Uma sociedade dominada pela cultura do descarte
Concentrou-se em pouco mais de dez horas densas de encontros a visita do Papa Francisco a Cagliari, onde no domingo 22 de Setembro foi acolhido com calor e entusiasmo por quase quatrocentas mil pessoas de toda a Sardenha. O dia foi significativamente aberto pelo encontro com o mundo do trabalho. Num contexto marcado por um dramático desemprego, sobretudo juvenil, o Pontífice recordou que “quando não há trabalho não há dignidade”, consequência de “um sistema económico que tem no centro um ídolo”, o dinheiro. E o tema da falta de trabalho voltou durante a missa celebrada diante do santuário de Nossa Senhora de Bonaria: no início da homilia o Pontífice falou do “direito de levar o pão para casa” e disse que a Virgem ensina a ter um olhar que acolhe: doentes, abandonados, pobres, distantes, jovens em dificuldade.
De tarde, na catedral, ao encontrar-se com quantos são assistidos pela Igreja, o Papa alertou contra o risco de que, numa sociedade dominada pela cultura do descarte, a palavra “solidariedade” seja “cancelada do dicionário” porque “incomoda”. Enquanto que, no encontro seguinte com o mundo da cultura, falou da crise – definida “de mudança epocal” – como perigo e como oportunidade. Por fim, aos jovens o Papa Francisco pediu para não dar ouvidos a quantos “vendem morte”, nem desanimar face às falências e dificuldades. Que confiem só em jesus. Que se abram a Deus e aos outros, na fraternidade, na amizade e na solidariedade.Sempre com ele
por GIOVANNI MARIA VIAN
A segunda visita na Itália do seu primaz, o bispo de Roma que veio “do fim do mundo” o qual escolheu o nome do santo de Assis, visitou outra ilha depois de Lampedusa. Aquela viagem, primeira do Pontificado, a uma das periferias mais dramáticas do nosso tempo tinha querido expressar com uma força evidente a atenção ao fenómeno mundial das migrações. De modo análogo durante o dia passado em Cagliari o Papa Francisco disse palavras que foram muito além dos confins da Sardenha.
Tendo chegado a Nossa Senhora de Bonaria como que para pagar uma dívida do coração, o Pontífice falou de facto da falta de trabalho e de uma organização social cada vez mais desumana, de solidariedade e da crise epocal que difunde o veneno da resignação. E fê-lo com eficácia extraordinária, não como “um empregado da Igreja que vem e vos diz: Coragem! Não, não quero isto! Gostaria que esta coragem viesse de dentro e me estimulasse a fazer tudo como pastor, como homem”. Para enfrentar “com solidariedade e inteligência este desafio histórico”, acrescentou.
Quem ouviu estas palavras compreendeu que o Papa Francisco reza, age e fala como um cristão e como um homem que se põe em questão. Com efeito, enfrentou o drama alastrador constituído pela falta de trabalho fazendo antes de tudo uma confidência, quando falou da grande crise dos anos trinta e da sua família de emigrantes italianos na Argentina: “Não havia trabalho! E eu ouvi, na minha infância, falar deste tempo, em casa. Eu não o vi, ainda não tinha nascido, mas senti dentro de casa este sofrimento”.
Mas talvez o testemunho mais comovedor foi quando o Pontífice falou aos jovens do dia 21 de Setembro, “sexagésimo aniversário do dia em que ouvi a voz de Jesus no meu coração”. Desde então – no ano de 1953 – a vida do jovem de dezassete anos começou a tomar um rumo diverso, e foram “sessenta anos no caminho do Senhor, atrás dele, ao lado dele, sempre com ele” disse o Papa. Que se declarou “feliz por estes sessenta anos com o Senhor”, concluindo que é preciso “ir em frente com Jesus. Ele nunca falha”.