
por Angélica Fernandes
“O corpo da Cláudia ficou abandonado na rua por mais de meia hora.” É com este desabafo que a única testemunha presente no momento em que Cláudia Silva Ferreira, de 38 anos, foi baleada, no último domingo, afirma, com riqueza de detalhes, que os policiais militares foram os responsáveis pela morte da servente. Segundo a testemunha, os PMs estavam a menos de três metros de distância de Cláudia quando fizeram os disparos.
“Os policiais dobraram a esquina e deram de frente com ela. Um deles apontou a arma (ela diz ser um fuzil) e atirou umas seis vezes”, relembra a testemunha, que é vizinha de Cláudia no Morro da Congonha, no Rio de Janeiro. No dia do crime, ela teria visto os dois policiais descendo da mata antes de os tiros serem disparados. De acordo com a moradora, os PMs estavam andando tranquilamente até se depararem com Cláudia. “Eu estava logo atrás deles e vi tudo”, conta a testemunha, que na sexta, prestou depoimento na 29ª DP (Madureira).
Após os tiros, a vizinha da servente voltou correndo para casa com medo. Dez minutos depois, ela saiu novamente e viu que Cláudia ainda estava lá. “Ela já estava morta. Fiquei apavorada e chamei os moradores. Trinta minutos depois, os policiais voltaram na maior calma”, explica a testemunha, que desmente outra versão dos PMs: a de que Cláudia foi no porta-malas porque não dava para abrir a porta traseira, já que a viatura estava em um beco. “Beco? Era uma rua normal, de cinco metros de largura”, acrescenta. Quando a viatura passou pela Avenida Intendente Magalhães, o corpo da servente ficou pendurado na mala e foi arrastado por 350 metros. Na sexta, os três policiais foram soltos, por uma decisão da Justiça.
Hoje, moradores da Congonha farão uma homenagem à servente na festa de aniversário dos filhos gêmeos dela, que completam 10 anos. “Faremos um minuto de silêncio e uma oração”, detalha o viúvo de Cláudia, Alexandre Fernandes.

A testemunha afirma que viu a viatura passar com a caçamba fechada e que um grupo de menores seguiu o carro a pé, de bicicleta e de moto. Um rapaz negro, que, segundo o motoqueiro, seria menor, teria mexido na fechadura quando a viatura parou para pegar a rua principal de saída da favela.
O homem relatou ainda que, depois disso, viu a tampa da mala abrir e fechar quando o carro se movimentou, mas que o motorista não viu. A testemunha não sabia que lá dentro havia uma pessoa. Ele alega não ter nenhuma ligação ou conhecer os policiais.
Investigados por suspeita de terem feito os disparos, o tenente Rodrigo Medeiros Boaventura e o sargento Zaqueu de Jesus Pereira Bueno negaram em depoimento terem visto as vítimas durante o confronto. Além de Cláudia, também morreu o adolescente Willian Possidônio, 16, e foi baleado Ronald Felipe dos Santos.
Parentes de Cláudia prestaram depoimento ontem. O advogado João Tancredo pedirá a inclusão deles no Programa de Proteção a Testemunhas.
Vítima parecia desmaiada
O cabo Gustavo Meirelles, que ajudou o subtenente Adir Serrano Machado a colocar a vítima na caçamba, declarou que ela aparentava estar “desmaiada” no momento do socorro. Segundo o laudo de necrópsia, ela morreu devido ao tiro.
O delegado Carlos Henrique Machado disse que os laudos devem sair terça-feira. Ele quer saber se a morte foi instantânea [um tiro no coração…] e o tipo de munição que a atingiu. “A única certeza é de que a moradora foi vítima da guerra que nós vivemos do tráfico contra a polícia”, disse o delegado, que vai fazer reconstituição do caso. [Se tem tanta certeza…]
Alexandre criticou a soltura dos três PMs que arrastaram sua mulher. “É lamentável. Quem comete crime consegue habeas corpus. A soltura dos PMs dobra nosso medo. Se eu desse uma paulada em alguém, seria preso. Não há justiça para policiais”. [Dois dos assassinos de Cláudia são seriais killers]

Reportagem de Adriana Cruz, Roberta Trindade e Vânia Cunha