Guerrilha do Araguaia. A ordem era eliminar todos os prisioneiros

por Romualdo Pessoa

A cada entrevista, a cada contato com um morador, a cada depoimento de camponeses agredidos e obrigados a tornarem-se guias dos pelotões militares, mais sentíamos que tínhamos em mãos um fato histórico que escondia feridas não cicatrizadas, protegidas a ferro e fogo por quem extrapolou nos limites estabelecidos em acordos internacionais, principalmente no que diz respeito à proteção da população civil e aos combatentes aprisionados com vida. Aos poucos comprovávamos que aconteceram muitas execuções. Guerrilheiros, e até mesmo moradores da região, após serem torturados eram assassinados friamente.

Gradativamente íamos descobrindo segredos guardados pelas Forças Armadas, cujo objetivo era impedir que os abusos que foram praticados no combate à guerrilha fossem apontados e submetidos às sanções como crimes de guerras. Além da tentativa desesperada de omitir para a história os erros que foram cometidos pelas forças militares institucionais. Estratégias e táticas equivocadas que levaram a três operações, sendo que duas delas foram mal sucedidas, fracassadas em seus intentos de eliminarem rapidamente um conflito do qual não se tinham ainda maiores informações.

Erros de inteligência, na identificação do grau de capacidade de reação dos insurgentes, foram cruciais para derrotar as forças armadas nas duas primeiras ofensivas. Soldados mal preparados, e desconhecendo o real objetivo de suas presenças na região do Araguaia, completavam o festival de equívocos cometidos pelos comandantes militares, do Exército, principal força presente na área, mas também em menor medida, da Aeronáutica e da Marinha. No apoio, polícias militares (mais despreparadas ainda) dos Estados de Goiás, Maranhão, Pará e Mato Grosso, completavam o cerco. E alguns agentes da Polícia Federal e do Serviço de Segurança (SNI).

Incapazes de derrotar os guerrilheiros militarmente nas duas primeiras campanhas, os comandantes militares mudaram de tática, recuaram suas forças e elaboraram um plano de preparação anti-guerrilha, com um contingente menor e mais preparado para esse tipo de confronto e com soldados adaptados para a guerra nas selvas. Um trabalho de inteligência infiltrou agentes por cerca de um ano, mapeou toda a região, identificou possíveis pontos de apoio dos guerrilheiros e nominou todos aqueles moradores da região que, de uma forma ou de outra, tinham contato com os inimigos.

No início da terceira campanha, em outubro de 1973, uma nova guerra também começava, desta vez os militares não estavam pensando em prender guerrilheiros. Pela dimensão do movimento, inclusive com repercussões internacionais, pela capacidade de formar rebeldes altamente capacitados para novos eventuais movimentos guerrilheiros, a ordem dada era eliminar todos os que ainda estavam vivos. De qualquer maneira.

Não foi uma ordem de generais de comando do combate ao movimento. Ela foi determinada pelos altos postos de direção do Estado Militar Brasileiro, a partir de seu presidente, na época o General Emílio Médici. E apoiada por todos que compunham o escalão maior das Forças Armadas Brasileiras. A determinação foi cumprida a contento do ódio nutrido por três anos à ousadia de um pequeno grupo de se preparar para uma guerra de guerrilha no Brasil rural. Ódio potencializado pelas derrotas iniciais e, claro, pelo embate que se travava internacionalmente, no âmbito da guerra fria, entre os que se alinhavam aos interesses dos Estados Unidos, e defendiam com firmeza o capitalismo, e os que se alinhavam ao bloco socialista, diferenciado em regimes com perfis diferentes: China, Cuba e URSS.

O que se escondeu por tanto tempo, mas já não mais se constitui em segredo, não somente pelos documentos que já apareceram, mas pelos inúmeros depoimentos de moradores daquela região, muitos submetidos à humilhação, prisão e torturas, é que dezenas de militantes foram presos com vida e depois eliminados, seguindo a ordem de “não deixar nenhum vestígio da existência da guerrilha”.

(Transcrevi trechos. Leia mais)

Publicado por

Talis Andrade

Jornalista, professor universitário, poeta (13 livros publicados)

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