“Se a gente é o que come,
Quem não come nada some
Deve ser por isso
Que ninguém enxerga
Toda essa gente que passa fome”.
A antropofagia do nosso tempo se condensou nas mesas e nas telas, alimentamo-nos de ilusões e cegamos para as laterais frias e geladas que a calada da noite esconde sob o frio alucinante do inverno. As barracas miúdas são temperadas com a agonia gelada do tempo e o preço caro da vida pobre. O olfato engole e a boca treme, as mãos convulsionam à caça de qualquer pão duro numa lata fétida de lixo, os olhos vasculham cada centímetro do longo asfalto que lambe nossos pés. Ao largo da miséria, estão ternos e gravatas bem cotados, cabelos penteados e peles cheirosas, sorrisos mornos e boemias prosaicas. O vago fantasma que vai pululando os cantos enegrecidos pela noite da vastidão cinza das cidades, comem os restos de nossa alma e se alimentam da lasciva humanidade que imaginamos ainda existir em nosso corpo. Sobramos e eles recolhem. Sobram eles pelas ruas, e nós nos recolhemos em nossos lares.
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Foto: Bruno Silva – Midia NINJA
Texto: Laio Rocha – Fotógrafos Ativistas
Poesia: Victor Rodrigues
(Audiodescrição: Criança sentada tocando violão. A sua direita, uma barraca de acampamento, encostado a ela uma cesta com pães junto de outras barracas. Ao fundo está o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais)