
Os irmãos Uraquitã e Ubaraci Novelino, barbaramente assinados em 2007

As investigações da época apontaram o ex-radialista Luiz Araújo, que faleceu no ano passado, quando cumpria pena no Presídio Federal de Mato Grosso, como o intermediário para a contratação dos executores e responsável por toda a logística que terminaria com a morte dos irmãos.

Sem desconfiar que estivessem caindo numa armadilha, os irmãos Novelino chegaram à sede da empresa, na rua São Pedro, bairro Batista Campos. Era início da noite de 25 de abril. Foram rendidos por dois homens, identificados posteriormente como o ex-policial civil Sebastião Cardias e o ex-fuzileiro naval José Augusto Marroquim.

Tudo levava a crer que se tratava de um assalto, pois dentro da trama o empresário Chico Ferreira, considerado pela polícia como o mandante do crime, também foi dominado e levado para outra sala. Os irmãos, imobilizados, foram postos em um auditório da empresa e lá assassinados a golpes de pernas-mancas.

Em seguida, os corpos foram colocados em camburões e transportados em uma Fiorino da empresa até um porto na avenida Bernardo Sayão, sendo colocados em uma pequena embarcação e levados pelos executores até o meio da Baía do Guajará, onde foram jogados a 17 metros de profundidade.

O desaparecimento dos irmãos levou a família no dia seguinte à Divisão de Investigações e Operações Especiais. O pai das vítimas, o empresário Ubiratã Lessa Novelino, esteve cara a cara com o também empresário Chico Ferreira, que contou uma história digna de roteiro de um filme.

A VERDADE

A casa começou a cair depois que a polícia descobriu o carro que os irmãos utilizaram no dia do crime, sendo desmontado no sítio Gueri-Gueri, do ex-radialista Luiz Araújo. Preso, o acusado entrou em contradição e a prisão dos envolvidos na trama foi um efeito dominó.

Depois de Luiz Araújo, os delegados Gilvandro Furtado, Servulo Cabral, Evandro Martins, Justiniano Alves e um grupo de investigadores prenderam em uma clínica, no bairro do Reduto, o empresário Chico Ferreira, e na sequência o mecânico Messias de Jesus, contratado para desmontar o carro, e João Carlos Figueiredo, que pilotou o barco até a Baía do Guajará.

Faltavam as duas peças importantes para a Polícia Civil desmontar o esquema criminoso. Identificados pelo restante do grupo, o ex-policial civil Sebastião Alves Cardias se entregou ao juiz Paulo Jussara, sendo apresentado na DRCO e dias depois a polícia prendeu em Fortaleza, Ceará, o ex-fuzileiro naval José Augusto Marroquim de Sousa.

CONDENAÇÃO ESTÁ ENTRE AS MAIORES DO PARÁ

Com uma tramitação célere, os seis homens foram levados ao Tribunal do Júri em menos de seis meses. Do dia 21 de novembro de 2007, após uma das sessões mais longas do Tribunal do Júri, com plateia de vigília nos arredores do Fórum Criminal, o barqueiro João Carlos Figueiredo e o mecânico Messias de Jesus foram absolvidos a pedido do Ministério Público.

Já o mandante, Chico Ferreira, o intermediário Luiz Araújo e os executores Sebastião Cardias e José Augusto Marroquim foram condenados a 80 anos de prisão, sendo 60 anos pelo duplo homicídio, triplamente qualificado, e 20 anos pelos crimes conexos.

GUERRA PELA “INOCÊNCIA”

Começou uma guerra de advogados e, utilizando as “brechas” no meio jurídico, ainda conseguiram com que mais três tribunais do júri fossem realizados. Um deles foi anulado depois que advogados de Luiz Araújo abandonaram a defesa uma hora antes do veredicto dos jurados.

Todos os júris foram presididos pelo juíz Raimundo Moisés Alves Flexa e tiveram na acusação um dos mais brilhantes promotores do Tribunal do Júri: o promotor Paulo Guilherme Godinho.

Com direito a um segundo julgamento, os jurados mantiveram o resultado do primeiro júri condenando os quatro homens a 80 anos de reclusão, pena considerada uma das maiores já impostas no Pará.

OS CONDENADOS

Chico Ferreira e José Augusto Marroquim cumprem pena na Penitenciária de Segurança Máxima em Americano. Sebastião Cardias, se valendo de uma legislação em vigor, conseguiu vaga na Penitenciária Anastácio Neves, na qualidade de ex-policial.

O quarto integrante do grupo de criminosos, Luiz Araújo, morreu em 2010, quando cumpria pena na Penitenciária de Segurança Máxima de Campo Grande, vítima de complicações cardíacas.

O deputado estadual Alessandro Novelino, que denunciou Chico Ferreira, também morreu em um avião que, misteriosamente, explodiu
Deputado estadual Alessandro Novelino, que denunciou Chico Ferreira como assassino dos seus dois irmãos, morreu em um avião que, misteriosamente, explodiu

Destroços do avião
Destroços do avião

A guerra interna no front de Santa Catarina

A guerra interna – que envolve as policias estaduais, as milícias (forças paramilitares formadas por policiais bandidos, policiais renegados, alcaguetes, justiceiros, cabos eleitorais, políticos, diferentes legiões de almas sebosas ) e as máfias faveladas e paraguaias – tem destaque na imprensa hoje:

O que fazer para acabar com a guerra? Eis uma acertada resposta:

Todos os legionários são pagos. De onde vem o dinheiro, ou melhor, em que caverna de Ali Babá permanece guardado o encantado tesouro que paga o soldo?