Espanha: O Brasil se revolta a cada imagem

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A última foto brutal, que remonta à época da escravidão, mostra um rapaz negro, pelado, espancado e esfaqueado na orelha, amarrado a um poste pelo pescoço com uma trava de bicicleta

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Nova argola de prender negros
Nova argola de prender negros

MARÍA MARTÍN / FRANCHO BARÓN São Paulo / Rio de Janeiro / El País

O Brasil se contorce por imagens, cada vez mais fortes. Elas parecem gravar-se a fogo nas pupilas dos receptores, criam debate e, em seguida, são esquecidas diante da brutalidade da próxima foto. Assim aconteceu com aquela imagem do policial ferido por uma pedra durante as manifestações de junho, com o rosto roxo de uma jornalista ferida por uma bala de borracha, com as decapitações no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, ou com as cacetadas dos policiais nos negros da periferia que curtiam um rolê em um shopping de São Paulo.

A última imagem poderosa, que rememora também uma outra época, a da escravidão que durou até 1888 no Brasil, mostra um adolescente negro, pelado, espancado e esfaqueado na orelha, amarrado a um poste pelo pescoço com uma trava de bicicleta. O rapaz, sem nome conhecido e com três passagens por roubo segundo a polícia, foi amarrado à vista de todos por um suposto grupo de justiceiros na Zona Sul do Rio. Foi apenas uma mulher, Yvonne Bezerra de Melo, de 66 anos, quem ligou para os bombeiros para libertá-lo. Yvonne, embora defendida por muitos, foi insultada por meio das redes sociais por ter libertado um bandido.

Em todas essas imagens o debate acaba sendo o mesmo. De um lado se clama para que essa –ou aquela- foto não se repita nunca, porque lembra a escravidão, a ditadura, e que não tem lugar em uma democracia. Do outro ainda se ouve o velho discurso de “bandido bom, é bandido morto”.

Os roubos aumentaram 60% no bairro

Diante da recente recuperação dos índices de criminalidade e de uma sensação generalizada de crescente insegurança, o Rio de Janeiro acaba de ressuscitar o velho fantasma dos grupos de civis justiceiros que aplicam a lei e a ordem à vontade.

Em resposta à avalanche de críticas, a Polícia Militar do Rio abordou na última segunda-feira um grupo de 14 indivíduos, de idades entre 15 e 22 anos, autodenominados “Justiceiros do Flamengo” e vizinhos de vários bairros de classe média, acusados de tentar agredir dois jovens de uma favela próxima. A delegada responsável por ambos os casos, Monique Dias, declarou que podem existir conexões entre as duas agressões e que suas equipes trabalham para identificar os responsáveis.

Conforme alguns depoimentos, este grupo diz ter sua origem no descontentamento da comunidade do Flamengo pelos constantes assaltos em um precioso parque que o separa da Baía de Guanabara. Flamengo é um bairro que serve de ponte entre a nobre zona sul do Rio e o centro da cidade. Antigamente, viveu períodos de esplendor e seus aristocráticos edifícios orientados para o mar albergam amplos apartamentos difíceis de se encontrar em outras zonas do Rio. Deles, é possível contemplar uma imponente vista do Pão de Açúcar e da sinuosa Baía de Guanabara. Hoje, no entanto, suas ruas se tornaram um local pouco recomendável para passear a certas horas da noite.

Há anos que o Parque do Flamengo é palco de ondas de assaltos. Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio, os roubos a pedestres registrados nesta área aumentaram mais de 60% em 2013 em comparação com o mesmo período do ano anterior (de janeiro a outubro).

A apresentadora do SBT Rachel Sheherazade apoiou em horário de máxima audiência o que para essa gangue seria uma tentativa de impor a ordem no bairro. Sheherazade disse que a atitude é “até compreensível” por conta da onda de violência que vivemos no Brasil e que, frente à omissão do Estado, resta ao “cidadão de bem” se defender. Seu discurso foi elogiado nas redes sociais junto a mensagens de amor incondicional, enquanto outros a criticaram. Esses mesmos grupos de justiceiros teriam também a missão de limpar a região dos gays e dos negros, conforme o relato de um vizinho do Aterro do Flamengo que foi alvo dos ataques da gangue.

“Estas questões sempre existiram, a grande diferença é o processo de comunicação. Esse processo de globalização de informação banalizou o sofrimento e as cenas têm uma conotação quase que virtual… tudo é muito imediato e descartável”, afirma a socióloga Elza Pádua, autora da tese Esquizofrenia Social.

“Como a sociedade brasileira esta se comportando a respeito disso? Estamos tão horrorizados quanto com a guerra de judeus contra árabes, quanto a mulher que é estuprada na Índia… O que apenas diferencia esses caos dos nossos é a proximidade. É o sentimento de pânico pela proximidade. Estamos realmente no limite, agora começa um problema muito sério, que é como você lida com uma realidade como esta sem enlouquecer”, completa Pádua.

“E a única forma de lidar é sair desse principio individualista que a gente tem, pensar que o que acontece lá fora é nossa responsabilidade também. É urgente que a gente perceba isso e saia dos processos individualistas. Só no olhar do outro como parte de você, só se preocupando com outro como parte de você, vai dar possibilidade de mudar o caos ao que chegamos. Não tem uma outra maneira de produzir uma mudança, senão considerar essa mudança fundamental para si mesmo”.

A imagem daquele rapaz de 16 anos foi superada poucos dias depois pelo brutal registro de uma chacina da PM do Rio em uma operação contra o tráfico em uma favela. Seis cadáveres –negros- e rios de sangue. Mas a plateia já parece anestesiada.

Quem acredita em versão policial? Os soldados de Alckmin prendem e arrebentam

polícia repressão terrorismo

Os Advogados Ativistas, grupo que defende voluntariamente manifestantes presos durante protestos públicos em São Paulo, denunciaram ilegalidades na coleta do depoimento do jovem Fabrício Proteus Chaves. O rapaz de 22 anos foi ouvido por três delegados em seu leito hospitalar na UTI da Santa Casa de Misericórdia, centro da capital, para onde foi levado no sábado (25) após ser alvejado à queima-roupa no tórax e na genitália por dois PMs.

“A colheita do depoimento foi ilegal

porque, no momento em que os delegados colheram o depoimento do Fabrício, ele tinha acabado de sair do coma, estava internado numa UTI, estava sob efeito de morfina, e esse depoimento foi assinado com o dedão. Daí você imagina o valor legal que tem esse documento”, explicou um dos integrantes dos Advogados Ativistas, Geraldo Santamaria Neto, em coletiva de imprensa. “Seus pais não puderam acompanhar o depoimento. Ele ficou sozinho com três delegados no quarto.”

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De acordo com a assessoria de imprensa da Santa Casa, Fabrício Proteus Chaves deixou o coma induzido poucas horas antes do interrogatório. Durante o depoimento, ainda segundo o hospital, o estado de saúde do jovem era estável, inspirando cuidados intensivos. Hoje, os médicos afirmam que o rapaz está consciente, comunicativo e apresentando evolução satisfatória. Fabrício perdeu um testículo e pode ter alguns movimentos do braço direito comprometidos – atualmente, está paralisado.
Ameaças

ADVOGADOS AMEAÇADOS DE MORTE

Além de denunciar as condições ilegais em que os delegados tomaram depoimento do jovem, os Advogados Ativistas, que representavam judicialmente o rapaz, afirmaram que receberam “ameaças de morte” para sair do caso. “Na segunda-feira (27), nas imediações do hospital, fui abordado por alguém chamando meu nome. Essa pessoa estava dentro de um carro e pediu que a gente se retirasse do caso, mostrando uma arma”, conta Daniel Biral, 33 anos, um dos integrantes do grupo.

Como advogado criminalista e defensor de manifestantes, com presença constante em protestos de rua, Biral afirma que ameaças são comuns e que essa não é a primeira que ele e seus colegas recebem. “Só que nunca quisemos denunciá-las à imprensa. Não tinha nem motivo”, ressalva. “O grande motivo por termos aparecido agora é por causa desse caso específico, que estávamos cuidando, e tinha uma necessidade de mostrar a cara e falar que tem alguma coisa errada.”

“Não sabemos quem fez a ameaça, mas a ameaça foi específica com relação a esse caso do Fabrício, para a gente sair do caso. E também para deixar de defender manifestantes”, complementa Geraldo Santamaria Neto, sublinhando que, pese aos riscos, o grupo tinha decidido continuar no caso. De acordo com André Zanardo, outro membro dos Advogados Ativistas, a família do jovem havia até mesmo assinado uma procuração constituindo o grupo como os representantes de Fabrício perante a Justiça.

(…) porém, no dia seguinte, parentes entraram em contato com os advogados e, sem maiores justificativas, invalidaram o documento. “Algo ocorreu nesse meio-tempo, e a família nos desconstituiu do caso”, explica Zanardo, que não soube dizer por que a família de Fabrício tomou essa decisão ou se seus pais também receberam algum tipo de ameaça. Os Advogados Ativistas vinham acompanhando e prestando assistência jurídica ao jovem baleado.

“O caso está estranho desde o começo”,

afirma Luiz Guilherme Ferreira, integrante do grupo. “Desde a obscura versão oficial até a falta de informações aos familiares, passando pela colheita ilegal do depoimento de Fabrício, o que vemos é um interesse político atípico, que é confirmar a todo custo a versão dos policiais.” Ferreira ecoou nota do Ministério Público, que ontem repreendeu o governo do estado por inocentar os policiais antes de qualquer investigação.

“Parece-nos oportuno lembrar à Secretaria de Segurança Pública que o único órgão legitimado para imputar e enquadrar conduta criminosa a alguém é o Ministério Público. Caso contrário, existe o risco de Fabrício deixar de ser uma vítima policial para ser também uma vítima política”, continuou. “Percebe-se que as investigações mal começaram e os órgãos deslegitimados já estão até condenando.” Transcrevi trechos de um texto de Tadeu Breda. E acrescento que versão policial não tem lá muito crédito. Veja links dos casos Amarildo, chacina da família Pesseghini, e de um jovem, que antes de falecer, perguntou para um PM: – Por que o senhor atirou em mim?

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135 PROTESTANTES PRESOS 

De um texto de Thiago de Araújo:
Zanardo e um grupo de advogados prestaram auxílio jurídico aos 135 manifestantes detidos pela polícia durante o protesto no centro da capital, sendo a maioria levada para o 78º Distrito Policial, nos Jardins, e para outras delegacias na região central. Todos foram ouvidos e liberados em seguida. No caso de Chaves, a versão dos policiais é de que ele teria tentado fugir e agredir os agentes com um estilete, após ter um coquetel molotov encontrado em sua mochila.

O advogado vê um relato “absurdo” e “desproporcional” para justificar os disparos, que atingiram o tórax e o pênis do manifestante, encontrado na esquina das ruas Sabará e Piauí que está internado em estado grave, porém estável, de acordo com o que informou a assessoria de imprensa da Santa Casa no início da noite deste domingo.
— Parte da versão dos fatos que eles relataram é que ele estivesse com coquetel molotov na mão, e isso é algo que você aprende no direito: é preciso ter proporcionalidade na ação. Você está com coquetel molotov na mão, então a primeira pergunta que faço é se ele estava aceso ou apagado. Se estivesse apagado, não oferece risco. O risco do objeto é muito pequeno e a agilidade para ele acender é ridícula. (Chaves) poderia ser contido com gás de pimenta no caso.

Zanardo disse ainda ter testemunhado a presença de pelo menos dois policiais na entrada do ambulatório da Santa Casa. Segundo ele, tal fato caracterizaria que o manifestante já seria considerado preso e, por isso, justificaria uma escolta. O fato – não confirmado pelo hospital – estaria, inclusive, trazendo dificuldades à família do rapaz em ter informações sobre o seu estado de saúde.

— O que posso dizer é que as informações estão completamente sendo cerceadas, a família está com dificuldade de ter acesso ao garoto. Há dois policiais acompanhando, porque ele está detido, só que isso não é usual acontecer. Ele está em coma induzido, então não há essa necessidade porque ele não pode se locomover. Então o Estado está gastando a sua força policial por uma desnecessidade.

Já a SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou, em nota, que “não há escolta”.
“A Polícia Militar informa que esperou no hospital a autoridade policial deliberar se Fabrício Proteus Nunes Fonseca Mendonça Chaves seria preso ou não.

‘Rolezinhos’ denunciam a sociedade desumana, injusta e segregada

por Leonardo Boff

Cau
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O fenômeno dos “rolezinhos” que ocuparam shopping centers no Rio e em São Paulo suscitou as mais disparatadas interpretações. Eu, por minha parte, interpreto da seguinte forma tal irrupção. Em primeiro lugar, são jovens pobres, das grandes periferias, sem espaços de lazer e de cultura, penalizados por serviços públicos ausentes ou muito ruins, como saúde, escola, infraestrutura sanitária, transporte, lazer e segurança.

Veem televisão, cujas propagandas os seduzem para um consumo que nunca vão poder realizar. E sabem manejar computadores e entrar nas redes sociais para articular encontros. Seria ridículo exigir deles que teoricamente tematizem sua insatisfação, mas sentem na pele o quanto nossa sociedade é malvada porque exclui, despreza e mantém os filhos e filhas da pobreza na invisibilidade forçada.

O que se esconde por trás de sua irrupção? O fato de não serem incluídos no contrato social. Estar incluído nesse contrato significa ter garantidos os serviços básicos: saúde, educação, moradia, transporte, cultura, lazer e segurança. Quase nada disso funciona nas periferias. O que eles estão dizendo com suas penetrações nos “bunkers” do consumo?

Eles estão, com seu comportamento, rompendo as barreiras do apartheid social. É uma denúncia de um país altamente injusto (eticamente), dos mais desiguais do mundo (socialmente), organizado sobre um grave pecado social, pois contradiz o projeto de Deus (teologicamente). Nossa sociedade é conservadora e nossas elites, altamente insensíveis à paixão de seus semelhantes, por isso, cínicas.

DESIGUALDADE

Em segundo lugar, eles denunciam nossa maior chaga: a desigualdade social, cujo verdadeiro nome é injustiça histórica e social. Releva constatar que, com as políticas sociais do governo do PT, a desigualdade diminuiu, pois, segundo o Ipea, os 10% mais pobres tiveram, entre 2001 e 2011, um crescimento de renda acumulado de 91,2%, enquanto a parte mais rica cresceu 16,6%.

Mas essa diferença não atingiu a raiz do problema, pois o que supera a desigualdade é uma infraestrutura social de saúde, escola, transporte, cultura e lazer que funcione e seja acessível a todos. O “Atlas da Exclusão Social”, de Márcio Pochmann (Cortez, 2004), nos mostra que há cerca de 60 milhões de famílias no Brasil, das quais 5.000 detêm 45% da riqueza nacional. Os “rolezinhos” denunciam essa contradição. Eles entram no “paraíso das mercadorias” vistas virtualmente na TV para vê-las realmente e senti-las nas mãos.

Eis o sacrilégio insuportável para os donos dos shoppings. Estes não sabem dialogar, chamam logo a polícia para bater e fecham as portas a esses jovens. Os marginalizados do mundo inteiro estão saindo da margem e indo rumo ao centro para suscitar a má consciência dos “consumidores felizes” e lhes dizer: essa ordem é ordem na desordem.

Por fim, os “rolezinhos” não querem apenas consumir. Eles têm fome, sim, mas fome de reconhecimento, de acolhida na sociedade, de lazer, de cultura e de mostrar o que sabem: cantar, dançar, criar poemas críticos, celebrar a convivência humana. E querem trabalhar para ganhar a vida. Tudo isso lhes é negado porque, por serem pobres, negros, mestiços, sem olhos azuis e cabelos loiros, são desprezados e mantidos longe, na margem.

Essa espécie de sociedade pode ser chamada ainda de humana e civilizada? Ou é uma forma travestida de barbárie? Esta última lhe convém mais. Os “rolezinhos” mexeram numa pedra que começou a rolar. Só vai parar se houver mudanças.

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Repor uma História branqueada

por JOANA GORJÃO HENRIQUES (TEXTO) E VERA MOUTINHO (FOTO)

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É o segundo país com mais negros no mundo, a seguir à Nigéria. Tem mais de 50% de população negra entre os 200 milhões de habitantes. E, no entanto, o papel dos negros no Brasil foi ignorado durante séculos, ao ponto de só em 2003 ter sido introduzida uma lei que torna obrigatório o ensino da história africana e afro-brasileira nas escolas.

É por isso que entrar no Museu Afro Brasil, que ocupou um pavilhão desenhado por Oscar Niemeyer, em pleno Parque Ibirapuera, é sentir de imediato o statement do seu ideólogo, Emanoel Araújo, um dos nomes importantes da cena cultural de São Paulo (que entrevistámos para uma das nossas reportagens): a arte vem repor uma História branqueada, sim, e num espaço nobre, de poder.

Advogados denunciam a liberdade excessiva que é dada à polícia para reprimir os cidadãos

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████████████████ (CONTEÚDO DA NOTA DIVULGADA NA COLETIVA) Nós somos advogados que atuam em prol dos manifestantes sem a ajuda de qualquer organização ou associação de classe. Não somos e nem pretendemos ser representantes de nenhum grupo ou movimento. Não falamos pelas vozes da rua. Apesar disso, estamos nas ruas pelos direitos de quem quer se manifestar, o que tem sido muito difícil ultimamente diante da liberdade excessiva que é dada à polícia para reprimir os cidadãos.

A partir do momento em que é colocado como prioridade o investimento em um megaevento como a copa do mundo enquanto a população não tem acesso aos direitos básicos como saúde, segurança, saneamento básico, educação, transporte, etc. uma manifestação, além de legítima, se torna uma obrigação para determinadas pessoas.

No ano passado foram mais de 300 pessoas detidas pela Polícia Militar nas manifestações e tantas outras brutalizadas por esta mesma polícia. Felizmente e acertadamente, em diversas prisões ilegais, as pessoas foram liberadas pela Polícia Civil.

Reforçando o cenário de prisões a esmo efetuadas pela PM, no final de semana em que Fabrício foi alvejado pela polícia, aproximadamente 130 pessoas foram detidas e foram liberadas imediatamente. Porém, como sabemos, nem todos tiveram a possibilidade de voltar andando para casa porque, infelizmente, além das prisões, vemos diversos casos de manifestantes feridos gravemente durante as manifestações de rua e desta vez foi a vez de Fabrício Proteus ser brutalizado a mando do poder executivo do Estado.

Fabrício Proteus, de 22 anos de idade, trabalhador, estoquista, estava em uma manifestação no último dia 25 de janeiro. Fabrício tinha trabalhado até as 17hs daquele sábado quando foi para a manifestação.

No final dela, após a polícia montar uma ratoeira para prender manifestantes, Fabrício foi alvejado por 2 tiros, abrindo talvez a temporada 2014 de violência policial em manifestações. Tratou-se de uma operação desastrosa que demonstrou a incapacidade desses maus policiais de realizar abordagens sem tentar matar os cidadãos.

Esse caso está estranho desde o começo. Desde a obscura versão oficial até a falta de informações aos familiares, passando pela colheita ilegal do depoimento do Fabrício no hospital, o que vemos é um interesse político atípico no caso. Querem confirmar a todo custo a versão dos policiais.

Ressalte-se que quando se tornou público que os Advogados Ativistas estavam atuando em defesa da vítima Fabrício, um dos advogados do grupo recebeu uma ameaça de morte para que saíssemos do caso e da atuação nas ruas.

São inaceitáveis estas ameaças dentro de um Estado Democrático de Direito. Atitudes como a da polícia, do governador do estado de São Paulo e do secretário de segurança pública nos remetem aos duros tempos da ditadura.

Parece-nos oportuno lembrar à secretaria de segurança pública que o único órgão legitimado para imputar e enquadrar conduta criminosa a alguém é o Ministério Público.

Caso contrário, existe o risco do Fabrício deixar de ser apenas vítima policial para ser também uma vítima política. Percebe-se que as investigações mal começaram e órgãos deslegitimados já estão até o condenando.

Parece claro que o secretário está legitimando a polícia a agir de forma desproporcional, o que ocorre tanto nas favelas quanto nas ruas e acontece, agora, nas manifestações populares.

Nós defenderemos sim Fabrício Proteus, assim como defenderemos a legalidade nas ruas. Agora falando em nosso nome e de todos que sofrem com a truculência diária, não nos renderemos a essa agenda de repressão estatal.

Chamamos esta coletiva de imprensa, ainda na qualidade de advogados do Fabrício, para expor as ilegalidades e pontos obscuros que tem ocorrido neste caso, inclusive a ameaça de morte que sofremos.

Porém, quando já marcada esta coletiva, recebemos a notícia dos familiares que não nos querem mais como advogados no caso e, assim, não podemos dar mais detalhes. Isto nos foi avisado sem maiores explicações, mas respeitamos a decisão da família. Diante de todas as circunstâncias a conclusão fica para cada um.

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Nota do editor do blogue: Ainda em São Paulo, o inquérito da chacina da família Pesseghini: a prevalecente versão da polícia contra a verdade, a realidade dos fatos.  Veja links

 

Entre ‘supostos’ e ‘suspeitos’, o noticiário está pior a cada dia

por Moacir Japiassu

“Aqui dorme Bocage, o putanheiro;

Passou vida folgada e milagrosa;

Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro”.

(Epitáfio que o poeta legou a todos nós)

Entre ‘supostos’ e ‘suspeitos’, o sofrível noticiário está pior a cada dia

O considerado Luiz Fernando Perez, um dos melhores jornalistas do Brasil, velho amigo e companheiro no Correio de Minas de 1962, despacha de seu escritório na Praça da Savassi, em Belo Horizonte:

 Não sei se é falta de jornalismo (afinal, ‘suposto’ significa dois anos de desinformação) ou excesso de zelo (de novo, o suposto) para evitar processos judiciais. Qualquer que seja o caso, porém, não dá para suportar títulos como o estampado no portal de O Globo, completado pelo condicional do ‘bigode’, nesta sexta-feira, 17 de janeiro:

* Hollande e Julie Gayet mantêm suposto affair há dois anos

* Romance secreto entre presidente da França e atriz teria começado durante a corrida presidencial de 2012

(De qualquer forma, trata-se de um atestado de incompetência jornalística.)

Janistraquis concorda e confessa que está de saco cheio com tais, digamos, improficiências:

“Muitas vezes o bandido é preso com a arma na mão, confessa o crime e os repórteres e apresentadores a ele se referem como ‘suspeito’. Ora, suspeito é primo-irmão de suposto e ambos devem ir para a…”

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[O escritor Moacir Japiassu – meu romancista preferido, que historiou as duas principais “revoluções” republicanas: 1930, “Concerto para Paixão e Desatino”; e 1964, “Quando Alegre Partiste, Melodrama de um Delirante Golpe Militar”- mandou, via imeio, reproduções de capas dos jornais franceses

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para a comparação com o “suposto” e “suspeito” jornalismo

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praticado no Brasil hoje.]

Do Jornal da ImprenÇa, escrito por Moacir Japiassu, transcrevo

PRONUNCIA CERTA

Rolé ou rolê?
Rolé ou rolê?

O mesmo Luiz Fernando dá a receita, ou melhor, aponta o caminho das pedras aos repórteres e editores que não têm muita intimidade com o idioma:

Nestes tempos de farras adolescentes nos shoppings (às vezes contaminadas por militantes de partidos políticos, entidades sindicais e marginais), seria muito saudável que repórteres e editores consultassem o VOLP, para aprender a pronunciar e a escrever as palavras rolé e rolezinho.

Faladas, ambas têm o som aberto e não como muitos vêm dizendo: ‘rolêzinho”. Na escrita, dispensam as aspas, pois rolé, que significa passeio, volta, consta do VOLP, na página 727, à frente de rolê (movimento de capoeira ou enrolado).

Em tempo: VOLP significa Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, cartapácio editado pela Academia Brasileira de Letras, com os vocábulos da língua culta. Está na quinta edição (de 2009) e incorpora as mudanças do Acordo Ortográfico de 12 de outubro de 1990, ainda não oficialmente em vigor, devido a novo adiamento.

As duas grafias também constam de ‘antigos’ dicionários, como a segunda edição do Aurélio, de 1986.

VELHICE

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Espalharam pelo mundo afora que um “estudo alemão” garante: excesso de conhecimento causa falha de memória na velhice. A revelação deixou Janistraquis preocupadíssimo; é que aos 72 anos, íntimo da obra de filósofos e escritores vitais, ele acaba de anunciar matrícula num curso de alemão para ler Kant no original. Todavia, não consegue se lembrar quando começa —  nem aonde.

DAR EM PÚBLICO

dar

A considerada Ester Ionetta Restier, professora paulistana aposentada, envia trecho de entrevista da Folha com a artista Marina Abramovic, de 67anos, vista pelos fãs como “o maior nome da performance de todos os tempos, um mito vivo.”

Marina — “(…) Performance é uma forma muito direta de arte, não é como uma pintura na parede. É uma arte baseada no tempo, está acontecendo daquele jeito, naquela hora e, se você não prestar atenção, perdeu.”

Folha — “Mas esse é um gênero que caiu em decadência e hoje tenta se recuperar. Como vê ações polêmicas, como a do estudante britânico que anunciou que vai perder a virgindade anal diante da plateia em Londres?”

Marina — “Existe arte boa e arte ruim. Não importa se ele vai mesmo perder a virgindade ali. O que importa é a energia que ele cria com esse trabalho, se isso for capaz de atingir alguma ressonância para aqueles que estão ao redor.”

Dona Ester, que se diz “mais vivida do que Marina Abramovic”, ficou perplexa com a resposta do “mito vivo”:

“Um jovem que anuncia a perda da virgindade anal em público deveria enojar qualquer pessoa; isso de ‘atingir ressonância para aqueles que estão ao redor’ é coisa de quem não sabe do que está falando!”

Janistraquis, que não se escandaliza com mais nada neste mundo, tem certeza de que o tal jovem está mentindo ao se referir à virgindade anal:

“O que essa bichona já fez por aí entre quatro paredes não deve estar no gibi…”

APARTHEID NEGRO. Rolezinho, uma invasão do espaço dos brancos

Rolezinho devem acontecer sim, do jeito que rolam em diferentes partes do mundo: para combater o isolamento, a falta de locais de lazer dos jovens pobres.

No Brasil, os rolezinhos nasceram para combater o apartheid dos jovens negros e pardos, que vivem cercados nos cortiços do centro e nas favelas das periferias das grandes cidades. Presos nos guetos e favelas.

Não há locais de lazer para o povo, além das praias fluviais e marítimas. Recife é uma cidade que não tem nenhum passeio público, e o espaço urbano da capital pernambucana está todo grilado pela especulação imobiliária. Veja o escândalo desta manchete bem demonstrativa do descaso da prefeitura de Cuiabá:

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Vários prefeitos – com a desculpa de fazer caixa – vendem terrenos baldios, ruas e praças para as construtoras. Ainda no Recife, temos a Bacia do Pina toda destinada para o rasga céu de pavorosas torres, e o rasga verde da destruição dos manguezais, inclusive para a construção de uma autopista, com investimento de meio bilhão de reais do governo, para beneficiar um empreendimento privado, oficializando o tradicional abuso da violentação dos shoppings em bairros residenciais.

Os rolezinhos contra o apartheid nos shoppings recebem da imprensa  elitista e patronal  manchetes terroristas, reverberando ameaças da polícia e da justiça.

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Shopping não é local para comício. A simples presença do jovem negro  uma chocante e reveladora denúncia contra o racismo, a prova de que o aparheid existe. Outros tipos de protestos sejam organizados, principalmente, nas ruas e praças.

Dos prefeitos a obrigação de construir hortos e parques; passeios públicos e praças; centros culturais e desportivos.

O Brasil não investe em  lazer. E nada se faz que preste para o povo.

Latuff
Latuff

Rolezinho rola até Não Vai Ter Copa

JOANA GORJÃO HENRIQUES (TEXTO) E VERA MOUTINHO (VÍDEO)

Um enorme centro comercial, Iguatemi do Lago Norte, o mais frequentado pela classe alta de Brasília, fecha as suas lojas de luxo a um sábado à tarde. Fica cercado por polícia e por homens que olham de frente quem se aproxima. No lado de fora, um grupo de não mais de duas dezenas de rolezeiros — muitos deles estudantes universitários, alguns de juventudes partidárias e uns quatro jovens da periferia – saca de uma coluna de som, e põe a tocar funk e até o Geração Coca-Cola dos Legião Urbana. Num terceiro grupo, uma dezena de jornalistas sentados na relva tecla ao computador.

Em Junho, isto chamar-se-ia protesto, hoje chamou-se rolezinho e foi marcado no Facebook por um grupo de amigos activistas (entre eles Pilar de Freitas, Serginho Lopes e Franklin Rabelo de Melo, que irão conhecer numa das nossas reportagens): quiseram estar solidários contra a violência policial exercida em rolezinhos passados. Rolezinhos são encontros marcados pelas redes sociais entre jovens da periferia para irem passear dentro do centro comercial, juntando às vezes grandes grupos, e estalou um polémica recentemente porque alguns shoppings em São Paulo barraram a entrada a jovens e por a polícia ter usado balas de borracha e violência.

De manhã, os jornais tinham anunciado que o shopping Iguatemi iria fechar, portanto a organização já estava à espera que não aparecesse muita gente. Mas o aparato policial dá afinal ainda mais força a quem o organizou: o gigante tem medo do anão e protege-se na sua fortaleza accionando a segurança máxima. Passada uma hora e meia, e com um protesto Não Vai Ter Copa marcado para as 17h no Brasília Shopping, desliga-se a música, arruma-se o megafone, e os rolezeiros rolam nos seus carros até ao Não Vai Ter Copa. Se estavam mais de 50 manifestantes ao todo, contando com os do rolezinho, era muito. Já de polícia e polícia militar, o número era bem maior. Para os rolezeiros, o dia já tinha sido ganho.
Ouçam a Mácia Teixeira: Vídeo de Vera Moutinho

 

Rafael Balbueno
Rafael Balbueno

Invisíveis porque demasiado visíveis

por Giulia Galeotti/ Osservatore Romano

Fotos de Lee Jeffries

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Invisíveis porque demasiado visíveis. Presenças, cada vez mais constantes no nosso panorama urbano, que vivem silenciosamente abandonadas às margens das ruas que percorremos todos os dias. Que nos incomodam porque é mais fácil enviar dinheiro aos pobres da África que superar a tentação de desviar o olhar daqueles leitos que contêm os restos da nossa indiferença. Cada um de nós tem a sua culpa por ter tentado expulsar o grito de solidão, de desolação e embrutecimento que provém, mudo, destas pessoas. Dos corpos consumados e provados dos desabrigados, sem casa nem família, dos rostos fechados em si mesmos, completamente sós. Parece que são impermeáveis a tudo, e no entanto não é difícil perceber o coração esmagado pelo sofrimento de quem sabe que vive e morre ao nosso lado com a nossa mais total indiferença.

Apesar de tudo há pessoas que tentam fazer alguma coisa. Na França uma mulher e um homem escolheram viver com eles, partilhando literalmente a sua existência: Colette Gambiez e Michel Collard. Desejando conhecer deveras estas pessoas, tornaram-se mendigos, enfrentando a luta diária contra frio, fome, rejeição, solidão e abandono para tentar construir uma comunidade e traçar um caminho juntos.

A história dos anos vividos com os desabrigados em 1998 tornou-se o livro Quand l’exclu devient l’élu, vie partagée avec les sans-abri, que agora foi traduzido em italiano (Sulla strada, Roma, Castelvecchi, 2013). São páginas que nos imergem neste mundo distante de nós embora tão próximo: o mundo das mulheres e dos homens-sombra, que vivem em papelão, remexendo o lixo, dormindo nas calçadas e nos corredores do metropolitano.

Collard teve contacto com esta realidade através de uma associação de voluntariado na qual permaneceu por cinco anos, antes de tomar a decisão de partilhar integralmente a vida dos desabrigados. Estávamos em 1983. Nove anos depois Collard prosseguiu o seu caminho com Gambiez, enfermeira fundadora da comunidade Magdala (a favor dos desabrigados), que se tornou sua esposa. Juntos abandonaram tudo para partilhar a vida dos mais pobres. Por detrás da sua escolha estava o desejo de seguir o exemplo de são Francisco, para compreender e amar, interpelar a si mesmos e a Igreja, na convicção de que precisamente nisto é possível o encontro com Deus.

O coração da sua experiência é exactamente o que não gostaríamos de ouvir: «Mais do que o pão é preciso oferecer uma relação fraterna, isto é, recíproca». De facto, a verdadeira infelicidade de quem vive na rua está na dor dilacerante da falta do encontro.

Graças à escolha de Collard e Gambiez, ouvimos quem nos conta a verdade desta vida, as histórias, as dores, os sonhos. Existem dificuldades concretas: quem dorme todas as noites numa cama não consegue imaginar no que consiste a vida de uma pessoa cujo corpo nunca se distende bem, mas está sempre contraído e encolhido. Há a violência sofrida e provocada, que é o pão de cada dia dos pobres. Há a inadaptação, às vezes a loucura; para o homem que sente queimar dentro a própria falência, refugiar-se no imaginário pode ser a única saída para sobreviver.

São situações rápidas e mortíferas como a areia movediça para as quais é necessária uma ajuda diária ampla, muito além do limite da inserção formal. «Para alguns a reinserção já se tornou quase impossível. Então procuremos promover actividades que os tirem do estado meramente vegetativo. A ideia é criar lugares comunitários como as comunidades da Arca», explicam os autores do livro.

Demonstração de uma realidade que une as sociedades mais distantes, as vidas narradas por este surpreendente casal francês encontram parecenças concretas nas imagens de Lee Jeffries, fotógrafo autodidata, contabilista de profissão, que passou os últimos anos nas ruas de Roma, Los Angeles, Paris, Miami, Nova Iorque, Las Vegas e Londres. Não se reconhecem os lugares mas só a dimensão pessoal: são retratos em branco e preto de olhares e rostos de homens, mulheres e crianças unidos pelas dificuldades e pelo sofrimento, mas que brilham de vida.

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Não são imagens feitas à traição, mas retratos fruto do encontro, construído pelas ruas das cidades. Entre luz e sombra, enquadramentos sóbrios sobre fundos monocromáticos escuros, as imagens restituem olhos terrivelmente vivos, brilhantes, lúcidos, arregalados pela surpresa, que choram e olham para o céu, olhos vendados e cegos, olhos enormes e olhos que são fendas. Muitas barbas, lágrimas, muitíssimas rugas. E mãos. Mãos que suplicam, riem, desesperam-se, imploram, rezam, escondem, mãos que fumam, mãos postas sobre o ventre. Crianças que se dão as mãos.

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